• 02 jul 2016

    O capitalismo jamais acabará com a discriminação do homossexual

2 de julho de 2016

A discriminação contra homossexuais é obra da sociedade de classes. O marxismo está obrigado a compreender suas determinações materiais e expor suas raízes históricas. E as encontra no organismo social que constitui a célula econômica da sociedade: a família. De forma que a livre manifestação do amor sexual depende da extinção da família na sua forma burguesa.

Certamente, a experiência histórica demonstra que as relações entre o Estado burguês e as camadas da população homossexual passam por diversas fases e contradições segundo se operam as mudanças nas relações entre as classes e na superestrutura política. Somente sobre essa base se pode compreender e explicar o avanço e os recuos, assim como o caráter e o conteúdo das mudanças que se operaram no campo jurídico e legal em relação aos direitos civis dos homossexuais.

Nesse percurso do avanço dos direitos civis foi a pequena burguesia quem tomou a frente dos movimentos. Tratou-se de um reflexo de sua ascendência política em condições de refluxo do movimento operário, de avanço da degenerescência estalinista e de destruição da direção que encarnavam a revolução socialista mundial. De forma que os objetivos, as reivindicações e os métodos dos movimentos de homossexuais refletem tanto os interesses, quanto as limitações dessa classe. O Estado burguês não fez outra coisa a não ser adaptar suas reivindicações e institucionalizar seus movimentos.

É necessário ainda assinalar aqui que a primeira divisão do trabalho aconteceu no seio da família em condições que obrigaram às sociedades primitivas a realizar uma divisão “natural” do trabalho na base das particularidades biológicas dos sexos, objetivando assim garantir a reprodução da espécie em face das forças naturais hostis. No entanto, com o desenvolvimento das forças produtivas e a propriedade privada, essa divisão “natural” foi subordinando-se progressivamente à divisão social do trabalho na base das forças produtivas sociais conquistadas pela humanidade e resultantes da apropriação privada do excedente econômico pelo homem-proprietário.

É nessas condições históricas que surgem e desenvolvem as noções ideológicas que assinalam aos relacionamentos sexuais como sendo “naturais” ou “antinaturais”. No capitalismo, ora seja sob a cobertura das “determinações biológicas naturais”, ora seja sob das “determinações divinas”, a base histórica e social de se considerar o amor sexual entre homem e mulher como o único “natural” tem por fundamento a preservação das relações sociais no seio da família que servem de veículo à reprodução da propriedade privada dos meios de produção, a exploração do trabalho e a escravização da mulher.

A “exclusividade” sexual da mulher no matrimonio e na família no capitalismo constitui uma garantia para assegurar esse fundamento no seio da classe proprietária dos meios de produção, através da herança. A vida sexual individual do homem-proprietário fora dela não foi objeto de legislação ou de perseguição social e jurídica enquanto não afetasse esse fundamento basilar do capitalismo.

O contrário é verdadeiro para a família operária. Nela não existem bens, nem propriedades a serem herdados. A família proletária, diferentemente da burguesa, é uma instituição social e econômica em estado de constância desintegração. Por outro lado, o modo de produção capitalista não impõe ao proletariado nenhuma forma particular de organização familiar enquanto que se reproduza em quantidade e com capacidades físico-intelectuais suficientes para suprir as necessidades do capital na produção social. No entanto, no percurso do capitalismo cresceram as dispensas e as campanhas públicas para evitar as consequências da desagregação familiar entre os proletários. A burguesia promoveu medidas objetivando sedimentar entre os explorados a necessidade da família monogâmica individual. O que exigia reforçar por sua vez as noções ideológicas do amor sexual heterossexual como o único “natural”. Tratava-se, em última instância, de colocar aos cuidados das famílias proletárias as velhas e novas gerações do operariado. E fazer da família o esteio da reprodução da ideologia da classe dominante.

