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17 abr 2017
17 de abril de 2017
Quatro fatos marcaram a primeira quinzena de abril: o bombardeio dos Estados Unidos à Síria, o deslocamento de uma frota de guerra norte-americana para o sul da Península da Coreia, o lançamento da superbomba no Afeganistão e a mobilização da OTAN na Polônia, acompanhada de uma brigada blindada americana e da inclusão de Montenegro na OTAN.
Estados Unidos e Rússia se acusam mutuamente quanto à identificação do responsável pelo uso de armas químicas na Síria. Na reunião do G-7, as potências apoiaram a posição norte-americana, responsabilizando o governo de Bashar Al-Assad pela mortandade. O secretário de Estado americano, Rex Tillerson, pretendia ir mais longe, com sanções mais rigorosas contra a Rússia. Em sua visita diplomática à Rússia, Tillerson levou na bagagem a acusação de que Vladimir Putin tinha conhecimento do uso de armas químicas. E Putin recebia o secretário de Estado com a denúncia de que os Estados Unidos falsearam sobre o trágico acontecimento acusando Al-Assad, quando na realidade quem detinha armas químicas era a oposição. A reunião em Moscou serviu apenas para se restabelecer o acordo sobre o uso do espaço aéreo na Síria de maneira a evitar um confronto entre as duas forças aéreas. Trump insistiu, porém, na denúncia de que a Rússia estava sendo conivente com o responsável pelo ataque químico.
No dia 6 de abril, quando se reunia com o governo da China, Xi Jinping, Trump autorizou o bombardeio da Síria, desconhecendo o Conselho de Segurança da ONU. O fato pelo visto foi calculado. Serviu para alertar a China de que a maior potência tomava uma posição ofensiva e não estava disposta às limitações diplomáticas. Não se tratava apenas de uma mudança tática em relação à guerra civil internacionalizada na Síria. O bombardeio com mísseis à base aérea Síria servia apenas de um sinal, de abertura de um processo mais amplo de militarização mundial. Em seguida, Trump ordenou sua marinha de guerra a cercar a Coreia do Norte e ameaçá-la de bombardeio em suas instalações militares e assim destruir seu programa nuclear. Ao mesmo tempo, pressionou a OTAN a fortalecer suas posições na Polônia e colocar Montenegro sob sua guarda, contrariando a resistência da Rússia.
A China, por sua vez, procurou se resguardar, evitando se opor abertamente à ofensiva militar dos Estados Unidos. Na reunião do Conselho de Segurança da ONU, absteve-se diante da moção apresentada pela representante dos Estados Unidos, que condenava o governo Sírio. Decidiu suspender a importação de carvão da Coreia do Norte, acatando a sanção econômica imposta pela ONU. Diante do deslocamento da esquadra de guerra norte-americana para a região, o governo chinês pediu cautela e mais diplomacia, avaliando a possibilidade de um bombardeio às dependências norte-coreanas. O regime de Pyongyang tinha previsto um novo teste com mísseis no dia da comemoração da fundação da República Popular da Coreia do Norte. Fato esse que levou a China a se reunir com o governo da Coreia do Sul e conjuntamente ameaçar o vizinho com o corte de venda de petróleo. Parece que o teste fracassou. Essa movimentação serviu, pelo menos, momentaneamente, para Trump suspender as ameaças econômicas à China. Obrigá-la, por outro lado, a não se alinhar com a Rússia, Irã e Síria contra a ofensiva militarista norte-americana. Trump deu um passo à frente para acuar a Rússia, que insiste em manter a Síria sob sua influência. E para inibir a ascendência da China sobre a Coreia do Norte.
As potências imperialistas – França, Alemanha e Inglaterra –, cujos governos haviam feito restrições à eleição de Donald Trump, colocaram-se sob suas asas, compactuando com a tese de que o governo sírio havia utilizado as armas químicas e alegrando-se com a decisão de somente pôr fim à guerra com a derrubada de Al-Assad.
Nenhuma dessas potências e aliados dos Estados Unidos ousou questionar o unilateralismo de Trump e a orientação norte-americana de desconhecer a ONU. Sob o governo de Barak Obama, todos se alinharam à política do multilateralismo, insuflando a ilusão de que a ONU era de fato um espaço de decisão do conjunto dos países. George W. Bush já havia desfeito essa ficção, mandando às favas o Conselho de Segurança da ONU que estava em desacordo com a intervenção militar no Iraque.
