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30 maio 2016
30 de maio de 2016
Depois do estupro coletivo de quatro meninas no Piauí, em junho de 2015, veio o caso da adolescente de 16 anos, do Rio de Janeiro, violentada por um grupo de homens. Basta o estupro individual para se ter a abominável agressão física, mental e moral. Os depoimentos das vítimas atestam a profunda dor da mulher que passa indefesa por esse momento. A denúncia da adolescente de que teve de suportar a investida de três dezenas de homens expôs a que ponto chegou a violência contra a mulher.
O fato ganhou tal notoriedade que reacendeu a tragédia do Piauí. Quatro homens, três deles menores, depois de estuprarem e torturarem, jogaram as vítimas de um despenhadeiro, o que provocou a morte de uma das meninas. São dois casos extremos, separados apenas por nove meses, que indicam a que ponto chegou a decomposição social do capitalismo.
Como era de esperar, a notícia de que o estupro atingiu a sua forma coletiva, ultrapassando a ideia do estuprador individual e maníaco, que pode estar na rua ou dentro de casa, assombrou a maioria da população e obrigou as autoridades – governo, polícia, judiciário e imprensa – a darem satisfação. De um caso social e policial escabroso, passou a um caso de política de Estado. O governo golpista de Michel Temer anunciou a criação de uma delegacia da mulher vinculada à Polícia Federal. Seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, se reuniu com o Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. A imprensa deu grande publicidade na forma de uma campanha contra a “cultura do estupro”. Organizações de Direitos Humanos, professores, especialistas, advogados, juristas, etc. foram chamados a dar explicações a tamanha barbárie e apresentar soluções. Os coletivos feministas organizaram manifestações, que se incorporaram perfeitamente ao noticiário sob a bandeira de “fim da cultura do estupro”. Como assistimos, tomou corpo publicitário o combate à violência à mulher, à discriminação de “gênero” e à prevalência do “machismo” por três vias: punição, prevenção e educação. Essa foi a voz nacional, carregada de consternação e horror.
A apuração do ocorrido pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, sob a direção do delegado Alessandro Thiers, logo se tornou motivo de crise política. A linha do depoimento impressa pelos inquiridores da jovem violentada passou a ser suspeita. O delegado e o próprio Secretário de Segurança alegaram que ainda não havia condições jurídicas para concluir o caso e prender os implicados. Mas Beltrame prometeu que os criminosos não ficariam impunes: “Aqueles que praticaram esse crime hediondo serão achados, presos e condenados”. Em uma coletiva de imprensa, dirigida por uma delegada, acompanhada de uma legista, se anunciou a prisão de seis suspeitos.
Há uma clara desconfiança quanto à atitude da polícia diante da gravidade do ato. Não importa se a denúncia da jovem sobre 33 estupradores é precisa ou não. O que importa é que está instalado o diagnóstico de que uma das causas da crescente violência sobre a mulher é a impunidade. O Brasil tem uma das legislações mais rigorosas, que é a Lei Maria da Penha. Lá está a tipificação do estupro como crime hediondo. Uma vez cometido, somente resta prender o criminoso. A prevenção e a educação não têm aplicação prática perante o estupro consumado. Está aí por que se espera em um caso tão brutal que se prendam sem demora os violadores e que o rigor da pena sirva de exemplo do que pode acontecer com os estupradores.
Lembremos que no caso do Piauí os três menores receberam a pena de três anos de internato. O que foi motivo para os defensores da redução da maioridade penal e da revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente denunciarem a impunidade. O fato é que em uma sociedade dirigida pelo homem e em que a mulher é oprimida não se pode confiar nas leis, na justiça e na polícia. Deve-se, portanto, assentar na prática que “a primeira coisa que tem de acontecer é punir o agressor”. Essa tem sido a bandeira comum e imediata a casos de violência contra a mulher. A punição é a primeira medida porque é a resposta mais urgente que se pode exigir do Estado. A prevenção e a educação não contam diante do ocorrido. Sabe-se pela experiência, em todas as áreas da criminalidade, que a punição não resolve, mas que pode limitar circunstancial e temporalmente o avanço do crime, no caso, o estupro em particular e a violência contra a mulher em geral. É o máximo que a sociedade de classes, a burguesia e seu Estado podem oferecer.
Fixemos a afirmação: o máximo que a punição pode realizar diante de fenômenos sociais deletérios estruturalmente determinados é limitá-lo em determinadas condições. Se essas condições mudam, o mesmo fenômeno pode se tornar em seguida mais deletério. A prevenção e educação como complemento à punição são, porém, menos palpáveis e, por isso mesmo, constituem o campo privilegiado daqueles que somente veem em determinadas reformas a possibilidade de frear a violência.
Distintamente dos reacionários, como os defensores do “prende e mata”, os reformistas justificam que a punição é a primeira medida, que como tal pouco vale se o Estado e a “sociedade civil” não criarem as condições para evitar a violência e finalmente reduzi-la a quase nada. A prevenção se daria por meio de mecanismos de proteção à mulher (centro de acolhimento, delegacia especializada, saúde da mulher, etc.). A educação é mais complicada. A família, a escola e os meios de comunicação cumpririam o papel de mudar a mentalidade “patriarcal-machista” que impera no Brasil.