 

Reconhecimento legal dos casais e uniões civis de homossexuais no capitalismo

Os avanços da legislação sobre casamentos e uniões civis de homossexuais, o reconhecimento de direitos previdenciários e de atenção à saúde de parceiros de uniões estáveis, a promulgação de novos códigos civis e as ações da justiça criminal sobre os chamados de “violência por motivações sexuais” ou “homofobia”, de conjunto, representam avanços na jurisprudência civil e penal burguesa. Refletem os avanços dos movimentos no caminho de sua organização social e política em torno do princípio democrático burguês de aplicação da “igualdade dos indivíduos perante a lei”. O Estado burguês reconhece, por sua vez, a existência de indivíduos que foram impedidos de usufruir de direitos elementares estabelecidos pela própria burguesia no seu percurso histórico. Ao fazê-lo, não aceita um fundamento contrário a seus interesses. Ao contrário, cria as condições de sua reprodução diante das diversas manifestações do amor sexual no seio das famílias individuais da sociedade burguesa.

Por que a burguesia e seu Estado tiveram de avançar na legislação e na jurisprudência que favorecem a institucionalização dos casamentos e uniões de homossexuais? E mais ainda quando a Igreja acirrava seus ataques obscurantistas ao amor homossexual em quaisquer de suas formas? Evidentemente, existiram não somente razões da ordem política – importância eleitoral dos movimentos e a necessidade de conter suas manifestações no campo da institucionalidade burguesa – como econômica e ideológica.

Em primeiro lugar, a legalização dos casamentos e uniões civis de homossexuais são apenas uma das formas que adquire a família monogâmica individual na sua forma especificamente burguesa. Isto, porque essa preserva seu conteúdo econômico e seu fundamento ideológico: a herança. Basta comprovar os laços consanguíneos ou certificar a guarda legal para preservar esse fundamento.

Em segundo lugar, porque os direitos civis – a exemplo do reconhecimento jurídico do vínculo e do direito dos cônjuges à previdência social e aos planos de saúde- expressa o anseio das camadas médias e sua solução, embora parcial, fortalece as ilusões democrático burguesas nas vias reformistas. Isso permitiu à burguesia administrar política e eleitoralmente um setor das classes médias urbanas.

Terceiro, porque esse reconhecimento jurídico e legal aumenta o poder repressivo do Estado no seio da sociedade. A punição e criminalização da violência exercida contra as pessoas em razão de sua sexualidade, certamente, limita circunstancial e temporalmente o avanço desse crime em particular. Porém, sob a máscara de um problema jurídico-legal se escondem as reais causas da violência contra os homossexuais: a opressão de classe, a propriedade privada individual e a economia doméstica. O fortalecimento do Estado e sua capacidade repressiva, em última instância, favorecem esses preceitos.

Em quarto lugar, porque a legalização dos casais de homossexuais abre caminho ao reconhecimento e ampliação dos negócios capitalistas em diversos ramos econômicos, dirigidos exclusivamente ao mercado de consumo homossexual, a exemplo do turismo, da saúde (tratamentos cirúrgicos especializados, planos de saúde particularizados, etc.), clubes “especializados”, etc.

Salta à luz do dia, porém, que essas mudanças moleculares se operaram em descompasso às estruturas ideológicas e políticas que em grande parte permaneceram petrificadas nas antigas concepções. Esse fato se explica, de um lado, porque a consciência das classes se desenvolve seguindo leis próprias e em meio a estruturas psicológicas de classe que perduram e se mantêm em vigência ainda que em aberta contradição com as mudanças operadas. De outro, porque esse percurso se realiza em meio a contradições que surgem da interpenetração dialética entre os princípios e interesses burgueses com formas sociais e ideológicas herdadas ou assimiladas ao aparelho de dominação da burguesia como classe dominante. Isso explica porque a maior reserva do reacionarismo ideológico não se encontra nas frações da burguesia monopolista, mas na pequena burguesia atrasada e inoculada pelo veneno religioso. Eficaz reserva social do reacionarismo social e que se manifesta mais ou menos abertamente de acordo com os avanços à desagregação social e econômica do capitalismo.

 

A reação obscurantista contra o amor sexual como assunto privado das pessoas

Coube às Igrejas cumprirem o papel de polícia moral da família burguesa. O que exigia da burguesia incorporar o obscurantismo religioso como arma ideológica de sua dominação contra o proletariado.

Observa-se que a “concepção religiosa” da família determinou, em grande parte, a atitude das classes burguesas e pequeno-burguesas para com a homossexualidade, rotulando-a como desvio dos costumes e das leis “naturais”. O fundamental está em que, para as religiões, o amor homossexual não constitui um fator reprodutivo da espécie “criada por Deus”, que fez da mulher a “reprodutora” e do homem o “provedor”. Essa divisão de “funções” seria uma determinação da ordem divina que responde pela ordem natural. E toda ação dos homens e mulheres que a contrarie é, portanto, uma “ofensa contra Deus e suas leis”.

Evidentemente, essas considerações não passam de coberturas metafísicas e idealistas de interesses econômicos concretos. Na década de 1980, o professor Jhon Boswell, da Universidade de Yale, EUA, publicou no estudo “Christianity, Social Tolerance and Homsexuality” uma demonstração histórica de que o amor sexual homossexual foi tolerado pela hierarquia católica por um longo período histórico. Tratava-se do reverso da proibição do matrimônio entre os sacerdotes e que tinha por objetivo evitar que as terras da Igreja fossem herdadas pelo filho maior do progenitor, como estabeleciam as leis feudais. Mas, ao decretarem a proibição do matrimonio heterossexual no seio da Igreja e quaisquer formas de convívio entre padres e mulheres, foram aceitos ou tolerados os relacionamentos homossexuais. Entre os séculos XI e XII, Boswell constata o desenvolvimento exponencial do homossexualismo dentro das Igrejas. Somente no Terceiro Concilio Lateranese (1179), foram proibidas manifestações do amor sexual entre padres. O grande peso da hierarquia eclesiástica nos Estados feudais impuseram essas determinações para toda a sociedade. E estabeleceu-se a pena de morte, na maior parte da Europa medieval, a quem praticasse o amor homossexual.

A questão é que o amor homossexual nunca foi um freio à reprodução da espécie humana. O maior perigo esteve sempre nas doenças, nas guerras, na miséria e outras tragédias que dizimavam as populações. Na medida em que o desenvolvimento da técnica aperfeiçoou o domínio do homem sobre a natureza e avançou ao controle e cura das doenças, a reprodução da espécie humana foi também se aperfeiçoando e mais se estendia a expectativa de vida. Com a conquista de avanços na medicina, na química, na produção de vacinas, nos tratamentos da saúde, com a melhoria dos sistemas de tratamento de aguas e esgotos, etc., o “crime de sodomia” foi perdendo assim sustentação ideológica.

 

Submissão do Estado burguês ao obscurantismo religioso

A burguesia na luta por consolidar seu poder desenvolveu uma batalha contra o reacionarismo eclesiástico, enquanto esse expressava os interesses das classes feudais e das monarquias. Uma vez que a Igreja se subordinou aos interesses da nova classe dominante, passou integrá-la ao seu aparelho de dominação ideológica. A burguesia pagou, porém, seu tributo à instituição obscurantista que demonstrava ser um instrumento eficaz para manterem no atraso os explorados. É o que se observa no texto “A revolução da família: As raízes marxistas do homossexualismo”. Sua autora, Hillary White, critica os movimentos “LGBT” por terem por base às concepções marxistas. Basta por ora essa só referência para demonstrar como os preconceitos religiosos se subordinaram aos interesses capitalistas.

No Brasil, esse processo de interdependência entre a religião e o Estado assumiu a forma da integração das igrejas às instituições burguesas transformando-se em “comitês eleitorais”, ora para os padres e pastores calcar postos no Estado burguês, ora para ampliar o domínio eleitoral dos partidos da ordem burguesa sobre os oprimidos. Está aí por que as relações entre Estado burguês e Igrejas acham sua mais ampla expressão na constituição de uma bancada parlamentar religiosa. Esse bloco serve à burguesia como um cimento ideológico de seu reacionarismo na etapa de decadência e barbárie do regime capitalista. E serve particularmente às combinações parlamentares para a aprovação ou rejeição das medidas exigidas pela burguesia mundial contra os explorados. As leis de Antiterrorismo, de maioridade penal, contra o aborto e tantas outras que atacam direitos civis, políticos e sociais dos oprimidos são vigorosamente impulsionadas pelo obscurantismo religioso no seio do Congresso Nacional. Entretanto, as igrejas exigem em troca que o Estado burguês assuma a posição obscurantista de rejeição aos direitos dos homossexuais. E, fundamentalmente, destine parte dos recursos orçamentários para seus negócios e subsidiem as igrejas.

