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08 set 2017
8 de setembro de 2017
No estertor do mandato do Procurador-Geral, Rodrigo Janot, veio à tona mais uma avalanche de estrume sobre as instituições, a política burguesa e as autoridades. O Jornal O Estado de São Paulo, que no último período se especializou em defender o governo golpista de Temer e sua ditadura civil, recomendou ao procurador que se demitisse. Temer e sua camarilha se disseram aliviados, porque as novas revelações da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud mostrariam que as acusações de Janot contra o presidente da República eram infundadas. O seu advogado, Antônio Mariz, declarou que vai pedir anulação das provas que incriminam Temer de “corrupção passiva”. O ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal (STF), um dos mais fiéis seguidores do governo golpista, voltou à carga contra Janot, acusando-o de instruir os delatores da JBS para obter provas contra Temer. A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, por sua vez, considera que a “dignidade institucional do STF” e a “honorabilidade de seus integrantes” foram atingidas de maneira inédita na história do país.
No áudio em que Joesley e Saud conversam descontraidamente, foram expostas as relações promíscuas entre o empresário, autoridades do judiciário e políticos. Tudo indica que o ministro Edson Fachin tenha liberado apenas parte da conversa, amputando as referências a ministros do STF. Lembremos que Joesley Batista gravou a sua conversa clandestina com Temer, na qual não há a menor sombra de dúvida de que o presidente faz parte de uma das quadrilhas que comanda o Estado. Gravou também a entrega de uma mala de dinheiro ao ex-deputado do PMDB, Rodrigo Rocha Loures. Como parte dessa operação, foi gravada a conversa com o senador e presidente do PSDB Aécio Neves, em que também não restam dúvidas de que faz parte de outra quadrilha que também comanda o Estado. Temer foi inocentado pela Câmara Federal, que votou contra a admissibilidade da denúncia da Procuradoria-Geral da República. Aécio Neves continua como senador e com as mãos livres para manejar politicamente os seus interesses e do PSDB. Liberdade essa agraciada por decisão do ministro Edson Fachin.
Era aguardada a segunda denúncia de Janot, que ficou em banho-maria depois da decisão de inocentar o bandido Temer. Já não havia tanta preocupação nas hostes do governo. A recusa da Câmara Federal em acatar a denúncia compareceu como uma derrota da Procuradoria-Geral e, em particular, de Janot. A vida política no Palácio do Planalto voltou à normalidade. Os parlamentares passaram a negociar a reforma política. Temer divulgou uma ampla lista de privatizações, editou um decreto pondo fim à reserva de cobre e outros minérios na Amazônia e reatou as negociações em torno da reforma da previdência. Aproveitou o respiro e foi para a China vender projetos desnacionalizadores.
No entanto, apesar da aparente tranquilidade, restava a apreensão sobre o que Janot poderia apresentar contra Temer antes de terminar o seu mandato, em 17 de setembro. Assim, Janot foi obrigado a entregar a Fachin o áudio de Joesley Batista, que havia sido entregue à Procuradoria-Geral, sem que o delator tivesse consciência do material inflamável, segundo as informações. O que é uma bomba para Janot, é um presente para Temer. Estaria demonstrada a inépcia das provas que o incriminavam. O melhor que Janot teria de fazer, portanto, é transferir o seu mandato para a Procuradora Raquel Dogde, apadrinhada do Michel Temer e Gilmar Mendes. Esse é o teor conclusivo da luta política institucional que se travou após o golpe de Estado que derrubou Dilma Rousseff. Janot está terminando seu mandato. Ao invés de sair brioso, sairá chamuscado. Se isso se confirmar, será uma vitória da camarilha golpista.
Para contrabalançar a situação, Janot desengavetou uma nova denúncia contra Lula e Dilma Rousseff. Acusa-os de formação de quadrilha e de ter recebido propina no valor aproximado de R$ 1,48 bilhão. Segundo o advogado de Lula, Janot pretende “mudar o foco da discussão em torno da ilegalidade e ilegitimidade das delações premiadas”. Depois que as denúncias da Lava Jato se voltaram contra Temer e seus asseclas, o PT deixou de ser o único alvo, embora continuasse sendo o principal foco da luta política interburguesa. A reação de Temer, dos aliados da frente golpista e da imprensa monopolista permitiu questionar o uso das delações premiadas. Enquanto estava triturando o PT, tudo era legal, certo e correto. Assim que atingiu o presidente golpista e figuras como Aécio Neves, a legalidade das delações começou a ser discutida no sentido de até que ponto poderiam ser utilizadas, já que nem sempre eram acompanhadas de provas fatuais. A tal da figura do “domínio dos fatos”, usado fartamente no processo do Mensalão contra o PT, continua sendo utilizado para incriminar Lula, mas questionado quando se refere à quadrilha do PMDB e do PSDB. Mais ainda, provas visuais e auditivas da gravação de Joesley são consideradas ineptas e ilegais.
