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28 maio 2017
28 de maio de 2017
Temer, ministros, camarilhas do PMDB, PSDB e DEM decidiram pela farsa. Não se trata, porém, de uma defesa opcional diante das gravações de Joesley Batista, da JBS. É tão evidente o crime de responsabilidade presidencial que não há outra via de se colocar como vítima a não ser montando uma peça farsesca. Depois de decidir que não haveria renúncia, somente restou a Temer acionar seus peões na cadeia de poder para inventar a historieta de que caiu em uma armadilha acionada às 23 horas, do dia 7 de março, por um empresário meliante, em um encontro nas dependências do governo.
No segundo pronunciamento, Temer descarregou uma avalanche de estrume sobre os irmãos Batista e compareceu como se estivesse banhado por um mar de rosas. A população deveria ser convencida de que os donos da poderosa JBS se saíram muito bem em sua delação premiada. Para isso pagaram à benevolência do Ministério Público com uma enxurrada de lama a ser lançada sobre um governo que começara a tirar o País da crise, a trazer empregos e a traçar um horizonte de prosperidade. Ele, Temer, portanto, estava disposto em nome do Brasil, a enfrentar a conspiração e defender seu honrado nome.
Não faltaram, logo nas primeiras horas da denúncia, as caras lavadas de Eliseu Padilha e de Moreira Franco, ambos implicados nas investigações da Lava Jato, para acusar os delatores de Temer de falsificação. O Palácio do Planalto armou uma reação nas hostes das forças que derrubaram o governo de Dilma Rousseff. Não bastava desqualificar os empresários delatores com adjetivações e com a imputação de que contaram com a complacência do Ministério Público. Era preciso desqualificar as provas gravadas e divulgadas nas telas das televisões.
Temer recorreu ao escritório do famoso advogado Antonio Claudio Mariz e este contratou o imperturbável perito Ricardo Molina para mostrar que a fita do áudio foi manipulada. Indagado sobre quanto recebeu, mandou o jornalista perguntar no escritório de Mariz. A Folha de São Paulo, por sua vez, serviu de porta-voz à sagaz descoberta de uma montagem fraudulenta do áudio. Agora, Temer não apenas usava a arma do escracho ao procurador-geral Rodrigo Janot, por ter deixado livre os donos da JBS, como também a do estandarte da inocência. Estava de posse de uma comprovação de que seu governo era vítima de uma conspiração.
Umas das versões divulgadas pelo advogado Gustavo Guedes é de que havia 70 pontos na gravação suspeitos de interferência. A do perito Molina é de que identificou “seis pontos de possível edição”. Não houve nenhuma conclusão definitiva. Mas Temer, em seu discurso, procurou colar na consciência nacional a certeza de que foi incauto e que assim acabou servindo de boi de piranha aos bandidos da JBS.
A atitude inicial do governo foi a de pedir a suspensão do inquérito no Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de que as provas foram adulteradas e que precisavam passar pela perícia. O procurador Geral da República, Rodrigo Janot, se colocou pela perícia da Polícia Federal, mas alegou que não era necessário suspender o inquérito. O plenário do STF iria julgar a petição de Temer na quarta-feira, 24 de maio. Sabendo que seria derrotado, Temer recuou. Decisão que aliviou os ministros do STF, segundo interpretação da imprensa. O que nos parece verossímil, tamanho o compromisso da Corte com o golpe institucional que acabou com o governo petista.
A batalha daqui para frente se centra na anulação das provas. A questão é saber se o STF avalizará o teatro farsesco regido por Temer, Padilha e Franco. O governo que devia ter caído obteve um sopro de fôlego. A reação contou com uma importante parcela dos golpistas, que saíram no Congresso Nacional e na imprensa a defender o presidente, apesar das provas incontestáveis.
Ocorre que o País está diante de uma grande pressão para que as reformas antinacional e antipopular sigam a qualquer custo. Não importa à burguesia o tamanho do escândalo. Não importa que Temer tenha sido flagrado pelo próprio corruptor Joesley Batista. Não importa que o poderoso empresário tenha revelado como se compra as autoridades da República. O que importa é que as reformas têm que ser implantadas por esse governo, porque esse governo nasceu de um golpe para essa tarefa.
