• 15 abr 2017

    Como pode um governo e um Congresso Nacional tão apodrecidos decidirem sobre reformas que esmagam os trabalhadores e tornam o País mais submisso ao imperialismo?

15 de abril de 2017

A principal pergunta diante da lista do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, é: como pode um presidente da República, um corpo de ministro, uma Câmara dos Deputados e um Senado repletos de corruptos e de delinquentes da política burguesa dirigirem o País e tomarem graves decisões sobre a economia e a vida da imensa maioria dos brasileiros? Qualquer outra pergunta não tem sentido e é distracionista se não respondermos que força é essa que sustenta tamanha podridão.

A delação premiada dos donos e funcionários da Odebrecht completou o quadro horrendo da vasta rede de crimes cometidos por partidos, parlamentares e governos em conluio com poderosas empresas. Evidentemente, a revelação de tais operações se limita às construtoras. Permanecem encobertas as relações promíscuas com banqueiros, industriais, multinacionais e chefes do agronegócio. Caso se desvendasse o funcionamento completo dos partidos da burguesia, o quadro seria preenchido em cem por cento. As exposições feitas pela Odebrecht bastam, porém, para se deduzir que não há políticos e partidos burgueses fora da corrupção.

A ideia que os representantes e porta-vozes da burguesia naturalmente transmitem é que corrupção sempre houve e sempre haverá, mas que se trata apenas de algumas laranjas podres no cesto. Essa é a maneira de ocultar as raízes da corrupção política, o seu caráter intrínseco ao Estado e a sua real dimensão. O fato que mais ressalta na contagem de 98 autoridades protegidas pelo foro privilegiado e 201 sem essa blindagem é que se descortinou a falsa explicação da laranja podre no cesto sadio. A questão posta é como encontrar uma só laranja sadia no cesto podre.

Os comentaristas da imprensa monopolista encenam surpresa com tamanha proporção e pedem que, desta vez, se “passe o Brasil a limpo” e que se realizem mudanças na lei eleitoral. Rogam para que o santificado Supremo Tribunal Federal ache uma solução para tamanha iniquidade, como se este não fizesse parte do mesmo cesto. Esmeram-se em dopar o descontentamento da população com discussões sobre o processo judicial. Selecionam, mais uma vez, o PT como o culpado de tudo. Poupam na medida do possível os demais partidos da burguesia, focando as críticas a personagens isoladas. E centralizam os ataques a Lula, com o claro objetivo de impedir sua candidatura.

Os acusados se defendem com um mesmo argumento: os delatores não apresentaram provas, as doações foram lícitas e contabilizadas na justiça eleitoral. Jorram indignações. Todos dizem confiar na justeza e capacidade de discernimento do STF. Esperam ter acesso aos autos para provar a inocência. Os noticiários rastreiam as denúncias, dão mais tempo àquelas que atingem o PT, colocam seus comentaristas para pôr em dúvida as alegações de alguns dos acusados mais focados e dirigem a campanha em função das eleições de 2018. E exigem as respostas dos delatados para dar um ar de direito à defesa. Antes os comentaristas fazem um julgamento decidido pela emissora e depois da rápida defesa declarada pelo acusado, novamente os comentaristas, em alguns casos, voltam à condenação. A imprensa monopolista monta seu tribunal e emite os juízos para a população.

Oito ministros, 24 senadores e 39 deputados comeram nas mãos das empreiteiras e prestaram-lhes preciosos serviços. Os implicados não pertencem ao “baixo-clero”. Dentre eles, contam figuras do topo da República e dos partidos. Não foi novidade o comparecimento de nomes como Aécio Neves, José Serra, Aloysio Nunes, Rodrigo Maia, Eunício de Oliveira, Renan Calheiros entre outros, que já haviam sido arrolados pela Operação Lava Jato. A confirmação de suas participações nas transações com as empreiteiras foi o que causou alvoroço. Não faltou na lista da delação o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A surpresa talvez tenha sido a denúncia contra o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, por ser mais um político das sombras do que das luzes. Está claro que todos comeram nas mãos da Odebrecht.

O PSDB vem em terceira posição, depois do PT e do PMDB, na lista de denúncia. Nota-se que a ordem hierárquica de valores não altera o produto. Mas está montada como se os crimes de um fossem maiores que os dos demais. É assim que se tem minimizada a corrupção do PSDB e DEM. E se tem destacado o PT em relação ao PMDB e perante os demais partidos.

O que parece ser um acerto geral de contas da Lava Jato, na realidade, se trata de uma injunção da situação econômica e política por que passa o País. Não trará mudanças substantivas na política burguesa. Passada essa particular disputa interburguesa no seio do Estado, tudo voltará ao velho leito da dependência dos partidos da ordem ao financiamento proveniente dos mais poderosos grupos econômicos.

É de particular importância a delação que relata o interesse da Odebrecht pela Força Sindical e seu braço político, o partido Solidariedade (SD). A construtora agraciou o deputado Paulinho, tendo por objetivo obter o apoio da Força Sindical para evitar e quebrar greves nas obras das usinas hidrelétricas. Essa denúncia também não traz novidade. Paulinho é um reconhecido corrupto incorporado nas hostes dos governos e dos partidos. O fundamental da denúncia está em que põe às claras que a burocracia sindical ganha poder justamente quando passa a ter importância para a classe capitalista e sua política de Estado.

O apodrecimento do PT e de seu caudilho Lula na política burguesa também exige uma diferenciação. Por não serem orgânicos da classe capitalista e por estarem vinculados ao sindicalismo – controlam a maior central, a CUT –, percorreram um caminho em direção ao poder do Estado, apoiados na classe operária, e, assim, se submeteram de corpo e alma à classe capitalista. A extensão da corrupção, agora revelada, vai muito além do “mensalão” e evidencia que o PT e seu governo não criaram a dependência dos partidos ao financiamento dos capitalistas, tão somente foi assimilado pelas relações já existentes. O PSDB, DEM e aliados, bem como a imprensa monopolista, procuraram culpar o PT não apenas por sua própria corrupção, mas também pela de todos os partidos. A delação da família Odebrecht e de seus diretores teve a virtude histórica de colocar todos na vala comum da apodrecida política burguesa. Interessa em especial a revelação do patriarca da construtora, Emílio Odebrecht, que diz ter conhecido o sindicalista Lula, nos anos 80, por intermédio de Mário Covas, então governador de São Paulo pelo PSDB, cuja motivação foi a necessidade do empresário discutir como acabar com a greve que ocorria no Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia. Obteve êxito e assim estreitou laços com o caudilho. Diz o capitalista que sua contribuição com a candidatura de Lula não se limitou ao financiamento de campanha. Teve importante papel em abrir as portas do empresariado e ajudou na formulação da famosa “Carta ao Povo Brasileiro”, na qual o candidato petista se comprometeu a respeitar os interesses da burguesia.

Michel Temer é um dos cabeças do PMDB que comandou a arrecadação de recursos junto à Odebrecht. O delator detalha uma reunião em que tratou da propina com a cúpula peemedebista. No entanto, não aparece na lista de Fachin, porque o presidente da República não pode ser investigado de crimes passados. A quadrilha do PMDB que controla o Senado e tem a maior bancada na Câmara dos Deputados passou a controlar o centro do poder do Estado com o golpe que derrubou Dilma Rousseff. Importantes figuras do PSDB, DEM e demais aliados que estiveram à frente do impeachment estão envolvidos no escândalo.

O movimento pela cassação do mandato da petista somente teve êxito porque a Operação Lava Jato descarregou toda sua carga sobre o PT. O que desencadeou uma revolta na classe média e permitiu que se pusesse nas ruas um movimento reacionário acionado pelo “Vem Pra Rua”, “Movimento Brasil Livre”, etc. Agora, os moralistas, éticos e santinhos do PSDB, DEM, PPS, PSB, etc. têm suas verdadeiras identidades estampadas pela lista Fachin. Citamos os casos de Antônio Anastasia (PSDB), que fez o relatório no Senado condenando Dilma Rousseff; Onyx Lorenzoni (DEM), que fez uma cruzada na Câmara Federal contra a corrupção petista; Cássio Cunha Lima (PSDB), ardoroso defensor do impeachment; Júlio Lopes (PP), que se destacou na Comissão de julgamento do impeachment por sua intransigência em favor do acatamento da denúncia; e Yeda Crusius do PSDB, também inimiga jurada da corrupção petista. Não é preciso destacar os já destacados, como Aécio Neves e Aloysio Nunes que tanto se bateram pela limpeza do Palácio do Planalto dos petistas corruptos. É bom lembrar a declaração do deputado Carlos Sampaio, do PSDB, que propôs fechar o PT e cancelar seu registro. Não vimos o seu nome na lista. Mas sua referência é necessária, uma vez que a corrupção e a delinquência dos partidos que deram o golpe deixa o PT a dever.

Foi necessária essa descrição para responder à pergunta inicial. O ponto de partida está em reconhecer que se trata de bandalheiras, de jogos de interesse e de crimes contra o patrimônio público, nascidos e desenvolvidos nas entranhas do Estado e dos partidos da burguesia. A classe operária e os demais explorados estão diante de um terremoto na política burguesa. Os conflitos de interesses que se desprendem da profunda crise econômica, da desintegração mundial do capitalismo e da brutal concorrência entre as empresas, no caso em torno da Petrobras, das Petroquímicas e das obras públicas, explodiram as contradições internas ao Estado e aos partidos da burguesia. A Operação Lava Jato não fez senão servir de instrumento para a eclosão. Ministério Público, Justiça e Polícia Federais ganharam força política e romperam a centralização burocrática do Estado, regida pelo presidencialismo. A derrubada de Dilma e a constituição de um governo golpista não serviram para conter a explosão e disciplinar as contradições. O descontrole das forças burguesas em choque se deve à dimensão extraordinária da crise econômica e da intensa guerra intercapitalista pela preservação dos negócios e dos lucros. A burguesia brasileira e o capital financeiro internacional estão obrigados a descarregar os efeitos deletérios do desmoronamento do capitalismo sobre a maioria oprimida. Esse foi o principal motivo do golpe e de constituição de um governo de ditadura civil.

Mesmo acossado pela crise que desmorona diuturnamente o governo Temer, as forças golpistas continuam a impor as reformas antinacional e antipopular. A bandeira que a burguesia levantou em meio à hecatombe das revelações da Odebrecht é a de passar a limpo o Brasil, mas sem comprometer as reformas da previdência e trabalhista que estão em andamento. O que quer dizer manter o governo podre em pé e preservar as forças da reação no Congresso Nacional. Temer é odiado pela população que compreendeu o que representa as reformas capitalistas e pró-imperialistas para suas vidas já sacrificadas. O governo não tem apoio nem mesmo na classe média que serviu ao golpe. As condições para uma explosão social estão dadas.

Chegamos ao ponto básico da pergunta: como pode um governo e um Congresso Nacional tão apodrecidos decidirem sobre reformas que esmagam os trabalhadores e tornam o País mais submisso ao imperialismo? O domínio do PT sobre a CUT e do SD sobre a Força Sindical dá a resposta. As duas centrais dividem e decidem sobre o movimento operário. Suas direções estão irremediavelmente comprometidas com a política patronal. Fazem parte da decomposição da democracia burguesa oligárquica. Estão comprometidas com potentes grupos capitalistas. Expressam a força econômica dos monopólios. São responsáveis pelo avanço da estatização dos sindicatos. Impulsionam a corrupção no sindicalismo. Formam uma casta parasitária com interesses próprios. Levam às últimas consequências a política de colaboração de classes. Estiveram e estão arrastadas pela disputa interburguesa que concluiu no impeachment. Essa burocracia se estruturou como apêndice das frações capitalistas e dos partidos burgueses. Sua função histórica foi a de conter a luta de classes após a queda da ditadura militar. Para isso, se soldou à política eleitoral e aos governos da burguesia. Enquanto ocorria o processo de impeachment, os capitalistas demitiam em massa. A burocracia se debatia por trás dos movimentos dos partidos burgueses e, por baixo, colaboravam com os patrões que aplicavam a flexibilização capitalista do trabalho e demitiam a rodo. A classe operária vem sendo, portanto, traída sistematicamente por essas forças que controlam os sindicatos.

A CUT e a Força Sindical estão, porém, sob a pressão da classe operária, que já não suporta tantos ataques. A manifestação do dia 15 de março indicou as tendências de luta no seio dos explorados. As direções não deram continuidade, jogaram o movimento para o dia 28 de abril. Mas querem apenas que Temer e os parlamentares as incluam na elaboração das reformas. Se a classe operária não romper o cerco dessa política de contenção e colaboração, o governo e o Congresso Nacional apodrecidos vão adiante com a destruição da previdência e liquidação de antigos direitos trabalhistas. É preciso combater os desvios criados pela campanha anti-corrupção da burguesia e centrar fogo contra as reformas do governo golpista.

Os mais distintos setores dos explorados procuram a unidade e estão dispostos a marcharem em defesa da previdência e dos direitos trabalhistas. Rechaçam o governo golpista, mas ainda necessitam ganhar força em tornos das bandeiras: “Abaixo as reformas da previdência e trabalhista”! “Revogação da Lei da Terceirização e da reforma do ensino médio”! É por essa via que se chocarão com as forças burguesas que pugnam por impor as reformas e com o governo golpista. A resposta estratégica à crise econômica e política se concentra no programa de expropriação do grande capital e na luta por um governo operário e camponês (ditadura do proletariado).