• 12 jun 2017

    Decomposição da democracia burguesa

12 de junho de 2017

O espetáculo dado pelos juízes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) expressa muito mais do que a crise de governabilidade. Expressa a falência da democracia burguesa nos moldes concebidos após o fim da ditadura militar e montados pela Constituinte de 1987/88, que supunham a retomada e a revitalização da “soberania do voto popular”. Mais amplamente, expressa a decadência histórica do regime democrático burguês.

A conclusão de quatro magistrados de que não houve comprovação da influência decisiva do poder econômico nas eleições de 2014 – e, em particular, de determinados grupos empresariais – e a conduta dos três magistrados, que votaram pela cassação do mandato de Temer, de participar do “velório” das “provas vivas”, nas palavras do relator Herman Benjamin, testemunharam aos olhos da população de maneira mais aberta o apodrecimento da política burguesa e das respectivas instituições pelas quais se manifesta.

Em 2014, o PSDB entrou com uma petição no TSE para que anulasse as eleições presidenciais e se realizasse novo pleito. Encabeçava a petição o candidato derrotado Aécio Neves. Naquele momento, Dilma e Temer, PT e PMDB, estavam de mãos dadas e alegres pelos mais de cinquenta e quatro milhões de votos obtidos. O TSE descartou que tenha havido fraude nas urnas eletrônicas. Restou saber se a denúncia contida na petição de que as empreiteiras e nomeadamente a Odebrecht haviam desequilibrado a competição por meio do abuso econômico, financiando a campanha de Dilma/Temer por meio de caixa 2. A ministra Maria Theresa concluiu que não havia base comprobatória para abrir o processo no TSE. O Sr. Gilmar Mendes se opôs sob a alegação de que havia fortes indícios que deveriam ser investigados. Ganhou a continuidade do processo por 5 votos a 2. De maneira que o TSE assumiu a tarefa de pôr em marcha o processo e chegar a uma conclusão final. Como se vê, o ministro Gilmar Mendes tomou para si a causa apresentada por Aécio Neves (PSDB) e aliados.

Paralelamente, armou-se o movimento pró-impeachment. Estavam à frente o PSDB e DEM, fiéis aliados. A via da cassação do mandato de Dilma através do TSE passou a secundária. Tinha um grande inconveniente: a decisão em favor do PSDB/DEM atingia ao mesmo tempo Dilma e Temer. O PT não era um problema de monta, mas o PMDB, o maior partido oligárquico da burguesia, não poderia ser apeado do poder simplesmente por uma decisão do TSE, uma instituição sem peso relevante nas relações de poder no Estado.

O caminho do impeachment foi pavimentado. Para isso, foi fundamental o rompimento da aliança do PMDB com o PT. Temer passou a conspirar contra o governo e acabou chefiando o golpe institucional. Os cálculos dos golpistas se dirigiam a realizar a cirurgia sem romper completamente o tecido da democracia formal. Tudo teria de transcorrer como se nada fosse alterado no “Estado de Direito”. O procedimento deveria dar a ideia de que apenas se tirou uma presidente inepta e se transferiu o poder ao vice, que também foi eleito e que não era responsável pela política de Dilma Rousseff. O trauma do choque político era inevitável. Não teria, porém, muita transcendência, uma vez que toda a burguesia ampararia a nova composição governamental, em cuja base estariam os três partidos que de fato respondem pela política de sustentação do capitalismo, o PMDB, PSDB e DEM. Sendo assim, a petição de Aécio no TSE acabaria sendo arquivada, como queria Maria Theresa. O Sr. Gilmar Mendes já não teria motivo para ir adiante com a pretendida investigação e comprovação. Nenhuma importância teriam suas bombásticas declarações sobre a tal da “lavanderia” de recursos ilegais e criminosos montada pelo PT. Temer se firmaria no poder, apesar dos percalços da Operação Lava Jato, as reformas caminhariam e não haveria pressão política para que o TSE levasse a sério o julgamento da chapa de 2014.

Ocorre que as prisões, delações premiadas e as investigações já haviam extrapolado o PT e adentrado profundamente no PMDB e PSDB. Já não era possível ao governo golpista impor a centralização e a disciplina necessárias para finalizar a Lava Jato, estancando-a na soleira dos demais partidos e altas personalidades da República. As contradições e choques interburgueses no aparato do Estado haviam tomado uma dinâmica própria com o impulso dado à Operação Lava Jato pelo Ministério Público, a Polícia Federal e pelas determinações do juiz Sérgio Moro. Em sua base estão a aguda crise econômica, os distintos interesses da burguesia nacional e do imperialismo, a guerra comercial, bem como as dissensões nas entranhas da burocracia do Estado e as pressões do movimento dos explorados.

As revelações estavam suficientemente adiantadas para descartá-las e confiná-las ao PT e limitá-las a uma pequena franja dos demais partidos. O amplo envolvimento de Temer e de um renque de ministros e de parlamentares com a bandidagem, uma vez colocado à luz do dia, se potenciou como força desagregadora da “nova” governabilidade.