As justificativas de Temer são tão fictícias que uma delas não passa de uma invenção de quem não sabe como explicar o fato de ter recebido Joesley Batista na calada da noite – uma presença que não era para ser registrada –, na residência presidencial. Disse que foi para tratar da “Operação Carne Fraca”. As datas, porém, são incompatíveis. O encontro com Joesley foi antes da Operação. A não ser que o presidente e o empresário tivessem conhecimento antecipado do que iria acontecer dias depois da confabulação noturna. O que não é impossível. Diante da mentira, um porta-voz do governo calidamente veio a público dizer que Temer se enganou. Quanta desfaçatez diante da população, que vem pagando com demissões, desemprego e miséria a crise do capitalismo.
Tomada de conjunto, a Operação Lava Jato expôs o funcionamento quadrilheiro da política burguesa. Os personagens têm face, personalidade e caráter para todas as situações. Moldam facilmente suas fisionomias.
O episódio da mala de dinheiro entregue ao deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB) acabou virando comédia. Trouxe à lembrança o dinheiro escondido na cueca por um membro do PT. Mas foi muito mais representativo da miséria da política burguesa. Loures foi afastado do posto de parlamentar pelo ministro Fachin, retornou tranquilamente de sua viagem, foi à polícia entregar a mala e logo em seguida teve de completar os trinta e cinco mil que havia surrupiado. Loures é homem de confiança de Temer, faz parte da quadrilha do PMDB e estava incumbido de cumprir as tratativas de Joesley com o presidente da República.
A lógica do absurdo é tão naturalizada que o senador Romero Jucá, que foi obrigado a deixar o posto de ministro por estar sob a acusação da Lava Jato, proclamou que quer a “verdade” e que o restante cabe à justiça. A verdade para esse chefe do PMDB é que Temer é vítima e que o real e único bandido é Joesley. Jucá, lembremos de passagem, foi um dos chefes da conspiração que montou o impeachment e que deixou transparecer que a defenestração do governo petista era a condição para pôr fim à Operação Lava Jato.
O senador e agora presidente do PSDB, Tasso Jereissati, saiu em defesa de Temer, arvorando-se em arauto da ordem e adversário de “uma aventura”. Sucedeu o senador Aécio Neves, que teve a máscara de vítima das delações arrancada sem atenuante, como foi a de Temer. A “aventura” a que se refere diz respeito ao pleito do PT e aliados de convocação de eleições presidenciais. O partido de Aécio Neves (PSDB) – juntamente com o partido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) – pretende assumir pela via indireta o governo, caso não seja possível manter Temer na condução do Estado. Aos olhos do País, PSDB e DEM negociam com o PMDB a saída honrosa de Temer e a transição do poder sem que altere o curso das reformas. Contam para isso, com o Judiciário. O Congresso Nacional está alinhado com essa solução.
Surpreendentemente, a Globo assumiu as denúncias feitas pelos irmãos Batista e suscitou a renúncia do presidente. O jornal O Estado de São Paulo, distintamente, tomou as dores de Temer, qualificando os donos da Friboi de partícipe de uma “laia”. Não precisou da esperada perícia para concluir taxativamente que “das palavras ouvidas não comprovou a alegada anuência presidencial” sobre a compra do silêncio de Eduardo Cunha. Sem pronunciar o nome do jornal O Globo, cobrou responsabilidade por ter avalizado a acusação de Joesley. E conclui denunciando o “subjetivismo” do procurador Rodrigo Janot. Como não é possível negar a própria conversa na calada da noite, o editorial refere-se ao fato como uma conversa “bastante constrangedora”. É por esse tipo de expediente que se pretende manter Temer à frente do governo.
Diante das imputações da Lava Jato contra o PT, a imprensa monopolista impulsionou a campanha, escrachou, utilizou fartamente dos vazamentos e agigantou a onda das denúncias. Como a desgraça, agora, atingiu dois dos chefes do golpe, Michel Temer e Aécio Neves, os abutres atacam o Ministério Público e os vazamentos.
O País está diante de um baita escárnio. Escárnio de Temer. Escárnio do PMDB, PSDB e DEM. Escárnio do Congresso Nacional. Escárnio da imprensa.
