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03 jan 2017
3 de janeiro de 2017
A chacina no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, foi imediatamente comparada com a do Carandiru, ocorrida em 1992, em São Paulo, na qual foram assassinados 111 detentos. Na de Manaus, morreram 56. A comparação se deve ao número elevado. Depois do Carandiru, a de Anísio Jobim é o maior banho de sangue nas penitenciárias brasileiras. Se somarmos as inúmeras rebeliões que concluíram em mortes coletivas, teremos mais nitidamente o retrato da barbárie social. É inevitável que se recorde a monstruosidade do Carandiru, não apenas pelo número de vítimas e pelo requinte de crueldade, mas também pelo fato de a chacina ter sido desfechada pela tropa de choque e pela impunidade que cobriu de infâmia a Justiça, os governantes e toda política burguesa.
Os mortos de Manaus não tiveram como algozes o aparato repressivo do Estado. Tudo indica que é verdadeira a informação que a chacina se deveu à guerra de facções do narcotráfico. A conta do horror passou a preencher a biografia da “Família do Norte” (FN), considerada a terceira maior facção do país, depois do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV). Segundo a explicação das autoridades, a FN se aliou com a CV, que controla o tráfico no Rio de Janeiro, contra o PCC de São Paulo. O objetivo da chacina foi o de varrer o PCC da região Norte, porta de entrada da cocaína boliviana, colombiana e peruana.
Os prisioneiros do PCC se encontravam segregados em um pavilhão próprio. O que indicava o risco de a guerra do tráfico resultar em tragédia. Basta essa informação para concluir que não havia garantias de segurança que impossibilitassem o confronto entre facções. Não se tratava de traficantes individualizados, mas de grupos organizados no presídio. A Polícia Federal vinha monitorando a disputa entre a Família do Norte e o PCC. Sabia, através da “Operação Muralla”, que se tratava de uma guerra.
As autoridades ainda não apresentaram a explicação de como a segurança dos presos do PCC foi rompida. Chama a atenção que os agentes penitenciários feitos reféns não sofreram com a violência. Parece que tudo estava muito bem planejado. Ninguém desconhece a conivência de policiais, agentes, juízes, etc. com o narcotráfico. É clara, portanto, a responsabilidade do Estado diante do massacre. Nesse sentido, a mortandade de Manaus também se identifica com a do Carandiru.
Em princípio, as autoridades carcerárias são responsáveis pela segurança dos presos. No entanto, basta ver as condições do sistema prisional do país para se contestar objetivamente a possibilidade do cumprimento dessa função elementar. Logo se usa o fato de que nos últimos tempos houve uma enorme elevação do número de detenções, que o Brasil já exibe a quarta maior população carcerária do mundo, os presos são amontoados como entulhos humanos, faltam agentes públicos e por aí vai. Essa é a realidade, sobejamente conhecida. O que quer dizer que as condições para a chacina de Manaus estavam dadas e que outras ocorrerão. No entanto, como se trata da vida de presos ligados ao tráfico, basta explicar para a sociedade que o banho de sangue foi o resultado natural da guerra de facções que se devoram entre si à margem da vida civilizada.
A Associação de Juízes Para Democracia (ADJ) atribui à matança o “encarceramento em massa”, os presídios como “masmorras medievais”, a “irracional guerra contra as drogas”, enfim, “o tratamento dos problemas sociais de um dos países mais desiguais do mundo como caso de polícia”. E conclui pela necessidade de se “refletir sobre a política punitiva”. Em geral, os vários aspectos expressos na declaração da ADJ são críticas justas. Mas, como fazem todos os críticos das consequências do capitalismo putrefato, se nega a ir às causas. Tomamos, porém, essa manifestação de juízes que se reivindicam do Estado Democrático de Direito e são opositores ao “Direito Penal como solução dos problemas estruturais” e da atual orientação punitiva do Estado, porque ajuda a refletir sobre a violência e os cárceres.
O massacre de Manaus expressa a barbárie capitalista. Essa é premissa geral, que consiste no elevado desenvolvimento das forças produtivas e na impossibilidade da burguesia, seu Estado, sua democracia e seu governo em convertê-las em meio de superação da pobreza, da miséria e do atraso cultural das massas. O crescimento da produção e o desenvolvimento da cultura ocorrem na forma de concentração que, de um lado, polariza a riqueza em poder da minoria burguesa e, de outro, a pobreza e miséria que esmagam a maioria operária, camponesa e trabalhadores de classe média urbana.
As ilhas da portentosa vida social da burguesia e da alta classe média estão cercadas pelo mar de carências e de necessidades básicas da maioria oprimida. Tem-se muita capacidade de produção, mas não se tem emprego para milhões. Têm-se excedentes de produção, mas não se tem acesso da maioria às necessidades mais elementares.
A crescente subordinação do campo à cidade se converte em grandes centros urbanos repletos de bairros miseráveis, de favelas e cortiços. As crianças e os jovens desde logo veem seu futuro comprometido pela carência de tudo e parte deles tem de suportar a desintegração da família. Essa descrição também está à vista de todos, mas é apresentada como natural e como transitória. A burguesia e seus governos impõem mais sacrifícios aos explorados em nome de um futuro melhor que nunca chega, nem chegará no capitalismo putrefato. Para tal falsificação, se recorre ao argumento de que o Brasil ainda é um país em desenvolvimento. Responsabiliza os milhares e milhares que recorrem ao crime pelas próprias condições sociais da criminalidade. O certo é que os criminosos são vítimas da sociedade de classes, do capital. Essa conclusão jamais poderá ser admitida pela classe que explora, por seus governos e por todos aqueles que usufruem das vantagens que o capitalismo proporciona à minoria.
O narcotráfico e suas facções têm se fortalecido, apesar de todo aparato repressivo do Estado. É uma das consequências da decomposição do capitalismo e do desenvolvimento de sua crise econômica mundial. Superlotar as penitenciárias de traficantes e travar a guerra policial nas favelas não resolve nada. O mais escandaloso fracasso foi a implantação, no Rio de Janeiro, das UPPs. Nenhuma força policial e judicial detém o narcotráfico. A explicação se encontra no mercado de drogas e no poderio financeiro da burguesia narcotraficante. Enquanto existir a compra dessa mercadoria, haverá quem produza.
Os meios de produção e as finanças pertencem à burguesia que lucra com as drogas. Os exploradores dessa modalidade subordinam camponeses e pequenos produtores; contraem transações com bancos, investidores; subornam autoridades governamentais, policiais e judiciais; lavam milhões em negócios supostamente lícitos. Para movimentar esse complexo aparato de produção e comercialização, arregimentam um batalhão de traficantes, que transportam, distribuem e vendem. Geralmente, no caso do Brasil, são jovens pobres, sendo a maioria negra. A quase totalidade dos 56 assassinados no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, provavelmente, se enquadra nessas condições.
Seria preciso que a fração burguesa narcotraficante perdesse todos os vínculos com a burguesia em geral para que se desfechasse um golpe mortal no narcotráfico. Mas os interesses econômicos e financeiros são mais poderosos que os aparatos repressivos e a moral hipócrita da sociedade burguesa. O que se passou na Anísio Jobim é apenas uma manifestação do que se passa diariamente fora das prisões.
Se se quer ter uma posição séria e honesta diante da tragédia de Manaus, é preciso partir do acontecimento para organizar a luta revolucionária contra o capitalismo em decomposição. Rechaçamos as explicações das autoridades que procuram ocultar a responsabilidade do Estado e daqueles que, por aspirarem a humanizar o capitalismo, se mostram impotentes diante da barbárie. Levantamos a constituição de um Tribunal Popular para investigar e encontrar os verdadeiros culpados. O narcotráfico desaparecerá com o desaparecimento da propriedade privada dos meios de produção e da burguesia. A revolução proletária é o ponto de partida para superar os flagelos da sociedade de classes.