• 01 jan 2017

    “Reforma da reforma agrária” de Temer Como responder?

1º de janeiro de 2017

Sob a estapafúrdia bandeira de “reforma da reforma agrária”, o governo golpista editou a MP 759. Duas mudanças fundamentais: 1) emissão de titulação mediante a compra da terra pelos assentados; 2) controle do cadastro e seleção pelo Estado sem a intermediação do movimento dos sem-terra. No primeiro caso, os camponeses poderão quitar o título de domínio em 10 anos, ou pagar à vista como desconto estipulado. No segundo, a mudança na lei faculta assentamentos sem que os camponeses tenham de estar acampados e atribui aos municípios a decisão de quem será ou não selecionado, segundo um cadastro municipal.

Uma das primeiras medidas de Michel Temer foi a de extinguir o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Indicou que não haveria prioridade ao atendimento das reivindicações do movimento dos sem-terra. A MP 759, agora, revela que se trata da extinção da política de assentamentos. Os camponeses que obtiveram a concessão de uso por tempo indefinido da terra desapropriada, sob indenização e estatizada terão de comprar o terreno, tornando-se um devedor por dez anos. Se não tiver condições de comprar, perderá a concessão e será expulso. A parcela que cumprir as exigências poderá vender sua propriedade. Nas condições extremamente difíceis de tocar a terra, é previsível que os novos proprietários se verão diante da ofensiva de fazendeiros abastados. Estima-se que 1 milhão de famílias, de 9.332 assentamentos, entrarão no programa do governo golpista.

A reação do MST somente poderia ser de rechaço. Considera que a MP “retrocede inclusive em relação ao Estatuto da Terra”, elaborado pelo governo militar de Castelo Branco. Certamente está claro que a aliança golpista pretende debilitar ao máximo o movimento dos sem-terra. É conhecida as acusações de setores da oligarquia de que o MST se nutre do controle dos cadastros e da seleção dos camponeses que serão assentados, bem como da administração de recursos públicos destinados às cooperativas.

Já se tentou criminalizar o MST por meio de uma CPMI. Nada foi comprovado, mas se orientou a abrir processos contra alguns de seus dirigentes e a enquadrar as ocupações de terra como “ato de terrorismo”. A bancada ruralista não precisou demonstrar nenhuma das acusações de desvio de recursos. Usou a CPMI para que a imprensa monopolista fizesse a campanha denunciando que o movimento dos sem-terra seria formado por criminosos. Como não se conseguiu colocar na ilegalidade o MST e as demais organizações que recorrem às ocupações, se apertou o cerco da legislação e da ação policial. Recentemente, a Justiça de Goiás enquadrou dois de seus dirigentes na Lei 12.850 (antiterrorismo). Caso esse novo ataque não consiga liquidar com a capacidade de mobilização dos sem-terra, sem dúvida, a burguesia e seu Estado recorrerão a uma violência ainda mais virulenta.

Juntamente com o MST e demais organizações camponesas, populares e operárias, rechaçamos a MP 759. É necessário pôr em pé um movimento de frente única que responda de conjunto ao programa de ataque à vida dos explorados. Um passo que se dê na organização unitária em nível local, regional e nacional contra o governo golpista e sua política antinacional e antipopular fortalecerá a luta da maioria contra a minoria exploradora. Para isso, o próprio MST deve se libertar da política do PT e de seu novo objetivo, que é o de se reconstituir como oposição burguesa a Temer e disputar as eleições de 2018. Enquanto o movimento camponês depender das concessões do Estado capitalista, não reunirá força para atingir o poder dos latifundiários.

A virada na política agrária exige um balanço sobre a situação. Não se trata apenas de um retrocesso. Tudo indica que é chegado o final de um processo. Esgotou-se ou está quase esgotada a via dos assentamentos, prevista no Estatuto da Terra (Lei 4.504, novembro de 1964) e adaptada pelos governos pós-ditadura militar. Recordemos que um dos motivos do golpe de 1964, considerado no conjunto da crise de governabilidade, foi o despertar da luta camponesa organizada pelas Ligas. O governo de Castelo Branco seguiu a orientação do imperialismo para a América Latina de se arrefecerem as rebeliões camponesas por meio de concessões do Estado.

A ditadura não apenas definiu o “modelo” de reforma agrária (assentamentos), as condições (desapropriação de latifúndios improdutivos, terras griladas e uso de terras públicas), os meios (indenização dos proprietários) e o instrumento político-administrativo (criação do Incra, etc.). O Estatuto da Terra é considerado o primeiro programa, no Brasil, que previu a reforma agrária. Nem mesmo o governo nacionalista de Getúlio Vargas se dispôs a assumir a questão camponesa. O governo de João Goulart se mostrou incapaz de enfrentar a oligarquia fundiária. Seu projeto de reforma agrária foi simplesmente vergonhoso (previa desapropriações de faixas de terras de ferrovias e rodovias). Coube ao regime militar a formulação de uma política de integração da Federação, concebida na forma de polos de incentivo econômico, cuja “reforma agrária” por assentamento e colonização serviria ao desenvolvimento nacional. Desmanteladas as Ligas Camponesas e retraído o movimento urbano dos explorados, a ditadura não viu por que acionar o Estatuto da Terra. Voltou a administração do Estado para a colonização e a agroindústria. Não foi necessário abrir a válvula de escape da “reforma agrária” por assentamento para proteger os latifúndios da investida camponesa.

A questão agrária voltou a perturbar os latifundiários e o Estado em meados dos anos 70 e se projetou no início de 1980. É compreensível que na retomada e reorganização da luta camponesa se apoiasse na fórmula da “função social da terra”, que embasa o Estatuto concebido pela ditadura. No entanto, até hoje, o MST, em cuja base está a CPT, manteve-se preso à “reforma agrária” regulamentada pela ditadura. O agravamento da luta de classes no campo levou o governo de José Sarney a criar o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário e elaborar o Plano Nacional de Reforma Agrária. O objetivo anunciado foi o de justamente viabilizar o Estatuto da Terra. Ficou longe da meta de desapropriações e assentamentos. Da promessa de 1,4 milhão, cumpriu cerca de 90 mil. Esse resultado indicou, logo de início, o futuro da reforma agrária baseada no Estatuto da Terra. Trinta anos se passaram e a meta fixada por Sarney não foi plenamente atingida.

A “função social da terra” tem como real conteúdo a proteção da propriedade privada e sua estrutura latifundiária ultra concentrada. A elevação do imposto territorial rural foi a forma que o governo de Fernando Henrique Cardoso utilizou para pressionar os capitalistas que mantinham grandes extensões de terras intocadas, servindo tão somente de reserva de valor. As desapropriações, por sua vez, acabaram servindo a muitos proprietários que receberam altas indenizações. Milhões de hectares grilados nunca foram recuperados e parte foi regularizada pela mesma política agrária dos assentamentos.

A resposta dos fazendeiros, grileiros e agroindustriais foi a de responder ao movimento dos sem-terra com ataques armados e assassinatos. O massacre de Corumbiara (RO), em agosto de 1995, e o de El Dourado de Carajás (PA), de abril de 1996, expressaram a amplitude que chegava à luta de classes no campo. O governo de FHC se viu na contingência de impulsionar as desapropriações e os assentamentos. Em seus dois mandatos, assentou 540.704 agricultores, em 21.085.726 hectares. Lula não fez senão seguir o mesmo caminho: avançou para 614.088 agricultores e 48.291.182 hectares. Dilma Rousseff, por sua vez, derrubou para 107. 354 agricultores e 2.956.208 hectares. É preciso que o movimento camponês reconheça que política de assentamento não é reforma agrária. Sua função é inequivocamente a de canalizar as aspirações dos oprimidos do campo e subordiná-los à política burguesa. Nisto, o MST ajudou a burguesia e seus governos.