O acinte e o desrespeito à inteligência da população não se passam sem fortes motivos. Expressam a decomposição da burguesia, de seus partidos e de suas instituições. Mas se expressam sobre a base de interesses materiais claros e precisos. As diretrizes e as reformas do governo golpista devem ser levadas adiante custe o que custar. Há um vínculo indissolúvel entre o governo nascido da derrubada do governo Dilma e as reformas antinacionais e antipopulares.
O Congresso Nacional, o Ministério Público, o Judiciário, a imprensa monopolista e as organizações empresariais são responsáveis pelo golpe institucional. Cada uma dessas instâncias do Estado e da burguesia convergiu para a realização do impeachment, que cassou por cima da população o mandato de um presidente eleito. Na base desse processo, estiveram as investigações da Lava Jato, que apontaram o PT e seu governo como quadrilheiros. Sabia-se, porém, que não se tratava de apenas uma quadrilha.
O PMDB, PSDB e DEM – os três partidos históricos da burguesia – compõem a base de toda a relação com os grupos econômicos. As revelações da Odebrecht foram suficientes para se ter esse quadro. Os irmãos Batista não fizeram senão apresentar provas de que Michel Temer e Aécio Neves, portanto, são chefes de quadrilhas, muito mais influentes que Lula e, portanto, que o PT.
Está à frente do Estado um presidente que se originou de um golpe e que teve sua real identidade moral revelada. O fundamental, no entanto, não está na promiscuidade do poder. A corrupção é inerente à sociedade mercantil e à política burguesa. Está em que foi utilizada como instrumento para derrubar um governo eleito e colocar em seu lugar um governo que faz parte do mesmo e amplo esquema criminoso de financiamento político.
O Congresso Nacional que cassou o governo petista está comprometido irremediavelmente com a venda e compra de influência política entre partidos e empreiteiras, JBS, etc. Esse mesmo Congresso, agora, está empenhado em defender seu governo em desgraça. A sua tarefa foi a de acabar com um governo incapaz de promover as reformas antinacionais e antipopulares exigidas pelo capital financeiro e pelo imperialismo. E colocar em seu lugar um governo consequente com os objetivos estratégicos do grande capital.
Encontramos o conteúdo do escárnio nacional precisamente na linha que procura separar o governo enlameado das reformas tidas como salvadoras. A patacoada de que as reformas da previdência e trabalhista não pertencem ao governo, mas ao Brasil é própria de representantes da burguesia nacional em decomposição e serviçal do imperialismo. Essa falsificação objetiva ocultar tanto o conteúdo de classe da corrupção política quanto das medidas econômico-sociais armadas pelo governo golpista.
As reformas não pertencem ao Brasil, mas sim à burguesia que necessita de atacar a fundo as massas, para manter seus lucros e encontrar recursos para sustentar a gigantesca dívida pública parasitária. Para cumprir esse objetivo, recorreu-se a um golpe institucional e à constituição de uma ditadura civil. Sob a máscara da democracia, o governo e o Congresso Nacional se impõem à força, contra a vontade da maioria dos brasileiros, medidas que ampliam a desnacionalização, favorecem o capital parasitário e golpeiam antigas conquistas da maioria oprimida.
Os explorados, evidentemente, não devem se prender e se orientar pelo escárnio do governo e do Congresso Nacional. Combater a corrupção burguesa é uma tarefa quixotesca. A luta da classe operária está posta claramente: derrubar e enterrar as reformas antinacionais e antipopulares, defender a previdência e os direitos trabalhistas, enfrentar as demissões e o desemprego e proteger os salários.
As manifestações de 15 de março e a greve geral de 28 de abril mostraram o caminho a seguir. A massiva manifestação de 24 de maio, em Brasília, brutalmente reprimida, deve se converter em retomada da greve geral. Somente os explorados poderão rechaçar o escárnio burguês, por meio de suas reivindicações, organizações e métodos próprios. É fundamental, portanto, não se deixar levar pelo caminho das disputas interburguesas em torno de como se solucionará a crise política.
A principal tarefa é a de concentrar as forças coletivas da maioria oprimida pela derrubada das reformas e da política antinacional e antipopular armadas pelo governo golpista. É a partir dessa base que o proletariado poderá desenvolver sua política independente e formular suas posições de classe diante da crise econômica capitalista e da decomposição política da burguesia.