• 09 ago 2017

    Fracassa a tentativa de sublevação militar na Venezuela

7 de agosto de 2017

Declaração do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional

Fracassa a tentativa de sublevação militar na Venezuela

Posição do internacionalismo proletário diante da crise venezuelana

 

A facilidade com que os rebeldes foram derrotados na tentativa de tomar o Forte Paramacay indica que se tratou de uma ação isolada. Ou, então, a revolta em outras unidades das Forças Armadas Nacional não se manifestou porque aguardou o resultado de Paramacay. Está claro que não expressou uma conspiração articulada e bem organizada.

O comandante da operação, o ex-capitão da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), Juan Caguaripano, fez uma tentativa de organizar uma oposição armada ao governo de Nicolás Maduro, em abril de 2014. Teve de ir para a clandestinidade, uma vez que foi condenado por um Tribunal Militar. Segundo informações, refugiou-se nos Estados Unidos. É bem provável que seu retorno de Miami foi amparado por adversários internos e externos do regime chavista. Caguaripano acha que a Venezuela está influenciada por Cuba e aliados. E que Maduro pretende percorrer o caminho do castrismo. A ele e seus adeptos, não importa que o imperialismo atue por baixo e por cima para derrubar o governo.

Ninguém desconhece que a oposição, reunida na Mesa de Unidade Democrática (MUD), se escora em setores da oligarquia venezuelana e nas ações externas dos Estados Unidos, Espanha, Vaticano, etc. Não resta dúvida, portanto, de que a invasão do Forte Paramacay, em Valencia, responde aos interesses de uma fração da burguesia, dos grandes proprietários fundiários e da alta classe média, bem como, das potências que não toleram nenhum tipo de regime nacionalista.

Caso o intento tivesse transformado o Forte em uma trincheira da reação, certamente animaria outras revoltas, uma vez que o choque cotidiano entre oposição e o governo, seguido de mortes, vem minando a governabilidade e repercutindo nas fileiras das Forças Armadas. Nota-se que, nos confrontos de rua, em meio aos manifestantes, têm atuado grupos armados, ainda que artesanal e precariamente. A bomba incendiária que atingiu uma coluna policial de motocicleta indica a escalada de confrontos armados. A disposição dos manifestantes de enfrentar com a vida as forças da repressão é um primeiro passo para se criar um clima de guerra civil.

As possibilidades de uma transição negociada e pacífica diminuíram sensivelmente. Caguaripano exortou a rebelião para pôr fim ao governo Maduro, mas afirmou que não pretendia um golpe militar. Declarou-se subordinado à Assembleia Nacional, incentivando a oposição a romper com a via pacífica. Estaria esgotado o “tempo de pactos e acordos ocultos entre tiranos e traidores”. Concluiu pela necessidade de formação urgente de “um governo de transição e eleições”. A facilidade com que foi derrotada a invasão do Forte Paramacay reduz o impacto de sua pregação ideológica e política. O fundamental, porém, é que indicou um caminho do combate a ser percorrido. Mais à frente, veremos o quanto essas ideias representam nas condições de divisão e radicalização entre governo e oposição. Os últimos acontecimentos caminham no sentido apregoado pelo ex-capitão da GNB.

A tentativa da MUD de se fortalecer por meio da conquista da maioria parlamentar na Assembleia Nacional naufragou. O controle do poder do Estado pelo governo Maduro, assentado nas Forças Armadas e nas milícias bolivarianas, impossibilitou que a oposição erguesse um poder legislativo capaz de quebrar a governabilidade e impor-se ao ponto de conseguir eleições presidenciais antecipadas. O que equivaleria a depor o governo Maduro pela via legislativa. As manifestações de rua serviam de base a esse objetivo. Se conseguisse enfraquecer o chavismo no seio da população e cercá-lo politicamente pelas ações legislativas, estariam dadas as condições para uma transição do governo nacionalista para um governo pró-imperialista sem muita violência. Para isso, concorreram as pressões dos Estados Unidos, de parte dos governos latino-americanos, da socialdemocracia europeia e do Vaticano.

Lembremos que a eleição de Maduro em 2013 frustrou a oposição que esperava, com a morte do caudilho Hugo Chávez, interromper a continuidade do nacional-reformismo. Apoiada na própria Constituição chavista de 1999, a oposição pleiteou um referendo revogatório depois da metade do governo Maduro, em 2016. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo governo, não reconheceu a validade das assinaturas de parte da população que apoiou a campanha da oposição, suspendendo o referendo revogatório em outubro de 2016. O choque que vinha num crescente desde 2014 se agudizou em 2016 em torno da bandeira oposicionista de deposição de Maduro e convocação de eleições. As manifestações e marchas pela “tomada de Caracas” abriram um fosso intransponível entre a MUD e o governo. Fosso esse que se tentou superar por meio da intermediação do Vaticano e da UNASUL. Fracassou. Maduro ainda tentou remendar a situação em 2017 pedindo ao Papa que voltasse a intermediar. Ocorre que para a oposição se tratava de encontrar um acordo que abreviasse o mandato de Maduro. Nesse terreno, não seria possível uma mediação exitosa.

A Assembleia Nacional foi utilizada pela oposição para se constituir em governo paralelo. De forma que se tornou impossível a convivência com o Executivo. O Judiciário se manteve do lado do governo, que o utilizou para barrar as iniciativas da MUD. A conquista da maioria oposicionista, nas eleições de dezembro de 2015, para a Assembleia Nacional, estabeleceu uma cisão institucional no seio do Estado que até então não existia com o controle absoluto do chavismo. O funcionamento da democracia burguesa depende de um certo grau de harmonia entre os poderes do Estado, principalmente entre o legislativo e o executivo. A ruptura total torna impossível a governabilidade. Ou o legislativo promove um golpe, ou o executivo fecha o legislativo, o que também é um golpe.

Dado o caráter particular da Constituição política da Venezuela, não foi possível à oposição derrubar o governo por meio de um golpe parlamentar, a exemplo de Honduras, Paraguai e Brasil. Procurou o caminho constitucional do referendo revogatório. O seu fracasso permitiu a Maduro anular a conquista eleitoral da oposição, retirando poderes da Assembleia Nacional. Não foi suficiente, uma vez que a oposição continuava utilizando esse posto para contestar diariamente o governo e impulsionar os movimentos de rua. O passo seguinte do governo foi o de convocar uma Assembleia Constituinte, talhada para derrubar a oposição de seu posto institucional avançado, que é a Assembleia Nacional. A oposição, prevendo a perda de poder institucional, recorreu à Consulta Popular contra a Constituinte. Agiu como governo paralelo. Ao mesmo tempo, acirraram-se as manifestações de maioria jovem e disposta ao confronto com a polícia chavista. Acrescentemos o episódio em que manifestantes pró-governo invadiram a Assembleia Nacional, num gesto de expulsar os opositores. No dia 5 de agosto, a Constituinte se instalou no lugar na Assembleia Nacional. Decidiu que irá legislar por dois anos e destituiu a Procuradora-Geral, Luisa Ortega Díaz. Fracassou a tentativa da oposição de fazer uma manifestação contra a instalação da Constituinte. No amanhecer de 6 de agosto, o ex-capitão Juan Caguaripano tentou um levante a partir do Forte Paramacay, assinalando a via do golpe militar.

A burguesia latino-americana retomou a ofensiva condenando a “ditadura comandada por Nicolás Maduro” e exigiu a volta da democracia. O governo dos Estados Unidos, Donald Trump, estendeu as represálias e ameaçou recrudescer as sanções. O Mercosul se reuniu em São Paulo para suspender a Venezuela, que de fato já estava suspensa desde setembro de 2016 quando foi arbitrariamente impedida, por um complô do Brasil e Argentina, de assumir a sua presidência. O chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira, presidiu a sessão pronunciando-se de boca cheia pelo restabelecimento da democracia na Venezuela. Essa gente se cobre de democrata quando acabou de ser um dos pontais do golpe institucional que cassou o voto de milhões de brasileiros que elegeram Dilma Rousseff. Ao seu lado, espumando ódio ao regime chavista, esteve o representante do Paraguai, país em que também se destituiu, num golpe relâmpago, o presidente Fernando Lugo. Até o momento, o Mercosul mantém-se calado diante do ataque ao Forte Paramacay. A decisão do Mercosul não teve consequência econômica imediata, mas aperta o cerco internacional do imperialismo, que trabalha pela derrubada do governo venezuelano.

É necessário, resumidamente, estabelecer alguns elos fundamentais da crise que sempre acompanhou o governo bolivariano. Hugo Chávez se projetou politicamente por uma tentativa de golpe contra o governo pró-imperialista de Carlos Andrés Perez, em 1992. Esse governo foi responsável por um massacre dos manifestantes, em 1989, contra suas medidas antinacionais e antipopulares, conhecido pelo nome de Caracaço. É nessas condições que germinou o movimento nacionalista pequeno-burguês no seio das Forças Armadas, cujo dirigente era Hugo Chávez. O golpe fracassou, mas abriu caminho para vitória eleitoral do “Polo Patriótico”, em 1998. Estabeleceu-se, assim, um governo nacionalista. As forças burguesas e militares pró imperialistas cerraram fileira para impossibilitar a governabilidade. Em 2002, sobreveio um golpe militar, Chávez foi encarcerado, seu lugar foi ocupado pelo burguês Pedro Carmona, que dirigia a federação da indústria (Fedecámara), cuja primeira medida foi fechar a Assembleia Nacional. Um levante popular e reação nas Forças Armadas contra o golpe reconduziram Chávez à presidência. De forma que sempre esteve presente a sombra da reação golpista ao governo chavista. Essas mesmas forças vieram a constituir a MUD. Agora, acusam as medidas de autodefesa do governo Maduro de ditatoriais. É próprio da política burguesa esse tipo de inversão de valores.

Os acontecimentos demonstram que, se Maduro não fecha a Assembleia Nacional, é derrubado por ela. Dizemos por ela em termos institucionais, porque a verdadeira força está no poder econômico e na ação do imperialismo. Uma vez que o movimento pequeno-burguês alcançou o poder do Estado por meio do apoio eleitoral das massas e conseguiu fazer de fração das Forças Armadas seu esteio, a fração burguesa pró-imperialista procurou a todo custo liquidar o governo nacionalista. O radicalismo verbal de Hugo Chávez, com sua “revolução bolivariana” e o “Socialismo do Século XXI”, bem como sua aproximação com o castrismo restauracionista, se desvaneceu diante da crise econômica mundial, que derrubou o preço e o consumo do petróleo. O fato é que esse radicalismo em nenhum momento foi capaz de ocultar o velho nacionalismo burguês tipicamente latino-americano. A alta burguesia e os monopólios estrangeiros não podiam tolerar, muito menos colaborar, com o governo pequeno-burguês nacionalista, verborrágico, assentado em conluios com as Forças Armadas. Ocorre que a sua política pró-imperialista foi experimentada na carne pelos venezuelanos no governo de Andrés Pérez. O chavismo não poderia se sustentar se não garantisse um amplo apoio popular. Para isso, subsidiou com os recursos do petróleo um massivo assistencialismo. Esgotada essa possibilidade, os efeitos da sabotagem levado a cabo pelos capitalistas se fizeram sentir entre as massas. Os oposicionistas vêm se potenciando sob o governo Maduro justamente porque o nacionalismo e suas pretensas reformas não têm mais aonde ir.

A convivência sob o manto da democracia burguesa entre nacionalismo e pró-imperialismo, embora sejam variantes históricas da política burguesa, se torna impossível no momento em que o capital financeiro necessita impor suas prementes condições aos países semicoloniais. Está aí por que a crise do chavismo é parte da crise do lulismo no Brasil, do kirchnerismo na Argentina, do masismo na Bolívia, etc. São distintas variantes do nacional-reformismo. O chavismo compareceu como mais radical porque se constituiu entranhado nas fontes de matéria-prima. Pôde vestir a máscara ideológica da “revolução bolivariana”, dada a fraqueza da burguesia nacional (baixa industrialização). As meias-medidas nacionalizantes não atingiram o coração dos monopólios, nem tocaram no capital financeiro, nem na grande propriedade agrária. Conseguiu mal e mal disciplinar os monopólios dos meios de comunicação, que servem de porta-vozes da reação. A Fedecámara patrocinou o golpe de 2002, sem que fosse dissolvida, continuou como instrumento da oposição pró-imperialista. De maneira que o regime chavista sempre esteve sobressaltado por crises. A forma democrática moldada pela Constituição de 1999, que pressupõe a possibilidade da oposição pleitear o referendo revogatório na metade do mandato, foi utilizada contra Hugo Chávez, que não teve problemas em aplicar essa medida constitucional, em 2004.

A conjuntura econômica e social mudou, impossibilitando Maduro de imitar seu antecessor. Em vez de referendo revogatório, convocou a Constituinte. Esse feito, no entanto, não aplacará a crise política. As primeiras informações foram de que a Assembleia Constituinte se instalaria no Palácio Federal Legislativo, o que implicava praticamente inviabilizar o funcionamento da Assembleia Nacional. O imperialismo prepara um cerco econômico – esse sim muito perigoso para a economia venezuelana em decomposição – e a oposição se potenciará mais e mais no seio dos explorados, que carecem de uma direção revolucionária. A política burguesa comporta muitas combinações, mas tudo indica que a polarização chegou ao ponto em que não há mais espaço para pactos e intermediações do imperialismo. A deterioração das condições de vida dos explorados está intimamente ligada à sabotagem dos capitalistas e às pressões do imperialismo. No entanto, a responsabilidade recai sobre o governo de Maduro. Apesar das denúncias contra os sabotadores, as massas não vêm medidas revolucionárias para defender a economia nacional e a situação de existência da maioria oprimida. O radicalismo verbal já não incendeia o coração dos explorados, que acreditaram nas pseudo medidas nacionalistas, no assistencialismo social e na ideologia da “revolução bolivariana”. Os milhares e milhares que correm diariamente atrás do pão não têm alternativa a não ser seguir a oposição contrarrevolucionária, que se prepara para ser os seus mais ferozes algozes.

Maduro e as Forças Armadas não vão ultrapassar o limitado nacionalismo concebido por Hugo Chávez. A experiência tem mostrado isso. A crise se agrava sob a direção econômica da burguesia e o governo é responsabilizado politicamente. É descarregada sobre a classe operária, camponeses e classe média urbana arruinada. Para enfrentar essa situação, é necessário atacar o poder econômico da burguesia e do imperialismo. Sem que se exproprie o grande capital, estatizem os bancos, nacionalizem as terras e imponha o controle do comércio exterior não há como derrotar a ofensiva da reação. Essa é a contradição que provoca agonia deste país latino-americano riquíssimo em recursos naturais e atrasado quanto às forças produtivas industriais. O nacionalismo mostrou-se limitado e impotente precisamente porque não teve como responder às condições de atraso do país. O que implica passar por cima da burguesia organicamente dependente do imperialismo. Contou com o apoio das massas, mas por ser um governo burguês não deixou de trabalhar pela manutenção do capitalismo.

A classe operária venezuelana e a vanguarda combatente estão diante da tarefa de superar a crise de direção, construindo o partido marxista-leninista-trotskista. A emancipação perante o nacionalismo burguês e a toda influência estranha aos explorados somente será alcançada se se enfrentar esse objetivo histórico. É parte do programa da revolução proletária o acerto de contas com o nacionalismo. As condições do capitalismo atrasado venezuelano e sua estrutura de classe se assemelham aos demais países latino-americanos, ainda que guardem importantes particularidades. A estratégia de poder capaz de unir a maioria oprimida em torno do proletariado é a do governo operário e camponês. Há uma crise de poder a qual o regime chavista não terá como resolver. As forças pró imperialistas continuarão a avançar. Se o proletariado não tomar a frente das lutas com seu programa e estratégia, a reação acabará por vencer. É preciso se organizar para derrotar esse feroz inimigo. Trabalhar pela ruptura dos setores populares que se mobilizam sob a política do imperialismo. Mas não será apoiando e se submetendo ao nacionalismo burguês do chavismo que quebraremos a espinha dorsal do grande capital. Ainda que, em determinada situação, tenhamos de fazer frente com os nacionalistas quando se trata da ofensiva concreta do imperialismo e do movimento golpista, estamos obrigados a esclarecer o conteúdo burguês, portanto de classe, tanto do governo nacionalista como o da oposição, preservando a todo o momento a independência de classe do proletariado, deixando claro para os explorados que esse é o caminho da luta pelo governo operário e camponês. Em qualquer caso, se trata de pôr em pé a frente única anti-imperialista. Está colocado o rechaço ao cerco do Mercosul, dos Estados Unidos, da Espanha e do Vaticano à Venezuela. Deve ficar claro que a derrota das forças reacionárias depende do proletariado lutar e chegar ao poder.

Fora o imperialismo!

Pela autodeterminação da Venezuela!

Que os problemas do País sejam resolvidos pelo próprio povo venezuelano!

Por um frente única anti-imperialista, sob a direção da classe operária!

Vencer a reação, lutando sob a bandeira do governo operário e camponês!