• 01 mar 2022

    Nota do CERQUI – Agrava-se a crise mundial

Nota do Comitê de Enlace pela Reconstrução da Quarta Internacional (CERQUI)

UCRÂNIA

AGRAVA-SE A CRISE MUNDIAL

A CLASSE OPERÁRIA E OS DEMAIS EXPLORADOS ESTÃO DIANTE DA NECESSIDADE DE REAGIR COM SEU PROGRAMA, POLÍTICA E ORGANIZAÇÃO PRÓPRIOS

28 de fevereiro de 2022 

Em vários países, a pequena burguesia urbana está sendo arregimentada, para servir de base social à ampla aliança imperialista. Aliança essa liderada pelos Estados Unidos, para conter a ofensiva militar da Rússia no território da Ucrânia, onde o objetivo de Putin é o de derrubar o governo de Zelenski, e impossibilitar a vinculação do país à União Europeia e à OTAN. A imprensa internacional, controlada pelas potências, tem feito de tudo para ocultar que o principal responsável pela confrontação em solo ucraniano são os Estados Unidos, que comandam a OTAN. As manobras contra a Rússia na ONU – um covil do imperialismo – objetivam atrair a atenção mundial para a farsa do pacifismo norte-americano.

A cada avanço do cerco militar à Rússia, pelo braço armado norte-americano na Europa, se alterava o equilíbrio de forças alcançado no pós-guerra, fundamentalmente com o desmoronamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A OTAN foi montada como uma peça de guerra, assentada em uma poderosa aliança das potências imperialistas vencedoras, para varrer as conquistas históricas do proletariado russo e mundial. Era questão de tempo para se reconstituir um novo quadro de conflagração.

A queda da URSS ocorreu no marco do desabamento das “repúblicas populares” do Leste Europeu. O Pacto de Varsóvia e a URSS ruíram. E a OTAN se potenciou, incorporando os países que foram se desprendendo do sistema soviético burocratizado, adaptado e voltado à restauração capitalista. A via anárquica da restauração, desprendida sob o governo de Ieltsin, foi contida pelo regime montado pelo governo de Putin. Os Estados Unidos e aliados europeus se depararam com a necessidade da Rússia, de recompor seu controle regional, que deita raízes no Império. Raízes que foram rompidas pela revolução proletária, pelo reconhecimento do direito à autodeterminação das nações oprimidas e pela constituição da URSS, mas que, sem o progresso da revolução mundial, não puderam ser extirpadas.

A Rússia montou uma Federação com uma pequena parte das quinze repúblicas soviéticas, que se dispersaram e foram procurar abrigo nas potências europeias e na OTAN. O braço armado dos Estados Unidos na Europa, de instrumento contra a URSS, passou a protetor militar das ex-repúblicas populares e ex-repúblicas soviéticas que se rebelaram. A incorporação da Ucrânia não seria apenas mais um passo, mas um passo que levaria próximo ao confinamento quase total da Rússia. Eis por que a resposta de Putin é defensiva.

O fato de as Forças Armadas russas cercarem e invadirem a Ucrânia – um país indefeso – tem sido traduzido pelos Estados Unidos como uma posição ofensiva, contrária, portanto, à ordem mundial estabelecida no pós-guerra. E o fato objetivo de a invasão representar um ato de guerra, que tem por conteúdo a opressão nacional de uma potência sobre uma débil nação oprimida – que se está deixando arrastar pelo imperialismo norte-americano e europeu – evidencia profundas contradições, que emergem do capitalismo em decomposição e do processo de restauração, que ampliou sua marcha ascendente com a desintegração da URSS. Inevitavelmente, o retorno de parte das ex-repúblicas soviéticas ao capitalismo e a volta das ex-repúblicas populares à condição de servas das potências se tornaram meios e instrumentos de pressão dos Estados Unidos sobre o processo de restauração na Federação Russa.

Não há como Putin voltar no tempo, com a aspiração de reconstituir o extinto Império Grão-Russo. A revolução de Outubro de 1917 e a formação da URSS iniciaram a transição do capitalismo ao socialismo. Esse era o caminho de enfrentamento à dominação imperialista e de combate às suas tendências bélicas. A Revolução Chinesa confirmou a necessidade histórica de fortalecer e impulsionar o processo de transição como parte da revolução mundial. Esse caminho revolucionário se percorreu pela luta de classes e pelo desenvolvimento das forças produtivas socialistas, até certo ponto.