Obama reavivou o cadáver com a tese do multilateralismo, que serviu aos Estados Unidos para conduzir a burguesia mundial nas condições da crise econômica aberta em 2008. O seu maior feito foi o de obter do Irã um acordo de contenção de seu programa nuclear. O que evitou uma guerra entre Israel e Irã, que obrigaria os Estados Unidos a se colocarem militarmente mais fundo no Oriente Médio. Na Síria, impôs a Assad a destruição de seu arsenal de armas químicas. Permitiu que a intervenção na Líbia ficasse a cargo de seus aliados, contando com o apoio da ONU. Procurou uma aproximação de Israel com os Palestinos, não apoiando a expansão das colônias na Cisjordânia. Retirou parte das tropas de ocupação no Iraque e no Afeganistão. Acrescenta-se ainda a política de formação de um grande bloco econômico (Parceria Transpacífica), de apoio a um programa mundial de proteção ambiental e energia limpa, de suspensão do cerco econômico a Cuba e desarmamento das FARCs. Internamente, a administração dos democratas se viu diante da necessidade de responder à alta taxa de desemprego, ao subemprego e ao avanço da pobreza. O programa de saúde (Obamacare) foi a principal medida no sentido de amenizar a crise social. Os interesses do capital financeiro e dos monopólios foram preservados, mas as medidas particulares de Obama não deixaram de despertar oposição de poderosos setores de energia e da indústria militar, principalmente. A diretriz de Obama emergiu nas condições do maremoto econômico-financeiro, que se formou e tomou corpo nos anos de 2007-2008. Observa-se que os Estados Unidos precisavam da tese do multilateralismo.
Trump chega ao poder no momento em que a economia norte-americana começa a respirar. No entanto, ainda que os poderosos abalos sofridos pelo sistema financeiro tenham ficado circunstancialmente para trás, a economia como um todo continua a refletir a superprodução mundial e as pressões da tendência à queda média da taxa de lucro. A destruição de parte das forças produtivas mundiais não foi suficiente para se estabelecer um novo período ascendente. Baseado em uma tímida retomada econômica, que despontou já no governo de Obama, Trump procura responder aos interesses primordiais da indústria de energia e militar, valendo-se da bandeira de retomada industrial dos Estados Unidos.
A iniciativa de bombardear a Síria e confrontar a Rússia pareceu inesperada. O candidato republicano havia sido acusado pelos democratas de receber apoio de Putin nas eleições e se mostrar condescendente com a Rússia. Na realidade, a bandeira do internismo serviu para ocultar que Trump expressa precisamente as tendências bélicas do imperialismo. Mal completou seus 100 dias de governo, a máscara caiu, expondo a necessidade dos Estados Unidos realizarem sua política interna por meio da política externa intervencionista. Estavam esgotadas a orientação e a tática de aproximações de países em posições antagônicas sob a hegemonia dos Estados Unidos, traçadas por Obama.
A dominação norte-americana exige o uso do poderio militar nas condições de agravamento do choque entre as forças produtivas e as relações de produção, bem como com as fronteiras nacionais. Não se sabe ainda até onde os Estados Unidos irão em sua ofensiva intervencionista, que se abriu com o bombardeio na Síria. Sabe-se, porém, que as bandeiras de liquidação do Estado Islâmico e a de acabar com o programa nuclear da Coreia do Norte implicam uma grande investida militar.
O imperialismo está diante do esgotamento da repartição do mundo, realizada na 1ª e 2ª guerras mundiais. Fato esse que não é recente. Desde os anos 60, mais definidamente, desde os anos 70, o capitalismo vem sendo sobressaltado por crises regionais. A que se abriu em 2008 se distingue por expressar o acúmulo das crises anteriores e por se generalizar mundialmente a partir das potências. O processo de restauração capitalista nos países que iniciaram a transição do capitalismo para o socialismo e, especialmente, a desintegração da União Soviética nos anos 90, serviu de respiro à crise de superprodução e de meio para os monopólios enfrentarem a queda tendencial da taxa de lucro. É nestas condições que o curso de restauração na China auxiliou enormemente às diretrizes do imperialismo para a economia mundial. Os atritos dos Estados Unidos com a Rússia e China, agora, confirmam o esgotamento desse processo e a necessidade do capital financeiro e dos monopólios submetê-las, como se submetem as semicolônias. Não é aceitável que se pretendam como potências regionais, que fecham passagem à livre penetração do capital monopolista.
