• 18 fev 2017

    Resposta à “Declaração Conjunta Do Movimento Por Uma Alternativa Independente e Socialista (MAIS) e da Nova Organização Socialista (NOS)”

18 de fevereiro de 2017

Entendemos que a divulgação da discussão de unificação de duas correntes que se reivindicam do trotskismo é do interesse da vanguarda que luta por constituir o partido revolucionário. Não poderíamos desconhecer essa notícia. Quando se constituiu o MAIS, nos posicionamos com argumentos, que em nosso entendimento foram sérios e sólidos, distintamente de ataques sem princípios. É o que pretendemos fazer diante da “Declaração Conjunta”.

Sobre a dispersão

Publicamos no jornal Massas, agosto de 2016, o artigo “Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista (Mais). Por que o PSTU foi Cindido”, reproduzido no livro recém-publicado “As Esquerdas no Brasil. O trotskismo diante da tarefa de constituir o partido revolucionário”. No primeiro parágrafo, afirmamos: “Já não bastasse a fragmentação das esquerdas e, em particular, daquelas que se reivindicam do trotskismo, temos mais um exemplo que reforça as tendências centrífugas”. Como se vê, um dos pontos de nossa critica à divisão no PSTU se dirigiu à fragmentação.

Seis meses depois, recebemos a notícia de que o MAIS e o NOS caminham no sentido contrário, sob o argumento de que “a conjuntura exige (…) diferentes formas de atuação unitária das forças políticas comprometidas com a revolução socialista.” Chama imediatamente a atenção o motivo que levou o MAIS a encontrar no NOS o porto onde se atracar depois de cindir o PSTU. Apoia-se no “quadro de dispersão da esquerda socialista brasileira” e na “ofensiva da direita” para anunciar o processo de unificação.

No momento em que o MAIS confirmou a cisão de centenas de militantes da organização morenista, porém, a referida “dispersão da esquerda” e a “ofensiva da direita” já existiam. O que quer dizer que se trata de uma justificativa arbitrária. Não resta dúvida de que há uma grave fragmentação da vanguarda e que devemos lutar para superá-la. Mas essa tarefa diz respeito ao caminho pelo qual o proletariado construirá o partido da revolução e ao lugar que ocupará a vanguarda, no sentido leninista do termo. Nisto reside nosso interesse em responder à referida Declaração.

Não se deve confundir divisão com dispersão. Nem toda divisão resulta em dispersão. As divisões fazem parte do processo histórico de construção do partido revolucionário. Não é preciso recorrer a uma série de exemplos desde a separação do marxismo com o anarquismo na Primeira Internacional. O próprio marxismo teve de se diferenciar do socialismo utópico e combater as posteriores versões reacionárias.

O exemplo mais próximo e de maior importância foi a cisão entre bolchevismo e menchevismo. Lembremos de passagem que Trotsky reconheceu a crítica de Lênin quanto à procura da unidade oportunista. E assim, pela experiência, se chegou à conclusão marxista de que a divisão faz parte do método de construção do partido. O problema está em reconhecer em toda sua extensão o conteúdo de classe das divergências que se manifestam em cisão programática.

O próprio trotskismo resultou da luta da Oposição de Esquerda Russa (e depois Internacional) contra o estalinismo e em defesa da continuidade do leninismo. A separação irreconciliável entre a II Internacional degenerada pelo chauvinismo socialdemocrata e a III Internacional foi decisiva.

Em todos esses casos, temos presente o choque de posições programáticas, portanto, de classes. Tais divisões não resultaram em “dispersão” e sim em coesão da vanguarda revolucionária.

 

Da divisão do PSTU, à unificação com o NOS

O surgimento do MAIS como resultado de divergências no interior do PSTU é mais uma divisão nas hostes do morenismo, tendência internacional que se formou em torno das formulações do argentino Nahuel Moreno. Depois de sua morte, abriu-se um processo de ruptura e fragmentação. A sua matriz argentina se estilhaçou em vários agrupamentos e a metástase se espalhou por suas seções. Alcançou, inevitavelmente, o Brasil.

Há vários agrupamentos que vem do morenismo. O NOS contou com um contingente de ex-militantes daí proveniente. O PSOL abriga duas importantes facções originárias do morenismo (CST e MES). O próprio NOS se formou no interior do PSOL, por meio de junção de agrupamentos descontentes com os rumos desse partido reformista. E a justificativa foi a de servir de meio de superação da fragmentação, contribuindo, nos seus dizeres, para “reunificar as forças socialistas mais consequentes em torno de um programa para a revolução socialista”.

Confessamos que não conhecemos o programa aí anunciado. Duvidamos que exista no sentido que o marxismo lhe dá.