A crise política não se estancou com o impeachment. Atingiu proporções maiores. As massas passaram a se movimentar contra as reformas. O profundo precipício entre o governo, o Congresso Nacional e a maioria oprimida passou a ser o principal fator e contradição da situação política. Temer constituiu um governo para impor a todo custo as reformas exigidas pelo capital financeiro. O Congresso Nacional se transformou em um órgão do golpe e da imposição da política do governo completamente desvinculado da população e subordinado aos ditames do grande capital. Sem possibilidade de centralizar imediatamente as instituições em seu conjunto e pôr um fim à Operação Lava Jato, não teve como estancar a crise política impulsionada pelo impeachment e se viu finalmente ameaçado pelas provas montadas pela JBS.

Duas vertentes se colocaram, Temer seria varrido por um poderoso movimento dos explorados, ou seria afastado pelas próprias instituições do Estado. A burocracia sindical segurou o impulso da classe operária em seguida à greve geral. Desviou o combate pela derrubada das reformas antinacional e antipopular para as disputas interburguesas em torno da crise política, sob a bandeira de eleições diretas. Restou o julgamento do TSE, que seria a segunda variante, uma vez que o impeachment se revelou quixotesco.

O escândalo do encontro às escondidas do presidente com o dono da JBS, no Palácio do Jaburu, deu a impressão de que a maioria dos juízes pudesse reverter sua disposição de voto. Em absoluto, o julgamento se deu sob a égide da reação dos partidos e do Congresso que promoveram o golpe de Estado. Prevaleceu a posição de que acima de todas as provas de crime de responsabilidade do presidente estão a estabilidade política e o encaminhamento das reformas.

O governo já havia modificado a composição do TSE indicando dois serviçais. Gilmar Mendes se encarregaria de regê-los com sua batuta jurídica. Os quatro asseclas de Temer não tiveram o menor pudor em expor ao País e ao mundo seus truques. As coisas já estavam arranjadas antecipadamente. A contagem de 4 a 3 havia sido anunciada bem antes do julgamento. O juiz Herman Benjamin reuniu provas irrefutáveis da corrupção política e influência do poder econômico nas eleições. Caso se seguissem as leis, não haveria margem para exegeses, hermenêuticas e interpretações.

Não se tratava de fato de um julgamento sobre os acontecimentos eleitorais de 2014 e sim do presente momento nacional. O TSE tinha em suas mãos o mandato de um presidente originado de um golpe de Estado. Cassar Temer seria amputar a cabeça da ampla frente burguesa que promoveu a derrubada do governo Dilma Rousseff. Esse foi o sentido e o conteúdo que levaram Gilmar Mendes e seus serviçais a combater o relatório de Herman Benjamin com todo tipo de jogo e manobra.

O golpe e a constituição do governo golpista foram apoiados por todas as instituições do “Estado de Direito”. Não seria o TSE que iria afastá-lo, portanto, em base a um processo referente às eleições de 2014.  Se a maior e mais escaldante prova que se encontra nas gravações de Joesley Batista não podia ser usada porque não estava no “escopo” da petição, então nada mais tinha qualquer valor para cessar a continuidade do mandato de Temer, atribuído pelo Congresso Nacional. No entanto, a conexão dos fatos indica que se trata de um único processo.

As gravações que marcaram a fogo o escorregadio Aécio Neves mostraram que as empreiteiras e a JBS financiaram tanto a campanha da coligação PT-PMDB, quanto PSDB-DEM. Ambas fizeram parte do curral da Odebrecht e da JBS e comeram no mesmo cocho. A petição de Aécio contra a chapa Dilma/Temer para que o TSE anulasse as eleições pôs às claras a podridão da política burguesa em geral, e, em particular, do PMDB, PSDB, DEM e PT. A ação no TSE que serviria para encurralar a recém-eleita presidente acabou se convertendo em ameaça ao governo golpista da coligação PMDB, PSDB, DEM e demais capachos. O ministro Gilmar Mendes que estava por usar a petição de Aécio contra o governo Dilma acabou tendo de desqualificá-la vergonhosamente para proteger o governo golpista.

Do covil de Temer, ouvimos o ressoar de vitória. A política burguesa tem o poder de ressuscitar os mortos. Capacidade de demiurgo que nasce e se alimenta do poder econômico e social da burguesia. Ainda está fresco na memória do País o grito de Temer do fico: “não renunciarei!” O delinquente não extrai a força de si mesmo e de seu grupo encastelado no Palácio do Planalto. Ergueu-se em defesa de seu mandato apoiado no Congresso Nacional, no capital financeiro, no imperialismo e em uma parcela da imprensa monopolista. Ergueu-se em sua defesa agarrado à bandeira das reformas antinacional e antipopular. Ergueu-se em sua defesa contando que a classe operária e demais explorados que se levantaram na greve geral de 28 de abril continuavam amarrados à política conciliação da burocracia sindical, do PT e da frente popular oposicionista.