A derrocada da URSS e a adaptação da China à economia de mercado impulsionaram a restauração capitalista, servindo, em última instância, aos interesses do imperialismo. O objetivo da Rússia, de conservar seu poderio regional, e o da China, de expandir mundialmente sua capacidade produtiva e comercial, passaram a se chocar com a hegemonia norte-americana e com os interesses de conjunto das potências europeias, e mesmo do Japão, nas condições de crise de superprodução e de guerra comercial.

O apelo da Rússia para que a Ucrânia não fosse incluída à União Europeia e à OTAN é defensivo. Defesa essa que tem origem na derrubada do governo pró-Rússia, em 2014, e na introdução da tarefa de promover a integração do país à União Europeia e à OTAN na nova Constituição, bem como na guerra civil em Donbass, e na anexação da Crimeia pela Rússia. O acordo de paz de Minsk não resolveu o principal fator da crise, que era e é o do impedimento da Ucrânia de fazer parte da OTAN. Ou a Rússia reagiria contra a instalação de bases militares em suas fronteiras, ou cederia ao objetivo dos Estados Unidos de completar o cerco impulsionado desde o desmoronamento da URSS.

O motivo imediato da ocupação da Ucrânia é o de impor ao governo ucraniano a renúncia ao plano de sujeição do país à OTAN. Mas, o estratégico é o de recuperar o terreno perdido pela Rússia, com a diáspora das ex-repúblicas soviéticas. Em sentido contrário, os Estados Unidos estão em franca guerra comercial, intensificada pelo governo de Trump, com a ruptura da diretriz do multilateralismo, e voltada principalmente contra a China. Mas, a Rússia é parte do mesmo problema. Os Estados Unidos se viram na contingência de voltar sua atenção à Ucrânia, uma vez que não podem admitir que a Rússia impeça o avanço das forças imperialistas na região, em que o proletariado revolucionário e seu partido bolchevique tinham erguido a URSS, nas condições da Primeira Guerra Mundial imperialista.

A adaptação da URSS ao capitalismo mundial, em um processo de reabilitação progressiva das forças burguesas internas, sob a guarda da burocracia estalinista, deu origem a um movimento histórico contrário ao da transição do capitalismo ao socialismo. Sem o controle da classe operária sobre as incipientes forças produtivas socialistas e sobre seu próprio Estado, minaram-se as bases da propriedade social dos meios de produção. A casta burocrática que se ergueu, movida pelas contradições internas da atrasada economia russa, e pelos condicionamentos mundiais do imperialismo, acabaria se submetendo gradativamente à hegemonia norte-americana do pós-guerra.

A classe operária, que esteve na base da constituição da URSS, foi sendo posta à margem da direção política e econômica, de forma que lhe foi extirpado de seu seio o partido bolchevique. A liquidação da III Internacional, a mando de Stalin, resultou desse processo interno. Instaurou-se uma crise de direção sem precedente, ao se interromper e regredir a luta do proletariado pela transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade social. Por esse motivo, hoje, a Rússia, ou a Federação Russa de Putin, não tem como ser defendida pela classe operária e pelas massas camponesas pobres, como foi defendida com os métodos revolucionários na Primeira Guerra Mundial e, depois da Revolução de 1917, na guerra civil, a não ser que os explorados coloquem novamente de pé as organizações soviéticas e a sua direção revolucionária. O mesmo se passa nas ex-repúblicas soviéticas.

O proletariado ucraniano era e é a única força social capaz de derrubar a oligarquia pró-União Europeia, impedir o cerco da OTAN à Rússia, e garantir a autodeterminação real do país. No entanto, não tem sido possível unir a classe operária russa e ucraniana, de tão desorganizada e influenciada pelo nacionalismo burguês e pequeno-burguês. Se o proletariado envolvido diretamente na guerra se mostra incapaz politicamente de se manifestar, em defesa de uma reposta própria e oposta à do imperialismo e da oligarquia burguesa russa, muito mais difícil é para a classe operária na Polônia, Alemanha, França, Estados Unidos, enfim, para o proletariado mundial. Essa passividade da classe revolucionária na Europa, diante da guerra na Ucrânia, põe à luz do dia a gravidade da crise de direção.

Em meio a uma massiva campanha do imperialismo, camadas da pequena-burguesia começam a se movimentar. O isolamento social da Rússia tende a crescer, na medida em que se prolongue a guerra, cresçam as mortes, se agigante a onda de refugiados e aumente o amontoado de escombros. Os Estados Unidos passaram a contar a seu favor com a penetração, nas massas, da falsa tese de que procurou uma solução pacífica, e de que a OTAN é defensiva, diante de uma Rússia ofensiva. Na realidade, o imperialismo e seu braço armado empurraram Putin a ocupar a Ucrânia.

A posição do imperialismo, de não enviar forças externas, tão somente indica o imperativo de não instalar uma guerra na Europa, que poderia assumir características de guerra mundial. Mas, diante da resistência ucraniana e do receio da Rússia em usar todo poderio militar para esmagar os oponentes, cresceu a unidade das potências em torno às diretrizes de Biden. Unidade que conta com a passividade do proletariado e com o apoio da opinião pública da pequena-burguesia, contrária à invasão russa.

A mudança de posição da Alemanha, que passou a enviar recursos e armamentos para a resistência ucraniana, é a mais sintomática. E, mais sintomaticamente ainda, foi a decisão do chanceler alemão, de elevar os recursos destinados ao rearmamento do país. O que significa elevar a um novo patamar a escalada militar na Europa e no mundo. A indústria bélica vem exigindo medidas dessa natureza, em meio ao recrudescimento da guerra comercial. Esse é o principal sintoma da crise que, por ora, permanece restrita ao marco da Ucrânia e Rússia.

A unidade em torno às sanções econômicas tem transcendência, no sentido de que os Estados Unidos estão usando as armas da guerra comercial. Não há segredo que os monopólios de petróleo e gás, comandados pelos norte-americanos, vêm há muito se opondo à independência como a Rússia controla e administra os seus abundantes recursos naturais. Pesa, nas relações econômicas, o fato de fornecer 40% do gás à Europa. Washington exerceu grande pressão sobre a Alemanha, em particular, para que não colaborasse com a construção do gasoduto que passa pela Ucrânia. Agora, conseguiu suspender o funcionamento do Nord Stream. Essa retaliação faz parte da guerra comercial.

O desligamento dos bancos russos do sistema de pagamento (Swift), controlado pelos Estados imperialistas e pelo capital financeiro, manejado desde os Estados Unidos, foi anunciado com o objetivo de sufocar a economia russa, e, assim, provocar uma cisão entre os oligarcas e o governo, e causar descontentamento na população. O mesmo diz respeito ao corte de fornecimento de bens tecnológicos. Com tais medidas, atingem-se os ramos fundamentais da produção, e os grupos de capitalistas que sustentam o governo Putin.

A discussão na imprensa, se a Rússia terá como contornar parte de tais medidas, é secundária. O mais importante é que evidencia o quanto a Rússia se encontra integrada ao sistema de dominação imperialista. E o quanto os oligarcas se encontram premidos para irem adiante com a restauração capitalista, sob as diretrizes externas.

A restauração, por meio do capitalismo de Estado, tanto na Rússia quanto na China, já não serve ao capital financeiro internacional, que se encontra represado em um atoleiro. A Rússia poderia continuar oprimindo as ex-repúblicas soviéticas, desde que estivesse com suas fronteiras abertas ao capital financeiro e aos monopólios. Se é inevitável a influência econômica da Rússia na Europa Ocidental, muito mais ainda na região oriental e asiática, a que está ligada historicamente.

A guerra na Ucrânia, por si só, afetará a Europa, e, por esse caminho, a economia mundial. O conjunto de sanções terá, como os próprios analistas da burguesia indicam, uma repercussão generalizada, derrubando ainda mais o crescimento mundial, já raquítico, e impulsionando a espiral inflacionária. As massas, duramente sacrificadas pela longa Pandemia, terão de arcar com maior elevação do custo de vida e desvalorização do preço da força de trabalho. É por essas condições de opressão de classe que o proletariado se erguerá contra os capitalistas e seus governos, e poderão elevar sua compreensão sobre a necessidade de combater a ofensiva dos Estados Unidos contra a Rússia e a China, e, ao mesmo tempo, combater a burocracia oligárquica restauracionista.

Colocam-se, na situação, as bandeiras: pelo desmantelamento da OTAN; pelo fim das bases militares dos Estados Unidos na Europa e no mundo; retirada imediata das tropas russas da Ucrânia; pela autodeterminação e unidade territorial da Ucrânia; recuperação das conquistas revolucionárias do proletariado com a constituição da URSS.

Essas bandeiras correspondem à luta do proletariado, no campo da independência de classe, e sob a estratégia histórica dos Estados Unidos Socialistas da Europa. É imprescindível que a vanguarda com consciência de classe trave essa batalha, voltada a construir os partidos marxista-leninista-trotskistas, como parte da reconstrução do Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional.