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17 ago 2021
Declaração do Partido Operário Revolucionário
Fora os Estados Unidos do Afeganistão!
Talibã retoma o poder sobre o País
17 de agosto de 2021
Em outubro de 2001, quando os Estados Unidos invadiram o Afeganistão, e derrubaram o governo do Talebã, o POR levantou a bandeira “Contra a guerra imperialista. Fora os Estados Unidos do Afeganistão”. Próximo de completar 20 anos de domínio norte-americano sobre o País asiático, o governo de Joe Biden, cumprindo a decisão de seu antecessor republicano, Donald Trump, ordenou a retirada de suas tropas, que se iniciou em 2 de julho de 2021. A meta era a de evacuação total do Afeganistão, até 11 de setembro, quando se completaria o 20º aniversário do ataque às Torres Gêmeas, em Nova York.
A imediata ofensiva dos guerrilheiros e a tomada da capital Cabul inviabilizaram o cronograma dos Estados Unidos, para que a retirada fosse ordeira, e o governo preposto de Ashraf Ghani conservasse o poder assentado nas Forças Armadas afegãs, criadas e instruídas pelo imperialismo. Na iminência da queda de Cabul, o presidente já tinha as malas prontas para a fuga. Surpreendeu o fato de as Forças Armadas não apresentarem nenhuma resistência, digna desse nome, à ofensiva das milícias talebanesas.
O governo e a estrutura governamental, montados pelos Estados Unidos, aliados imperialistas e OTAN, ruíram como um castelo de cartas. A imprensa internacional inquiriu Biden sobre como foi possível uma saída tão desastrosa, depois de quase duas décadas de dominação, um gasto de mais de US$ 1 trilhão, sendo que US$ 88 bilhões foram destinados à criação, estruturação e treinamento de uma força de segurança anti-Talebã. Ainda falta um balanço final do saldo de mortes na intervenção inglória dos Estados Unidos sobre um país de economia atrasada, pobre e tribal. Está claro que a poderosa potência sofreu a segunda maior derrota, depois de sua intervenção, de 1965 a 1973, no Vietnã. O que tem dado motivo para comparações, no sentido de se indagar como foi possível que os Estados Unidos repetissem uma fuga às pressas, desordenada e vergonhosa.
Aos analistas, comprometidos com o imperialismo, pareceu ilógico que, depois de tanto tempo ocupando o Afeganistão, e instruindo o governo preposto, a poderosa potência, amparada pela OTAN, configurasse uma retirada que transparecesse como uma derrota. Que explicação teria Biden para o abandono do posto de comando do Estado pelo presidente do país? O que dizer da dissolução das forças de segurança do regime, depois de tanto investimento financeiro, militar e tecnológico?
A retirada militar se tornou uma importante questão política interna aos Estados Unidos. A maioria da população havia chegado à compreensão de que a intervenção prolongada consumia excessivamente recursos e vidas de soldados norte-americanos, sem que o governo afegão títere se mostrasse capaz de controlar o país, e esmagar a guerrilha do Talebã. Tudo indica que essa consciência aumentou, na medida em que a crise econômica, que se abateu nos Estados Unidos em 2007/2008, atingiu duramente as condições de vida das massas.
A ideologia original da intervenção, que uniu, inicialmente, a maioria dos norte-americanos em favor da decisão do presidente George W. Bush, foi a de que os Estados Unidos estavam ameaçados pelo terrorismo internacional, naquele momento, encarnado pela Al-Qaeda. A maior prova teria sido dada, assim, pelo espetacular ataque às torres do World Trade Center. A exitosa ação terrorista desencadeou uma campanha mundial em favor da intervenção dos Estados Unidos, como se de fato a organização nacionalista de Osama bin Laden fosse capaz de ameaçar a “maior democracia do mundo” e os “valores ocidentais”, como se definiu naquele momento o conteúdo ideológico da ofensiva imperialista contra o governo do Talebã.
Reformistas e centristas de esquerda, inclusive, condenaram o atentado em apoio ao imperialismo, desconhecendo a brutal opressão que os Estados Unidos exerciam e exercem sobre as nações e os povos oprimidos. Houve uma adaptação, quase que generalizada, por parte das esquerdas, à opinião pública pequeno-burguesa, favorável ao intervencionismo no Afeganistão, sob a máscara de que o terrorismo islâmico era o grande problema, e não a violência mundial do imperialismo.
É necessário estabelecer o marco em que ocorreu o atentado em Nova York, e logo a invasão norte-americana do Afeganistão. Em janeiro de 1991, George H. W. Bush (pai) interveio na Guerra do Golfo Pérsico, destruindo o exército iraquiano. Doze anos depois, 2003, George W. Bush (filho) realizou uma operação de demolição do governo nacionalista de Saddan Hussein, ocupando o Iraque. A retirada dos EUA, em 2011, deixou para trás um país arruinado, milhares de mortos, e a farsa de que o governo iraquiano estava prestes a obter a bomba atômica. No início de 2011, um conflito na Síria se potenciou, e se converteu em guerra civil. A ocupação pelos Estados Unidos do Iraque, neste momento, sofria uma grande resistência, que se estendia a praticamente a todo o Oriente Médio. No final desse ano, Barack Obama iniciou a retirada das tropas. Nas entranhas da ocupação do Iraque, se gestou o Estado Islâmico. Al-Qaeda sofria um grande golpe, com a operação norte-americana que assassinou Osama bin Laden, no Paquistão, o que enfraqueceu essa fração do movimento jihadista, e fortaleceu outra com a constituição do Estado Islâmico.
É nessas condições, de agravamento da crise, que se foram tornando insustentáveis, as várias frentes de intervenção e ocupação de territórios pelos Estados Unidos, na região. O desmantelamento da Al-Qaeda e, em seguida, a do Estado Islâmico, somente foi possível com um altíssimo custo financeiro e de vidas humanas.
No Iraque e no Afeganistão, foi cumprido o objetivo de destruir os governos e instalar prepostos. O que não se passou na Síria, onde, apesar da guerra civil e da intervenção das forças externas imperialistas, o governo de Bashar Al-Assad se manteve no poder. Esse processo evidenciou que o nacionalismo islâmico nunca ameaçou os Estados Unidos. A utilização do método terrorista não foi uma demonstração de força ofensiva, mas sim defensiva. Tanto a Al-Qaeda, quanto o Estado Islâmico, não conseguiram instalar governos, mas interpuseram uma significativa resistência aos objetivos de dominação imperialista. O Taleban, embora desse proteção à organização de Osama bin Laden, não se confundia com esse movimento.
Bush exigiu que o governo do Afeganistão entregasse a resistência islâmica, sabendo que não era possível cumprir essa ordem. O Taleban nacionalista se ergueu ao poder, derrotando a intervenção da ex-União Soviética, entre 1979 e 1989, e vencendo internamente a fração pró-imperialista, que acabou, mais à frente, servindo à intervenção norte-americana. Não se pode desconhecer que a Al-Qaeda se formou com o apoio dos Estados Unidos, na guerra do povo afegão contra a burocracia soviética, que já não tinha capacidade de manter um governo títere no Afeganistão.
Se a Rússia não teve como garantir seu preposto, perdendo a guerra que durou uma década, os Estados Unidos também viram seu plano fracassar, com a vitória interna do Taleban contra os senhores do Norte. Essa extraordinária resistência do povo afegão, de não se sujeitar a nenhuma das potências envolvidas na guerra de 1979, explica a derrota dos Estados Unidos, depois de quase vinte anos de ocupação do Afeganistão. Não seria possível esse feito, caso o Taleban não estivesse profundamente enraizado na população.
A campanha sórdida de porta-vozes do imperialismo, de que se trata da volta de sanguinários e opressores das mulheres e crianças, foi montada para ocultar o sentido mais profundo da expulsão do imperialismo, que é o da autodefesa da nação oprimida contra a nação opressora. É bem conhecido o patriarcalismo, que mantém as mulheres como escravas da família, e o obscurantismo cultural, que cega a maioria oprimida com o ópio da religião. Mas, se trata de um atraso pré-capitalista, que conserva relações semifeudais. Não serão, porém, os saqueadores do mundo e opressores dos povos das semicolônias que libertarão as mulheres e crianças afegãs do atraso patriarcal e das amarras do islamismo. Somente o povo afegão, tendo à frente as suas camadas mais oprimidas e avançadas, que enfrentará o pré-capitalismo, as heranças tribais, e toda sorte de opressão. O capitalismo mais avançado, como o dos Estados Unidos, mantém a discriminação das mulheres e o odioso racismo. Sustenta e obstaculiza a superação do atraso nas semicolônias do mundo todo. Está aí por que a hipócrita propaganda, de que a volta do Taleban deve ser condenada, porque significa a volta da opressão sobre as mulheres e crianças, deve ser denunciada como expressão ideológica da dominação imperialista dos povos atrasados e oprimidos pelas potências.
A bandeira “Fora os Estados Unidos do Afeganistão”, levantada pelo POR anos atrás, se cumpriu. A classe operária mundial deve saudar a derrota dos invasores do país oprimido e de seus lacaios afegãos.
Certamente, o retorno do Taleban ao poder não resolverá os obstáculos históricos, que travam o desenvolvimento de suas forças produtivas, o avanço cultural e a superação do arcaísmo religioso. A restauração capitalista na ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas favoreceu o cerco imperialista ao Afeganistão, e o fortalecimento do nacionalismo islâmico, incapaz de romper o cerco das potências, resolver as tarefas democráticas, e impor a independência nacional.
A ausência física da IV Internacional impossibilita organizar a luta mundial do proletariado em defesa da nação oprimida, e dificulta enormemente constituir o partido marxista, nos países em que o nacionalismo islâmico predomina sobre a maioria oprimida. Mas, a decomposição do capitalismo, em escala mundial, favorece a luta voltada à superação da crise de direção. O combate contra o imperialismo, em todas as latitudes, é essencial para organizar as forças do proletariado e dos demais explorados no campo da revolução social.
Viva a expulsão dos Estados Unidos do Afeganistão!