A farsa do TSE veio a coroar a reação do governo golpista diante do agravamento da crise política. Espera-se agora com o rearranjo no ministério da Justiça e com a derrota da Procuradoria Geral da República reunir forças para disciplinar a Operação Lava Jato. A denúncia de que Temer ordenou que a Agência de Segurança Nacional (Abin) grampeasse as comunicações do ministro do STF, Edson Fachin, mostrou o quanto acirradamente se trava uma disputa interna às instituições. A presidente do STF Cármen Lúcia qualificou a ingerência da Abin como “prática própria de ditaduras”. Temer e o general ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Sérgio Etchegoyen, correram a negar a notícia. Vão passar uma borracha sobre o acontecimento. O governo, agora, se prepara para um novo round com o procurador-geral da República, do qual se espera que entre no STF com o pedido de afastamento de Temer. Passo a passo, as forças golpistas negociam entre si o destino do presidente e se arrasta a crise.

É sintomático que Temer tenha editado a Medida Provisória (MP 784) que visa a proteger os bancos das revelações que estão por vir da Operação Lava Jato. Vencida a tentativa do procurador-geral de imputar Temer, os escândalos que continuarão a se reproduzir serão mais facilmente equacionados e esvaziados. Nota-se que denúncias como a de que Temer e a sua família usaram o jatinho da JBS, bem como o falso testemunho do presidente sobre a benesse, já não têm repercussão. Pelo visto, tudo ou quase tudo que vier agora está anestesiado. Não importa muito acrescentar mais pedras na montanha. Evidentemente, a força da crise política é extraordinária. Tem em sua base a desintegração econômica e por cima uma dívida pública que esgota o Tesouro Nacional e obriga a burguesia e seu governo a atacarem profundamente as massas. A guerra comercial e as necessidades do parasitismo financeiro estão por detrás da crise política.

A campanha burguesa em torno da corrupção e a própria Lava Jato ocultam as forças burguesas em disputa, em meio à qual está o PT e toda a burocracia sindical. O ponto de partida da luta da classe operária, dos camponeses, da classe média urbana pobre e da juventude se encontra na resposta às demissões em massa, ao gigantesco desemprego, à precarização geral da existência e a necessidade de derrubar e enterrar as reformas antinacional e antioperária da burguesia, do governo e do Congresso Nacional golpistas.

Os explorados mostraram sua disposição de combate nas manifestações nacionais do dia 15 de março, na greve geral de 28 de abril e na marcha a Brasília em 24 de maio. O movimento de frente única, no entanto, está sob a direção da burocracia sindical, que manobra com o descontentamento das massas e as condiciona às disputas interburguesas que continuam em novas condições após o impeachment. Sabotam o ponto de partida do movimento e o canalizam para o movimento burguês e pequeno-burguês das eleições presidenciais.

Diante dos olhos da burocracia, caminha a passos largos a reforma trabalhista e se negocia uma versão da reforma da previdência. A orientação geral das forças burguesas é a de marchar em meio à crise com as reformas, com ou sem Temer. Os capitalistas não perdem de vista o fundamental de seus interesses. Distintamente, as direções que controlam as centrais sindicais e os movimentos se enfileiram por detrás das disputas interburguesas e subordinam a luta contra as reformas à reordenação do poder por meio de eleições.

É necessário combater sem trégua o governo golpista, partindo das necessidades dos explorados, de um lado, e desmascarar a política do reformismo que se concentra no objetivo de se reconstituir como oposição burguesa visando às eleições de 2018, de outro. As reivindicações imediatas que mobilizam os explorados se resumem às bandeiras de “Abaixo as reformas da previdência e trabalhista”. A retomada da greve geral depende de as centrais e os movimentos convencerem a classe operária de que se trata de derrubar e enterrar as reformas antinacional e antipopular de Temer.

Certamente, a maioria explorada está diante de uma das crises mais profundas depois do fim da ditadura militar. Crise que supera os patamares da época do governo José Sarney e Fernando Collor de Mello, bem como de Fernando Henrique Cardoso. Trata-se da manifestação mais ampla e aguda da crise estrutural do capitalismo, que desmorona a democracia burguesa, que impulsiona as tendências ditatoriais da burguesia e que coloca objetivamente o programa, a estratégia e as tarefas da revolução social.

É imprescindível não se ater aos aspectos conjunturais e desenvolver a estratégia própria de poder da classe operária e impulsionar a construção do partido marxista-leninista-trotskista. Abaixo as reformas antinacionais e antipopulares! Abaixo o governo burguês, golpista e corrupto de Temer! Por um governo operário e camponês! Retomar a greve geral sobre a base das assembleias e dos comitês de base!