• 24 maio 2016

    Primeiros sintomas de desagregação do governo de Temer

24 de maio de 2016

Como aproveitar as gigantescas dificuldades dos golpistas em estabelecer a governabilidade

Há que organizar imediatamente a luta dos explorados contra as medidas antinacionais e antipopulares de Temer

Nem bem Romero Jucá tomou assento no ministério do Planejamento, renunciou sob a rumorosa revelação de que tramou acalmar a ofensiva da Operação Lava Jato. Mais precisamente tramou a derrubada de Dilma Rousseff como parte da solução do problema. Sem dúvida, Michel Temer agiu na mesma linha de fritar o PT e livrar o PMDB do gigantesco escândalo de corrupção.

O envolvimento do PSDB na conversa de Jucá com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, não foi gratuito. Importantes figuras que estiveram à frente do movimento golpista, como Aécio Neves, Aloísio Nunes e Carlos Sampaio, estão na “bandeja para serem comidos”. Jucá, para aliviar ao desesperado Machado, apresentou-lhe a solução mais viável para “estancar a hemorragia”: “mudar o governo”.

Um dos pontos do pronunciamento da posse de Temer foi o de apoiar a Operação Lava Jato. Foi obrigado a iniciar sua administração com tal promessa, tamanha a evidência de que sacrificando o governo petista abria-se a possibilidade de arrefecer o escândalo de corrupção. Ocorre que as investigações e as delações premiadas já haviam percorrido um caminho que impossibilitava manter o sigilo e dissolver as denúncias contra figuras como Jucá.

Setores da burguesia e a imprensa monopolista que concorreram decisivamente para o golpe previam o perigo de se organizar, no final das contas, um governo em torno de homens carimbados. Exortaram Temer a constituir um “ministério de notáveis”. Foi uma forma de alertar sobre o perigo do golpe de Estado “dar com os burros n’água”. Não bastava destituir Dilma. Era preciso formar um governo de “unidade nacional”, ou seja, de coalizão das forças que tornaram possível o impeachment. Para isso, não seria um governo montado em torno do PMDB. O PSDB e DEM necessariamente teriam de ser fatores constitutivos e não condôminos. Uma aliança de ferro destas três forças poderia disciplinar os demais partidos que contribuíram com o golpe, sejam os amigos de primeira hora ou os adventícios. Um acordo dessa natureza implicaria que decisões estratégicas seriam tomadas em conjunto, entre elas como finalizar a Operação Lava Jato.

Ao contrário do que diz o juiz Sérgio Moro sobre a independência do judiciário e da polícia federal diante das denúncias sobre as intenções de Temer, a Lava Jato é um problema de governo e de governabilidade. A estabilização de um governo nascido da crise e de um golpe não pode conviver com investigações, denúncias e processos tão amplos. Estava de bom tamanho a defenestração do PT, que é burguês, mas não orgânico da burguesia, e de seu governo. Ocorre que parte das delações envolvendo o PMDB e PSDB não pode ficar oculta. Uma vez posto o trem em marcha não é possível freá-lo abruptamente. Está aí por que foi inevitável o vazamento da cavernosa conversa de Machado com Jucá, ambos do PMDB. Não faltam tontos para acreditar nas palavras de Sérgio Moro de que a justiça não tem partido.

O problema agora é saber o que vai acontecer com mais cinco ministros denunciados. O dilema do poder judicial e policial está em decidir se se sacrifica tão somente Jucá e assim se salvam os demais. O ministro Henrique Alves, por exemplo, está no bico do corvo. Vai ser poupado?

A corrupção é inerente ao Estado burguês, envolve todos os partidos da ordem. É ampla e profunda. Não é preciso muita clareza política para saber que corrupção não derruba governo. Nem falcatruas com o orçamento, nem violação de uma lei como a de “Responsabilidade Fiscal”. O que derrubou Dilma Rousseff foi sua incapacidade de levar adiante seu plano de ajuste fiscal e de resolver o déficit primário, necessário para manter solvente o Tesouro Nacional diante dos credores da dívida pública. No entanto, o silêncio sobre a ampla implicação do PMDB e PSDB é, evidentemente, importante para estancar por ora a crise política.

Temer não foi imprevidente ao entregar um ministério tão importante como o do planejamento. O certo é que não teve escolha. Romero Jucá foi um dos grandes articuladores do golpe no Senado, ao lado de Aécio Neves, Aloísio Nunes (PSDB) e Ronaldo Caiado (DEM), que conseguiu se livrar das denúncias sobre suas relações com a contravenção. Seria um absurdo atribuir à virada de Temer e PMDB a favor do impeachment simplesmente o objetivo de se safarem da Operação Lava Jato. Mas também seria uma impostura negar que este foi um importante objetivo, que reuniu por detrás o PSDB, DEM, PP, PR, etc.

Esse quadro indica que as disputas interburguesas desencadeadas pela crise de superprodução e desintegração do capitalismo não cessaram com a derrubada de Dilma Rousseff. Afinal, que importância tem a queda de Romero Jucá? Ateia fogo na esperança do PT e da Frente Brasil Popular na possibilidade de reverter a situação adversa no Senado. Distintamente da Câmara Federal, nesta “Casa” para o impeachment se tem previsto um quórum apertado.

A bandeira de “Fora Temer” e “Fica Dilma” desperta entusiasmo nas hostes petistas. De forma que o golpe seria barrado não pelo levante das massas, mas pela própria incongruência dos golpistas e incapacidade de Temer montar imediatamente um governo anticrise. Essa foi a diretriz dos governistas que vigorou durante todo o processo que concluiu com a destituição de Dilma Rousseff.

Caso o PMDB e aliados conseguissem um governo de unidade, que cessasse as disputas internas pelo poder do Estado, a finalização legislativa do golpe dentro de 180 dias estaria praticamente garantida. No entanto, os tropeços iniciais da camarilha de Temer na organização do governo puseram em dúvida se o impeachment não acabaria como vitória de Pirro. Esse é o temor de setores que estiveram desde a primeira hora pelo impeachment. E essa é a esperança do PT, que viu no tombo de Romero Jucá uma fresta de luz. Ocorre que a questão já não é se Dilma será reconduzida pelas mãos do Senado ao lugar de onde não devia ter saído, mas sim de governabilidade. Se desde a disputa eleitoral de 2014, a instabilidade estava instalada como tendência política da crise econômica, com o processo de impeachment se firmou e avançou.

O triunfo do impeachment estabeleceu um novo marco da crise política, que assumiu a forma de uma nova etapa. Encerrou-se a experiência histórica com o reformismo petista, que concluiu como tributário do grande capital e que por ele se sacrificou diante das necessidades dos explorados e da tarefa de emancipar o País do imperialismo. Na hipótese pouco provável de Dilma conservar a presidência, a ingovernabilidade crescerá. O PT está ciente desse prognóstico. A governabilidade petista está encerrada.

O que de fato está colocado no horizonte? Caso Temer não se afirme, a via é a de convocação de eleições. Há facções do PT e da própria aliança golpista que já anunciaram que essa possibilidade não deve ser descartada. O impeachment, evidentemente, serviu apenas para abrir caminho a uma nova reordenação das forças burguesas no Estado. Não é solução, como dissemos. Por ser, no entanto, parte dela, abre duas portas. A mais desejada e por onde se adentra, é a constituição de um governo transitório assentado em uma nova aliança e nas cinzas do PT. A outra é a da convocação de eleições presidenciais antecipadas. Se Temer superar esse primeiro baque, com apoio do grande capital e do imperialismo, poderá cumprir essa função conjunturalmente estabilizadora, mesmo que se arraste em choque com as massas.  Caso contrário, colocar-se-á uma negociação em torno de eleições.

O PT não pestanejará em fazer parte de um novo conluio burguês contra os interesses da maioria explorada. E por quê? Porque o que está em primeiro plano para a burguesia, nesse caso para todas as suas frações, é restabelecer a governabilidade e a estabilidade política. Essa é uma condição para o governo levar à prática a política econômica antinacional e antipopular. Isso explica a observação de Fernando Henrique Cardoso no sentido de que Lula já foi presidente e deve saber decor que os interesses da Nação estão acima dos partidos. Em palavras verdadeiras, que os interesses da classe capitalista estão acima da Nação. O PT governou para a burguesia. De maneira que, segundo as leis da dominação, é o PT que deve à burguesia credora. Mesmo tendo sido punido com a defenestração de seu governo, deve agir como uma oposição democrática, que significa não pretender se colocar acima da Nação.

O impeachment e o recém-formado governo golpista levaram a crise a esse ponto, segundo as relações políticas emanadas da economia e da dominação de classe. À classe operária e ao demais explorados não cabe defender a reorganização das forças burguesas e trazer de volta ao poder do Estado o governo deposto. Não é de seu interesse colocar-se sob a bandeira de “Fora Temer” e “Fica Dilma”, ou da versão preferida de setores das esquerdas de “Fora Temer” e “Eleições Gerais”. Mais precisamente, não é uma bandeira de poder classista, revolucionária. Não serve inclusive como bandeira democrática de luta contra um golpe triunfante.

As tentativas de se diferenciar da posição governista, valendo-se de variantes democratizantes, que proliferaram entre as correntes de esquerda, não fizeram senão refletir a ausência da estratégia de poder do proletariado. É comum entre distintos agrupamentos o argumento de que não estamos diante de uma situação revolucionária que justificasse a defesa de um poder próprio, portanto, da revolução proletária e da fórmula de governo operário e camponês. Sendo assim, os explorados estão fadados a se colocarem por trás da estratégia democrático-burguesa de defesa do governo Dilma ou de convocação de eleições antecipadas. Está aí por que assistimos um arco íris de bandeiras: “Não vai ter golpe”, “Fica Dilma”, “Fora todos, eleições gerais”, “Fora Temer” e “Eleições Gerais” (ou a versão mais sofisticada de “Fora Temer” e “Assembleia Nacional Constituinte Soberana”).

É compreensível que o PT e seus aliados (PCdoB, etc.) se fixassem na disputa pelo voto dos parlamentares, sob a bandeira de defesa da democracia e do Fica Dilma. Não o é, à primeira vista, que as esquerdas tenham se perdido nas variadas versões. Era de esperar que constituído o governo golpista os petistas passassem a gritar “Fora Temer”, que carrega em si a solução mágica de eleições gerais. Se se pretende ficar mais à esquerda, basta adicionar ao “Fora Temer” a convocação de uma Constituinte. Por essa via, não se pretende combater o governo golpista para derrubá-lo, mas para inviabilizá-lo, frustrar o impeachment e abrir as portas de novas eleições. Por essa vereda, no final das contas, passará toda a esquerda democratizante que rechaça a posição do POR de defesa da estratégia revolucionária do proletariado.

Se é verdadeiro que o golpe não criou uma situação revolucionária, na qual necessariamente a classe operária teria de tomar a dianteira dos embates e transformar a luta econômica da maioria oprimida em luta política aberta contra o Estado, o que, portanto, justificaria a defesa da estratégia de poder próprio, também é verdadeiro que a defesa da estratégia é fundamental para nortear o programa de reivindicações e a tática revolucionária. Somente o proletariado poderia e pode derrotar o movimento golpista e não se ater ao governo burguês de Dilma. Para isso, era preciso que a sua vanguarda desenvolvesse os combates sob a estratégia do governo operário e camponês. Ao contrário, toda dissensão em torno do impeachment esteve sob a estratégia burguesa de poder.

Está aí por que os burgueses não tiveram nenhum embaraço em destruir maciçamente forças produtivas, fecharem cerca de quatro milhões de postos de trabalho, atacarem os salários, imporem flexibilização capitalista do trabalho e assassinarem camponeses sem que houvesse qualquer resistência. Isso quando os opressores do povo se davam o luxo de derrubar um governo eleito 54 milhões de votos. Vê-se, incontestavelmente, que a classe operária estava sendo sacrificada sob o manto da crise política, enquanto seus sindicatos e centrais se concentravam em torno do contra ou a favor do impeachment.

A esquerda democratizante se perdeu em artifícios de aparência democrática justamente por não se guiar pela estratégia da revolução proletária. Muito se fala sobre a independência de classe, mas se desconsidera ou se desconhece que essa somente se realiza sob a estratégia própria de poder. Muito se fala que a estratégia condiciona a tática, mas no momento em que a luta de classe cria as condições para defendê-la no seio das massas as esquerdas a ocultam sob bandeiras democráticas, no caso extemporâneas e fora de lugar. Bem mais claro é quem diz: vamos limitar nossa luta à defesa do governo Dilma. Diante do governo golpista diz: ainda estamos pela permanência de Dilma. Deixa, assim, evidente seu arrivismo. A evidência do arrivismo é mais sincera que a impostura das esquerdas que buscam solução da crise nas eleições ou na assembleia constituinte.

Por essas variantes, não será possível aproveitar as imensas dificuldades que já enfrenta Michel Temer. O golpe já foi dado. O governo golpista está diante dos explorados, dizendo que devem trabalhar e arcar com mais sacrifícios. As medidas anunciadas são de caráter antinacional e antipopular. É opondo-se radicalmente a elas com as reivindicações da maioria oprimida que enfrentaremos a direita burguesa que por ora assumiu o comando do Estado.

Derrubemos o plano Temer/Meirelles/Jucá unificando nacionalmente os trabalhadores como uma só força contrária à reforma da previdência, reforma trabalhista e cortes de verbas aos serviços e programas sociais; uma só força contra o retrocesso na política de assentamentos agrários; uma só força contra a repressão aos movimentos; uma só força contra as privatizações; uma só força contra o pagamento da dívida pública; uma só força contra as demissões e o desemprego; uma só força pela defesa do poder de compra dos salários. Essas são as bandeiras e tarefas do momento.

Que os sindicatos e as centrais comecem por convocar as assembleias, constituir comitês locais, regionais e nacional e estabelecer coletivamente as reivindicações e por onde começar a luta. É por esse caminho que a classe operária e os demais oprimidos expressarão sua revolta contra os exploradores e seu governo. É por esse caminho que lutarão no campo da independência de classe. É por esse caminho que se depararão com a necessidade de ter uma estratégia de poder próprio e de criar os meios para avançar rumo à revolução social. Nossa principal tarefa é organizar um movimento de frente única em defesa da vida dos explorados.