Verificamos que os morenistas são pródigos em divisão, ao mesmo tempo em que comparecem como campeões na defesa da unidade dos “socialistas”. O MAIS não rompeu com essa tradição. Promove uma grande divisão no PSTU, lamenta a dispersão e vai ao encontro de uma organização que se abriga nas entranhas do PSOL, sem que tenha travado o combate pela construção do partido leninista.

Em sua apresentação “Quem Somos”, o NOS diz altissonante: “não nascemos como partido e não reivindicamos esse papel”. Faz parte do PSOL, mas seus integrantes não têm a obrigação de nele se filiar. Para que então serve o “NOS”? Para reunir “militantes inconformados” com os rumos dos acontecimentos, entre eles, “militantes descontentes com as organizações de onde saíram”. O seu grande objetivo, expresso no “Quem Somos”, é o de promover a unidade em uma “frente de esquerda socialista”. Em suas palavras: “uma frente essencial para dar maior visibilidade ao projeto socialista, enfrentar o governismo e esclarecer a classe trabalhadora sobre o caráter de classe – dominante – do PT e seus aliados, bem como sobre a necessidade de alternativas partidárias transformadoras.”

O NOS se nega a colocar-se como partido, de forma a servir de receptor aos descontentes com as experiências vividas nas organizações partidárias de esquerda. Alimenta o desejo, no entanto, de “contribuir para a aglutinação das forças socialistas mais consequentes em torno de um programa para a revolução socialista no Brasil (…)” Para isso, pretende se colocar acima de “caminhos autoproclamatórios, sectarismos e dogmatismo”. Com esse tipo de generalidade, se alça na missão unificadora dos tais “socialistas” em uma frente de esquerda. A utilização da frente de esquerda para construir o partido vem das formulações do morenismo. De maneira que sua construção virá de um movimento, que aglutinará os ditos socialistas de várias procedências.

O MAIS vai ao encontro do NOS precisamente pelos encantos unificadores do movimentismo oportunista. “Programa” e “revolução socialista” não passam de palavreado vazio, que serve para combater a tarefa de construção do partido revolucionário, definidamente marxista-leninista-trotskista.

 

O partido

A “Declaração Conjunta” não anuncia a formação de um novo partido. Tudo indica que permanece o entendimento do NOS. Nota-se que há um acordo na ideia que fazem do processo de sua formação. A missão da nova organização que surgirá da unificação é cumprir a grandiosa tarefa de “contribuir com o processo de reorganização da esquerda revolucionária no Brasil.” Vimos anteriormente que o NOS acredita que o meio para esse feito é a união dos socialistas em uma frente de esquerda.

O MAIS e o NOS não anunciam um novo partido, mas expõem uma tentativa de explicação. Tentativa que acaba indicando a renúncia à concepção marxista-leninista do partido. Eis: “Ambas as organizações rejeitam a ideia de que um partido revolucionário possa se construir unicamente por meio de crescimento linear. Ao contrário, pensamos todos que a construção de um partido marxista passa inevitavelmente por um processo de fusões e reagrupamentos, sempre paciente e respeitoso, sempre em base a uma profunda discussão política, programática e de princípios.”

Essa explicação é essencialmente subjetiva. É fruto do desejo. Não se baseia na fundamentação histórica do partido revolucionário e na consequente concepção marxista. A quem pertence a ideia de que “a construção de um partido revolucionário possa se construir unicamente por meio de um crescimento linear”? A quem está refutando? Não sabemos! Em certa feita, a LER-QI, que se metamorfoseou no MRT, tentou vestir essa carapuça no POR. Em se tratando de mais uma corrente surgida da fragmentação do morenismo, sabemos o porquê de tamanha leviandade.

De nossa parte, não nos furtamos em apresentar nossa compreensão. Até onde chega nosso conhecimento, todas as facções do morenismo entendem que o partido surgirá de fusões de agrupamentos de várias procedências que se reivindicam do socialismo. Mencionemos de passagem que o PSTU é fruto desse percurso, em cuja base esteve a “Convergência Socialista”, cujo nome diz tudo.

Não é o fato dos morenistas acreditarem que as fusões constituem o fundamento do processo de constituição do partido que está se diferenciando daqueles que imaginam a via do “crescimento linear”. E se alguma corrente pensa assim também não tem a ver nem com o processo histórico, nem com a concepção marxista-leninista do partido. Os morenistas se dividem, mas mantêm a mesma orientação de Nahuel Moreno também neste aspecto. Ocorre que não admitem colocar a questão em seus devidos termos. E não enfrentam quem procura se apoiar na concepção marxista do partido. É mais fácil e cômodo para seus fins arquitetar dois campos distintos: quem procura a unificação dos socialistas e quem os divide procurando um crescimento linear.