Nesse mesmo ínterim, o juiz Sérgio Moro decidiu ativar a delação de Antônio Palocci. Homem forte no primeiro mandato de Lula e responsável por traçar a transição da política neoliberal de Fernando Henrique Cardoso para a de semi-neoliberal de Lula, caiu em desgraças e nada tem a perder em delatar seus ex-correligionários e amigos petistas. Segundo as primeiras delações, o objetivo é o de requentar informações sobre as propinas da Odebrecht destinadas à compra de um terreno para o Instituto Lula e para o sítio de Atibaia. Pelo visto, Palocci também não apresentou nenhuma prova. Nota-se, portanto, que a divulgação de sua delação, bem no momento em que Temer fica aliviado e Janot chamuscado, faz parte das disputas intestinas no poder do Estado. Lula estava em campanha eleitoral no Nordeste e está prestes a dar novos depoimentos ao juiz Sérgio Moro.
Esses acontecimentos estão intimamente relacionados. Não por acaso, em meio a tudo isso, a Polícia Federal expôs o depósito de dinheiro clandestino do bandido Geddel Vieira, ex-ministro do governo petista e do governo golpista. Está em andamento a tão aguardada delação do doleiro Dilson Funaro, operador da quadrilha do PMDB. É provável que será ocultada a ligação entre Geddel, Funaro e Temer. Aí está o flanco aberto contra o presidente da República. Mas bem no momento da delação de Funaro e da “descoberta” do depósito clandestino de mais de R$ 51 milhões, veio à tona a bomba que atingiu Janot e protegeu Temer. É de supor que as conspirações continuam a fazer parte da crise política.
O choque entre as instituições se agravou no último período. O confronto entre Janot e Gilmar Mendes, que pode ser estendido para a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal, ganhou novas proporções diante da continuidade ou não do governo Temer. A vitória deste no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e na Câmara dos Deputados significou a derrota da fração da burocracia do Estado e de uma fração burguesa, que passou a desconfiar da possibilidade de um governo tão impopular e desmoralizado levar adiante as reformas antinacional e antipopular. Está aí por que a imprensa monopolista se dividiu em torno da permanência ou não de Temer. A seguir a lógica dos fatos até aqui evidenciados, esse novo escândalo atingirá tão somente o PT. O objetivo é o de impedir que Lula se candidate em 2018. Em boa parte, a continuidade da crise política tem a ver com as disputas eleitorais.
Cotidianamente, a população assiste aos escândalos de corrupção e de impunidade. No entanto, a imprensa monopolista procura convencê-la de que está havendo uma mudança para melhor e que é preciso ter paciência porque não se consertam as coisas erradas de uma só vez. É como se a moralidade está vencendo a imoralidade; a honestidade à desonestidade. As prisões de altos empresários e de políticos, principalmente do PT, seriam a demonstração que a lei vale para todos. A Lava Jato foi alçada às alturas, como não se fizesse parte da política burguesa e das disputas intestinas no Estado. Oculta-se o fato de ter sido instrumento para o golpe que derrubou o governo do PT. E oculta-se que os atuais choques se dão em torno da manutenção ou mudança do governo golpista. Considera a vitória de Temer contra a denúncia da Procuradoria-Geral como demonstração da fortaleza democrática. É como se estivesse forjando novas instituições estatais, novas relações políticas e uma nova democracia, que gradualmente irá substituindo as velhas práticas corporativas e fisiológicas. Não por acaso, o governo Temer seria o produto genuíno da democracia, embora não estivesse à sua altura. A esperança é que as próximas eleições venham a constituir um novo governo assentado em novas práticas administrativas e políticas. Tudo isso é uma grande mentira para aplacar o ódio dos explorados diante do avanço do desemprego, da pobreza, da miséria e das reformas impostas pela ditadura civil de Temer.
Esse tipo de ilusão não se circunscreve ao manejo da política burguesa. Vimos correntes de esquerda que se dizem socialistas pedir prisão a todos, como se fosse um ato de vontade das massas, a despeito de que tudo está nas mãos da justiça e do cárcere burguês, em última instância, nas mãos da política burguesa que impera no momento. A desorganização e o atraso político da classe operária são tão grandes que a maior parte das correntes de esquerda acha que é uma boa resposta à corrupção colocar o destino dos bandidos burgueses nas mãos da própria justiça burguesa. Há entre tais correntes a crença de que essa é a maneira de mostrar para os explorados que nada se resolve no capitalismo. No entanto, não apresentam respostas que o proletariado pode dar, independente se está em condições ou não de cumprir no momento.
É preciso ou não ter uma resposta proletária? Sem dúvida que sim. Começa por demonstrar que a corrupção é inerente ao capitalismo e que jamais o poder da burguesia dará um só passo adiante para resolvê-la. E mostrar que ou a classe operária se põe em luta por suas reivindicações, por seu programa e por sua própria estratégia, ou continuará a arcar com a decomposição do capitalismo. A corrupção é apenas um sintoma da decomposição. Trata-se de procurar suas raízes nas relações capitalistas de produção, na brutal exploração do trabalho, na manutenção da miséria e da fome pela força das armas e na dominação que se garante por meio do Estado. Se se quer de fato e sinceramente combater os crimes da burguesia, é preciso lutar pela constituição de um Tribunal Popular, criado pelo movimento das massas. Se os explorados ainda não estão em condições de cumprir essa tarefa, trata-se de explicar e explicar que esse é o único caminho capaz de combater os crimes da burguesia. É a única via de colocar nas mãos do proletariado as reais soluções. Nossa luta, evidentemente, não é de moralizar a política burguesa e salvar o capitalismo de sua própria desintegração, mas sim destruí-lo pela via da revolução social.