 

Os limites do movimento pequeno-burguês pela igualdade

Do que temos dito se depreende que a tão defendida “libertação sexual” no capitalismo diz respeito, de um lado, ao reconhecimento da homossexualidade, “normatizando” socialmente sua livre expressão e, de outro, o seu reconhecimento legal e civil. São reivindicações democráticas contra a discriminação na vida social e na jurisprudência. Devem ser apoiadas sempre que o movimento se chocar com o Estado e com todas as instituições que sustentam a opressão.

Os movimentos LGBT, em sua esmagadora maioria, apresentam seus limites apegando-se à luta pelos direitos civis. Coube à pequena burguesia acadêmica o rol de criadora de uma espécie de cobertura “teórica” para justificar esse limite, disfarçando o caráter pequeno burguês das bandeiras políticas e das reivindicações, entre elas a da “libertação sexual”. Está aí por que, via de regra, não se colocam pela destruição da família como unidade e célula econômica da sociedade de classes.

É na base dessas movimentações de camadas da classe média que prolifera a concepção idealista sobre a possibilidade de acabar de vez com a discriminação contra os homossexuais pela via de reformas democráticas e sociais no capitalismo. Está aí por que servem de base social à pseudoteoria de “gênero” – que diz respeito à discriminação contra os homossexuais como sendo uma “opressão social” à parte e paralela à opressão de classe e um fenômeno social com leis e formas próprias de desenvolvimento histórico. Alimentam em setores da classe média a falsas concepções de que é possível acabar ou limitar as chagas sociais que resultam da sociedade de classes na base das ações e medidas culturais, pedagógicas e coercitivas. De forma que com o objetivo de “desconstrução ideológica” das condicionantes culturais da discriminação contra os homossexuais o movimento pequeno-burguês procura resolver “idealmente” o que tem de se resolver “praticamente”, pela luta de classes, criando as condições históricas para o surgimento de novas relações familiares.

O fundamental para os marxistas está em que a dominação do capital e a libertação dos oprimidos da opressão de classe -sob qualquer forma de manifestação particular que essa se expresse- são fenômenos irreconciliáveis. A luta no plano da ideologia e dos valores contra a opressão que travam os revolucionários contra a ideologia da classe dominante em todos os campos é, por isso, demarcada pelo princípio da igualdade e pela diretriz histórica da emancipação. E o programa que a realiza passa pela apropriação coletiva das condições de essa emancipação: a transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade social. Essa premissa parte da caracterização de que é a forma em que cada indivíduo produz e reproduz suas condições de existência social, no marco de relações sociais de produção dadas, que, em última instância, determina a hierarquia por meio da qual se ordenam suas vivências e experiências sensíveis com o mundo material e com seu próprio corpo. Isso explica porque os valores morais em que essas se expressam manifestam-se nas noções ideológicas que envolvem a vida sexual.

Nenhuma sociedade de classes possibilitou a realização do princípio elementar de que a vida sexual é de ordem privada, de forma que as relações afetivas dizem respeito apenas a quem as constrói, de maneira que a sociedade não tem de interferir, ditar normas, valores, etc. É uma tarefa do proletariado a de varrer a influência da Igreja e do Estado na vida íntima das pessoas. E pôr a sexualidade como um assunto privado que diz respeito apenas aos envolvidos.

A livre manifestação do amor sexual exige a mudança das condições de existência social. Em outros termos: acabar com a família como célula econômica da sociedade de classes. Não se pode desconhecer nem por um só minuto que será apenas quando a coletividade humana emancipada assumir as tarefas domésticas como funções sociais realizadas científica e coletivamente pelo Estado, que finalmente o amor sexual -em suas diversas manifestações- se libertará das cadeias que lhe exigiam servir de instrumento à preservação da propriedade privada e das noções ideológicas que lhe serviam de cobertura social. As novas condições se espelharão assim no surgimento de uma nova família, baseada na igualdade dos seres humanos.