Depois das experiências das Ligas Camponesas, o MST deu um salto à frente em organização e em capacidade de luta nacional. Antes de o governo e a Justiça se valerem da ignominiosa lei do terrorismo, Fernando H. Cardoso editou a MP 2.027-38, em maio de 2000, que proíbe a vistoria em terras ocupadas para efeito de assentamento. Atendia à reclamação dos latifundiários, da União Democrática Ruralista (UDR) e das associações patronais da agropecuária de que era preciso pôr limites ao MST e acabar com as ocupações de terra. Veio o governo de Lula e a MP foi mantida. Seu ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, não teve dúvidas em proclamar que a lei é para ser cumprida. Basta que se acabe com a capacidade do movimento de ocupar e impor o controle sobre a terra e assim se liquidará de vez com a bandeira da reforma agrária. Esse é o mal que tem atingido o MST. Não apenas devido às leis repressivas, que têm sido aplicadas regularmente, mas sobretudo à dependência do movimento ao PT e seu governo. A luta pelos assentamentos tem enfrentado a ferocidade da oligarquia e é fundamental apoiar as ocupações, mas sem ocultar que por essa via o fracasso é líquido e certo. A MP de compra e venda de Michel Temer indica que a aliança golpista está pela liquidação desse processo.

Observa-se que o período que cobre os governos de FHC e Lula foi de crescimento e queda das desapropriações e assentamentos. Dilma já não teve como manter o ritmo. A crise econômica inviabilizou a continuidade da política distributiva. Mas não devemos nos ater a esse obstáculo, que parece ser conjuntural. O fundamental é que a burguesia não teve interesse em modificar aspectos estruturais. Nunca houve realmente uma decisão de Estado de resolver o alto índice de terras improdutivas e de expulsão de camponeses premidos pelo avanço da concentração latifundiária e da mecanização. As diferenças e os desiquilíbrios regionais continuam a se manifestar na coexistência de formas de atraso pré-capitalista e alto desenvolvimento capitalista. O campo expressa com maior clareza o desenvolvimento desigual do País. Em grande parte do Sul e Sudeste, a penetração capitalista nas relações de produção agrícola eliminou a necessidade da reforma agrária. O trabalhador camponês foi em grande medida proletarizado.

A agricultura familiar é muito desigual. Vai da produção de subsistência à capitalista. Essa escala caracteriza o predomínio do atraso e do avanço. De forma que a questão camponesa comparece mais agudamente no Nordeste e Norte. O que não quer dizer que deixou de ser um problema nacional. Volta-se inteiramente para o mercado interno e se subordina ao agronegócio. É o que a caracteriza no Sul e Sudeste. A maioria dos camponeses expressa a opressão exercida pela burguesia latifundiária. Por mais que se tenha feito propaganda governamental sobre a importância da agricultura familiar, o certo é que a maioria das famílias camponesas sobrevive em extrema dificuldade. A política de assentamento de camponeses que perderam sua pequena propriedade e que não se proletarizaram não tem como caminhar no sentido contrário ao da concentração da propriedade e dos ditames do agronegócio.

Muita ilusão foi cultivada em torno da via do desenvolvimento agrário baseado na pequena e média propriedade e do trabalho familiar cooperativo. Expressa a utópica tese reformista da democratização da terra e da inclusão camponesa. Nessa mesma linha, muito se propagandeou sobre as virtudes da agricultura familiar para a segurança alimentar e para o equilíbrio ecológico. Não se pode, porém, determinar as tendências econômicas e suas consequências fora das relações capitalistas de produção e das ações concretas do Estado burguês. O predomínio do agronegócio condiciona o regime de propriedade agrária, a coexistência do latifúndio e minifúndio, a produção familiar para o mercado interno e a produção patronal para o mercado externo. Nenhuma política de Estado reverteu, nem reverterá a tendência à concentração da propriedade e à produção em escala.