De fato, o pensamento, a noção e a visão pequeno-burguesa progressista sobre as questões que envolvem as mulheres – não somente nesta questão, mas na do racismo e da homofobia – são minoritárias e impotentes diante das causas históricas, econômicas e sociais que as produzem. Mas têm se fortalecido o suficiente para se chocarem com o pensamento reacionário burguês e pequeno-burguês em toda linha. É preciso diferenciá-los e apoiar um contra o outro sem assumir os fundamentos burgueses de suas proposições. Ou melhor, apoiar a luta dos progressistas contra os reacionários naquilo que revela a própria impossibilidade da burguesia e suas instituições de porem fim à opressão sofrida pela mulher. É em situações dramáticas como os estupros coletivos do Piauí e do Rio de Janeiro que as forças da reação e do progresso se manifestam. Uns exigindo mais rigor na punição que alcance os menores de idade; outros, mais incentivos à prevenção e educação. Nesse embate, é importante a distinção entre as forças obscurantistas e as democráticas que identificam as discriminações sociais e exigem proteção às mulheres.
Assim, têm-se desenvolvido as posições sobre as discriminações e as várias formas de violência sobre a mulher. Limitadas nos marcos do capitalismo, não podem ir além do que o Estado burguês pode oferecer, como leis avançadas inaplicáveis e sistema de proteção raquítico. Não se resolvem problemas sociais originados de contradições sem nelas interferir e superá-las. As vias da punição, prevenção e educação se limitam aos efeitos e acobertam as causas. Se não se vai à raiz dos dilacerantes conflitos humanos, não se pode responder com as transformações necessárias e com as forças sociais capazes de encarná-las. A raiz de toda a brutalidade e desumanidade se encontra nos antagonismos de classes, na propriedade privada dos meios de produção, na exploração do trabalho, na concentração de riqueza, na pobreza e miséria das massas. A subordinação da mulher ao homem, a prepotência masculina e a opressão geral que infelicita a mulher é fruto da sociedade de classes. A mulher carrega uma longa cadeia histórica de escravização na família e na vida social. Suas potencialidades e faculdades estiveram condicionadas às formas de escravização de acordo com a formação social vigente. O capitalismo como sociedade de classes mais avançada não a libertou e tão somente modificou as formas de sua escravização. Os grandes saltos nas forças produtivas, nas ciências e na cultura não resultaram na libertação da mulher. Diferenciou-a mais claramente em classes sociais e determinou seu lugar no processo de produção e de distribuição de riqueza, mas não a emancipou da velha escravização da família e da dependência ao homem. Enquanto persistir a raiz de classe que determinou a inferioridade da mulher, persistirá a dependência desumanizadora.
A mulher arca com uma particular violência entre tantas e terríveis violências do capitalismo senil e putrefato. Não há sistema punitivo, preventivo e educativo burguês que possa livrá-la das agressões na família e fora dela. Não podemos, por sua vez, fechar os olhos para o processo de decomposição econômico-social que reforça a prepotência do homem, degenera-o e gesta todo tipo de desvios, desequilíbrios, enfermidades e taras, ao ponto de chegar ao estupro coletivo e ao bárbaro assassinato da vítima violentada. Não serão com frases de efeito como “cultura do estupro”, “meu corpo me pertence”, “fim do machismo”, etc. que as mulheres lutarão contra a violência sexual e moral que se reproduz diariamente. Não por acaso, esse tipo de violência é mais frequente no seio da família. A luta no plano da ideologia e dos valores contra a opressão é demarcada pelo princípio da igualdade e pela diretriz histórica da emancipação. A sua base material é clara é inconfundível: a propriedade privada dos meios de produção, a exploração do trabalho e a escravização da mulher na família. Há que se ter sempre e em qualquer circunstância as raízes de classe da opressão sobre a mulher, caso contrário se cai no reformismo impotente ou na impostura cultural.
O movimento pela emancipação da mulher e pela igualdade com os homens se encontra em grande atraso diante do avanço da barbárie capitalista. Isso se deve ao fato de se limitar ao movimento de classe média. As mulheres proletárias ainda estão por despertar para a luta libertadora. Em parte, refletem o baixo desenvolvimento político e organizativo do movimento operário, rigidamente controlado pela burocracia sindical colaboracionista. E, mais gravemente, pela ausência do partido revolucionário amplamente implantado em suas fileiras. As mulheres têm um importante e decisivo lugar na luta do proletariado pela emancipação geral dos explorados. Não há dúvida de que as mulheres não poderão dar um só passo na conquista da igualdade sem que sejam parte ativa da revolução social.
A resposta a cada situação em que a opressão se manifesta em toda sua extensão, como no caso do estupro do Rio de Janeiro, servirá à causa da igualdade se se expressar no programa geral da emancipação da mulher. A transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade socialista abrirá caminho para a mulher romper a escravidão da família, que funciona como célula econômica da sociedade de classes. A violência contra a mulher se extinguirá com a extinção de sua subordinação familiar, econômica e social ao homem. É fundamental elevar a compreensão sobre as causas gerais de sua escravização e sobre as particularidades do capitalismo em decomposição. É fundamental elevar a consciência socialista da mulher.
O POR chama os explorados a rechaçarem a hipocrisia dos governos e autoridades que rapidamente condenaram o bárbaro estupro, quando são representantes da burguesia e sustentáculos da opressão. O POR chama as mulheres a se organizarem como parte do movimento operário e revolucionário.