Se não admitem a concepção marxista-leninista do partido como vanguarda revolucionária do proletariado, deveriam assumir plenamente. Em síntese, o partido é o programa. A tarefa da vanguarda que combate o capitalismo e organiza o proletariado com vistas à “revolução socialista” é a de constituir o programa da revolução proletária. Terá de penetrar, com trabalho obstinado, no seio da classe operária. Essa tarefa histórica determina a relação do partido com as demais classes oprimidas.

A unificação entre grupos que se autodenominam de socialista não define a natureza marxista do partido. Pelo contrário, certamente dará lugar a um burdo oportunismo. O programa é que define a natureza do partido marxista. Está aí por que a aproximação e integração de uma corrente que se reivindica do socialismo no partido marxista depende de uma demonstração prática na luta de classes, que comprova a real concordância programática.

O programa

O morenismo é uma corrente revisionista do trotskismo. Rompeu com o Programa de Transição da IV Internacional, embora o conserve em palavras e se propõe a atualizá-lo – na verdade, desfigurá-lo. Trilhou um caminho distinto da tarefa de edificar o programa em cada país, segundo suas particularidades. Essa renúncia o impossibilitou assimilar e desenvolver na luta pela construção do partido a concepção e o método do Programa de Transição.

A tese de que o partido e seu programa resultam da fusão de grupos de distintas procedências, desde que estejam no campo do socialismo, resulta desse desvio. Eis por que a corrente morenista, em suas diversas variantes, se caracteriza pelo centrismo. A cisão do PSTU é parte dos impasses e crise do centrismo revisionista. Afirmamos e fundamentamos que se tratava de uma ruptura pela direita. É o que se pode consultar no jornal Massas ou no livro “As Esquerdas no Brasil”.

A confluência entre o MAIS e o NOS reforça nossas convicções sobre a cisão. Procuramos mostrar que nosso posicionamento nada tem a ver com hostilidades ou com ataques sem princípios. Não estamos em defesa do PSTU, nem em posição de ataque ao MAIS por capricho, ou por qualquer outra ordem de valor que não seja o esforço de expor nossa compreensão sobre a luta por construir o partido revolucionário no Brasil como parte da reconstrução da IV Internacional.

O POR tem um programa editado e amplamente divulgado na forma de livro. Nenhuma corrente de esquerda se aventurou a criticá-lo em parte ou no todo. Referimo-nos a isso para indicar que não criticamos a ruptura do MAIS com o PSTU – e agora a sua fusão com o NOS – sem que o POR tenha se empenhado em constituir-se como partido-programa. Qualquer que seja a crise nas esquerdas que se reivindicam do marxismo, do socialismo e da revolução é de nosso interesse. Isso porque faz parte da luta pela construção do partido revolucionário. Há muito desperdício na dispersão da vanguarda em um momento tão crucial da crise de direção mundial do proletariado.

Não vemos outra forma de tratar a questão senão por meio da teoria, da concepção e do método que o marxismo edificou. Não deixamos de ter em conta o gigantesco retrocesso provocado pela destruição do bolchevismo pelo estalinismo e as consequências práticas que se manifestam no processo de restauração capitalista. O assassinato de Trotsky atingiu a IV Internacional em um momento importante de sua existência. Os acontecimentos posteriores demonstraram que esta não chegou a constituir uma direção à altura das tarefas que se colocaram no pós-guerra. Nenhuma de suas seções se mostrou capaz de enfrentar consequentemente o revisionismo que tomou corpo em meados dos anos 50.

Em nossa compreensão, atribuímos à desintegração da IV Internacional e à proliferação de tendências centristas o fato de nenhuma das seções ter aplicado o Programa de Transição nas condições particulares de seu país. O POR da Bolívia sofreu as consequências do revisionismo pablista, derrotou-o, se desenvolveu no seio do proletariado mineiro, mas não teve como interferir diretamente na crise da IV Internacional, que ficou nas mãos dos pablo-mandelistas e dos lambertistas. Em certo sentido restrito, também nas dos morenistas, quando compartilharam com os mandelistas no Secretariado Unificado (SU). O isolamento do trotskismo na Bolívia custou caro à luta pelo internacionalismo proletário. Por mais distante que esteja a origem da desintegração da IV Internacional, continua a refletir seus efeitos negativos, que no momento os identificamos na ruptura do PSTU.

Estratégia da ditadura do proletariado

A “Declaração Conjunta” dá a conhecer aspectos programáticos. Entre eles, a “reivindicação da revolução socialista”, “o reconhecimento do proletariado como sujeito”, “a ditadura do proletariado” e “a necessidade do internacionalismo”. São, sem dúvida, essenciais. Apresentados na forma de uma lista, no entanto, apenas indicam a importância em abstrato e nada mais. O PSTU assina em baixo, inclusive quanto aos demais pontos. Segundo o conhecimento que temos de seus escritos, estamos convictos de não errar.