O programa de implantação e desenvolvimento da pequena produção baseada no trabalho familiar, portanto, de raízes pré-capitalistas, não se sustenta. As experiências limitadas e em parte fracassadas com os assentamentos são a prova concreta. A constituição do governo do PT, que foi caracterizado de democrático-popular, serviu para demonstrar que a oligarquia permaneceu intocada. Foi o governo pretensamente reformista que se submeteu ao agronegócio e aos latifundiários e não o contrário. O governo Temer lança uma pá de cal sobre a política de desapropriação e assentamento tendo por base o fracasso do PT, que não fez senão seguir a política agrária de Fernando H. Cardoso, que seguiu a de José Sarney, que, por seu turno, procurou ativar o Estatuto da Terra da ditadura militar.

A luta camponesa pela pequena propriedade é uma característica de classe. Em outras palavras, da pequena-burguesia agrária. As tentativas do MST de estabelecer a produção coletivizada pela via das cooperativas esbarrou nas relações capitalistas de produção, nas heranças pré-capitalistas e nas aspirações do pequeno proprietário. É completamente compreensível que o camponês lute por conquistar a propriedade da terra, pois essa é sua condição de classe oprimida pela burguesia latifundiária, o agronegócio e os comerciantes. Não é compreensível que as direções do movimento assumam a política burguesa das desapropriações de terras improdutivas e assentamentos. Não há outro lugar reservado pelo capitalismo aos camponeses que não seja o da brutal submissão e opressão latifundiária.

A questão, portanto, é se há uma outra via. No programa proletário, está a resposta. O capitalismo é irreformável em todos aspectos e não apenas no agrário. Essa premissa advém do alto desenvolvimento das forças produtivas que se encontram em choque aberto com as relações capitalistas de produção (com a grande propriedade, o monopólio e o parasitismo financeiro). O Brasil é parte dessa realidade mundial. Sofre com sua desintegração, que é descarregada sobre a maioria nacional oprimida. O programa proletário objetiva modificar as relações de produção de conjunto. A questão da terra faz parte dessa tarefa histórica. A expropriação revolucionária da grande propriedade – nota-se, da grande propriedade – é o seu ponto de partida. O monopólio privado da terra deve ceder lugar ao monopólio estatal – ou seja, o solo deve ser nacionalizado. Tornar-se-á possível, assim, um planejamento voltado ao desenvolvimento das forças produtivas agrárias. Sem acabar com o monopólio capitalista da terra, o campesinato não se libertará da opressão que suporta há séculos.

O programa de transformação agrária anticapitalista exige a unidade operária e camponesa, que será alcançada respondendo a situações concretas, como diante do fato do governo Temer decidir cobrar dos assentados o valor da terra, da existência de milhares de camponeses que aguardam novos assentamentos, das terríveis condições da agricultura familiar do Nordeste e Norte, das ameaças de expulsão dos camponeses mais pobres do Sudeste e Sul premidos pelo avanço do agronegócio, da crescente desnacionalização do solo com a penetração do capital internacional, com as precárias condições financeiras e técnica de produção, etc. Sem dúvida, é necessário desenvolver as lutas da classe operária urbana e rural, impulsionadas pelas reivindicações mais sentidas. É possível e imprescindível aproximar o máximo possível o movimento camponês que se choca com os latifundiários ao movimento operário.

A estratégia do governo operário e camponês não tem sido assimilada pelos explorados e oprimidos devido aos desvios construídos pelas direções reformistas e, fundamentalmente, pela ausência do partido revolucionário implantado no seio da classe operária. Mas as condições históricas e objetivas estão dadas para a defesa, explicação e propaganda da estratégia própria de poder da classe operária. Não se deve desconhecer ou ocultar que os camponeses somente se libertarão do jugo latifundiário com a revolução social, que levará ao poder a classe operária em aliança com a classe pequeno-burguesa. Não se deve desconhecer ou ocultar, portanto, a estratégia da ditadura do proletariado. É com o exercício do poder pela maioria oprimida sobre a minoria opressora que se levará adiante a revolução agrária. O proletariado socialista responderá às necessidades dos camponeses e criará as condições para se alcançar a avançada produção coletiva e a superação da aspiração da propriedade privada da terra.

Abaixo a MP 759!

Organizar a luta operária e camponesa contra o governo golpista de Temer!

Por um programa que unifique a maioria oprimida em torno do proletariado!