A disputa pela Síria tem esse sentido. A divisão da Ucrânia teve e tem esse mesmo sentido. A disputa da China com o Japão pelas ilhas estratégicas e o conflito com a Coreia do Norte refletem o mesmo problema. Não mais basta que a burocracia do Partido Comunista Chinês permita a penetração das multinacionais no país e a brutal exploração das massas chinesas. É preciso que o Estado chinês não obstaculize a expansão imperialista por cima de suas fronteiras nacionais. A Rússia deve se encolher e renunciar à pretensão de recuperar o terreno perdido pela desintegração da URSS. As potências europeias se debilitaram com a crise econômica e com os impasses de sua unificação. A Alemanha, que se beneficiou da unidade europeia e se fortaleceu, tem de retomar o seu armamento ou contribuir portentosamente com a OTAN. O Japão, há algum tempo, vem se rearmando e assim mudando as leis do desarmamento, impostas pelos vencedores da 2ª guerra mundial. Seu destino é como o da Alemanha, ou assume uma escalada armamentista, ou contribui para o fortalecimento do aparato dos Estados Unidos. Essas duas vertentes na situação não se excluem.
Tudo indica que os conflitos no Oriente Médio e na Ásia se agravarão. Os Estados Unidos acobertam a sua voracidade econômica com as campanhas contra o terrorismo, agora centrada no Estado Islâmico, anteriormente na Al Qaeda e no Taleban, e contra governos sanguinários que pisoteiam os direitos humanos, como foi o caso de Saddam Hussein, no Iraque, Muamar Kadafi, na Líbia, etc. Utilizam-se de seu posto de guardião das armas nucleares e químicas. Com todas essas máscaras, escondem a rapinagem imperialista e o domínio não só econômico, mas também militar dos povos oprimidos. As demais potências se valem dessas máscaras e agem de acordo com os interesses gerais do capital financeiro.
A classe média tem se sensibilizado pelas campanhas humanitárias, antiterrorista e antiarmamentista, orquestrada desde os Estados Unidos. Os porta-vozes do imperialismo condenam as matanças por armas químicas, mas enobrecem as carnificinas pelos poderosos mísseis, que não apenas atingem os inimigos, mas também a população. O imperialismo se caracteriza não só pelo monopólio econômico, mas também pelo monopólio militar. Em outras palavras, um decorre do outro.
É necessário que as organizações operárias rasguem as máscaras e os disfarces do imperialismo. Exponham os perigos que corre a humanidade diante das armas de destruição em massa, produzidas pela indústria das potências. Coloquem à luz do dia o avanço das tendências bélicas mundiais. Lutem pela autodeterminação das nações oprimidas, que implica o direito de se armar como bem lhe convier contra o imperialismo. Mas, sobretudo, os explorados devem encarnar o programa da revolução proletária, socialista. A defesa da paz e do desarmamento mundiais depende da luta revolucionária para destruir o poder da burguesia. Enquanto essa classe, ultraminoritária, continuar com seu domínio sobre os meios de produção, a guerra imperialista estará presente. Deve ser expropriada e reiniciado o processo de transição do capitalismo para o socialismo, como fez a Revolução Russa e as demais revoluções socialistas.
A desorganização do proletariado mundial e, portanto, a ausência de uma direção revolucionária, também em escala mundial, é o grande problema que temos de enfrentar. A crise não apenas movimenta a burguesia para seus objetivos de saque, como também o proletariado mundial e demais explorados, que se veem na contingência de se defender, bem como as nações oprimidas. O programa de reivindicações é a arma por onde se começa o combate à burguesia e ao imperialismo. Por esse caminho, torna-se possível desenvolver o programa internacionalista da revolução proletária. A vanguarda consciente tem o dever de reunir suas forças para construir os partidos revolucionários em seus países, como parte da reconstrução do Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional.
É nas condições de avanço das tendências bélicas do imperialismo, de recrudescimento dos choques no Oriente Médio e de guerra contra a Coreia do Norte que se tem com maior clareza a dimensão do que é a crise de direção revolucionária e a imperiosa necessidade de superá-la.