Partimos dessa observação porque o MAIS – e o próprio PSTU – não expuseram o conteúdo geral da divergência que concluiu com a cisão. Em nossa crítica, anteriormente citada, dizíamos que “as cisões (ou fusões) sempre devem ser analisadas a partir de posições programáticas, táticas e estratégicas; de posições principistas; de posições de classe”. E concluímos: “Não é o que encontramos na ‘Carta à Direção do PSTU’ e ‘Declaração da Direção Nacional do PSTU’, publicadas no jornal Opinião Socialista, 520, de 7 de julho de 2016.” De maneira que não tem a menor seriedade a apresentação de aspectos fundamentais do programa para calçar o comunicado sobre a aproximação com o NOS.

Tudo que transpareceu sobre a cisão está na Carta e Declaração publicadas no Opinião Socialista e no pronunciamento de Valério Arcary no lançamento do MAIS em 23 de julho. A fração diz que já não era possível conviver no seio do PSTU devido ao seu sectarismo. O partido teria se afastado da tática da frente de esquerda e adentrado à política do auto-isolamento ao não participar do movimento contrário ao impeachment de Dilma Rousseff. Segundo o PSTU, por sua vez, a fração avaliava que a situação mundial é tal que por um longo período cabe somente as “revoluções democráticas”. Como não vimos nenhuma contestação do MAIS, tomamos como certa a informação veiculada na “Declaração da Direção Nacional do PSTU”.

Esse tipo de caracterização é próprio do revisionismo morenista, que deformou as teses da revolução permanente de Trotsky. As várias correntes desse tronco convivem com a insolúvel contradição em torno da revolução democrática e da revolução socialista. O que tem a ver com a negação em constituir o partido munido do programa de acordo com as particularidades nacionais. O PSTU não tem um programa. Via de regra, o confunde com formulações conjunturais, com lista de reivindicações e com a tática fixa de frente de esquerda. Está aí por que o MAIS não o cindiu por razões programáticas. Se o fizesse por esse motivo, começaria por reconhecer a inexistência do programa. Estamos, assim, seguros em afirmar que os pontos “programáticos” apresentados na “Declaração Conjunta” não passam de um artifício.

A revisão de Nahuel Moreno consistiu precisamente na negação dos fundamentos programáticos, principistas e teóricos da ditadura do proletariado. Mantê-lo como enunciado para sacá-lo em caso de polêmica entre as esquerdas tão somente indica o traço fundamental do centrismo e do oportunismo. É compreensível, portanto, que os morenistas acusem o POR de uso abstrato e sectário da ditadura do proletariado. No entanto, sempre se negaram a entrar no mérito de nossa crítica à fórmula de “governo dos trabalhadores”. Nunca se dispuseram a discutir nossa formulação de governo operário e camponês, expressão governamental da ditadura do proletariado. Em decorrência, desconhecem um dos problemas fundamentais da revolução social no Brasil, que é o da constituição da aliança operário e camponesa.

Na lista de concordância anunciada, não aparece a forma de governo. É bem provável que manterão a fórmula de “governo dos trabalhadores”, que de resto faz parte do ideário de todas as variantes do revisionismo do trotskismo. Não há também a referência obrigatória ao método e meios que permitirão ao proletariado liderar um movimento de maioria nacional para derrotar a burguesia interna e o imperialismo e impor sua ditadura de maioria explorada contra a minoria exploradora e saqueadora do País. Os partidários da “Declaração Conjunta” poderão dizer que não se tratava de colocar todos esses aspectos que farão parte da discussão. Notamos, porém, que se referem à “necessidade de utilizar os pequenos espaços da democracia”.

A ditadura do proletariado traz em si a essência do programa revolucionário, ou seja, a compreensão de que a burguesia será derrubada por uma revolução violenta, ou seja, não democrática e pacífica. Esse conteúdo histórico separou o marxismo do reformismo e de todo tipo de centrismo. Estamos convencidos de que o MAIS e o NOS não pretendem colocar em discussão a estratégia da ditadura do proletariado de acordo com o marxismo. Isso devido não apenas a suas experiências no terreno do morenismo, do revisionismo e do centrismo, mas também devido à recusa em analisar, criticar e se libertar dessa herança.

Esperamos que a militância que ainda guarda alguma convicção marxista-leninista-trotskista se disponha a considerar nossas críticas programáticas e se coloque pela construção do partido revolucionário, como parte da reconstrução do Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional.