-
06 mar 2018
8 de março de 2018
Entra ano e sai ano, e as condições de opressão sobre a mulher não arrefecem. Entra governo e sai governo, e as mulheres continuam sendo discriminadas e sofrendo toda sorte de violência. São mais do que conhecidas e previstas as formas de discriminação e violência. No entanto, nenhuma das ações governamentais tem evitado, diminuído e muito menos indicado o caminho de sua extinção. É certo que temos visto o reconhecimento por parte de governos, de instituições estatais e organizações sociais de que é preciso proteger a mulher. Sobre essa base, se ergueram postulados e medidas reformistas, que abarcam desde a adoção de leis, medidas “sócio-protetivas” a ações culturais e educacionais.
Em várias partes do mundo, isso vem ocorrendo. Em particular, no Brasil, a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio expressam esse movimento reformista. Não por acaso, a primeira institui a defesa geral da mulher; e a segunda, altera o código penal qualificando os crimes contra a mulher de hediondos. Foram duas contribuições dos governos petistas.
Tais leis atendem à avaliação de que a discriminação e a violência sobre a mulher se devem ao fato de estarem desprotegidas legalmente. A legislação específica sobre a mulher, assim, estaria garantindo-lhe direitos. O que impõe ao Estado e aos governantes assegurarem que tais direitos sejam cumpridos. Estariam, assim, resolvendo um dos principais problemas que afeta a vida social das mulheres, que são a superação da impunidade e da ausência de uma ação repressiva do Estado. Tendo preenchida essa lacuna, caberia aos governos reprimir os homens agressores. A justiça, a polícia e o cárcere seriam, portanto, os instrumentos de proteção à mulher.
No interior do próprio movimento reformista, se reconhece que não basta essa via. Seria preciso, também, educar homens e mulheres para a igualdade. A repressão coibiria a violência e concretizaria o princípio da punição. A educação levaria à consciência e a uma nova cultura da igualdade. A aplicação da lei Maria da Penha e do Feminicídio tem sofrido críticas dos setores reformistas no sentido de que deveriam ser políticas de Estado e não só de governos. Seria esse um dos motivos fundamentais de sua pouca aplicabilidade. A educação para igualdade, por sua vez, sequer chegou a fazer parte dos currículos escolares. Acredita-se que, com punição e educação, se colocaria fim ao “machismo” e se alcançaria a igualdade de “gênero”.
Essa formulação pressupõe resolver a opressão sobre a mulher no interior do capitalismo e com os meios do Estado burguês. Imagina-se a possibilidade de uma grande reforma social sem alterar as bases materiais e as relações de poder. De forma que se realizarão, progressivamente, alterações econômicas em favor das mulheres e culturais em relação aos homens. As mulheres se tornarão mais independentes e os homens mais conscientes da igualdade. No lugar do conflito diário, ocupariam a colaboração e a parceria.
Nota-se que a tese reformista sobre a opressão da mulher parte da suposição de que se desenvolve no seio da sociedade a luta entre homens e mulheres. Decorre daí a explicação do poder do macho, do qual emana a violência sobre a mulher. O adjetivo que corresponde a essa relação de dominação é o de “machismo”. Para indicar o tipo particular de opressão e de violência, a academia criou o conceito de “gênero”. “Machismo” e “gênero” guiam o movimento reformista, que desemboca nas fórmulas de prevenção, punição, cárcere e educação. A luta das mulheres por esse “programa” permitiria abrir caminho nos postos de comando exercidos pelos homens. Haveria um processo de “empoderamento” das mulheres em todas as esferas sociais. É nesse sentido que se concebe a tal da política de cotas. Acredita-se que, assim, passo a passo, as mulheres passarão a decidir na política, economia, cultura, educação e família. Esse evolucionismo levará ao fim do “machismo” e à igualdade de “gênero”. A via do “empoderamento” político é o das eleições, da atuação parlamentar, governamental e administrativa. No momento em que as mulheres ganharem espaço na política e na economia, estarão avançando em direção à sua emancipação. Uma das conquistas de base é de convencer os homens a agirem como “parceiros” domésticos.
É compreensível que esse movimento feminista não só rejeite a tese marxista de que a opressão da mulher é opressão de classe como o combate. De fato, o feminismo de “gênero” e antimachista foi engendrado nas entranhas do reformismo burguês e pequeno-burguês em oposição ao movimento revolucionário do proletariado pela emancipação da mulher. É inegável que esse movimento tem obtido concessões do Estado, como é o caso da Lei da Maria da Penha, bem como mecanismos jurídicos policiais de proteção às vítimas. Mas também é inegável que a discriminação e a violência não cederam, ao contrário, continuam crescendo. É conveniente à burguesia conceder aquilo que não toca nas causas fundamentais da opressão sobre a mulher. Inclusive é econômica e politicamente conveniente ceder espaço a parcelas das massas femininas da classe média. A ascensão dessa camada tão somente dá a aparência de que as mulheres ganham terreno contra a discriminação. As massas femininas proletárias não tiveram e não terão a mesma sorte. É sobre elas que recai o maior peso da opressão.
A discriminação e a violência recrudescem entre as mulheres pobres e miseráveis. Ressalta ainda mais as terríveis condições das mulheres pobres e negras. Precisamente, é o caso dessas mulheres que mais evidencia a raiz de classe da opressão sobre a mulher. É possível identificá-la também no caso das mulheres pertencentes à classe média. Mas está mais encoberta. Pelo fato de, nesta camada social, a raiz de classe e as condições materiais e sociais serem menos visíveis é que serve às teses reformistas. É completamente impraticável diante das mulheres proletárias.
O capitalismo não comporta o fim da discriminação salarial e da dupla jornada de trabalho. Não comporta garantir a completa proteção da maternidade e o ingresso de todas as mulheres na produção social. Não comporta o direito ao aborto e as condições médicas-hospitalares sob a incumbência do Estado. Bastam esses cinco aspectos, que refletem a opressão sobre as mulheres proletárias, para ver que não houve nenhuma reforma no capitalismo voltada a solucionar tal carga discriminadora. O movimento de gênero, antimachista, culturalista e de empoderamento passa longe dessas reivindicações e tarefas. Enquanto a classe operária não tomar em suas mãos a luta contra a discriminação e a violência que infelicitam as mulheres não haverá conquista real e garantia de sua aplicação.
As reivindicações particulares à situação da mulher surgem das condições gerais da exploração do trabalho, das relações de produção capitalistas e da estrutura social da família. Está aí por que somente serão impostas à burguesia por meio da luta de classes. Essa conclusão exige que o programa de defesa das mulheres oprimidas faça parte do programa geral da revolução proletária. É ilusória a posição de que o capitalismo, em sua fase de decomposição, possa atender às reivindicações das massas femininas e possibilitar a igualdade entre homens e mulheres. A defesa de qualquer que seja a reivindicação, inevitavelmente, se choca com as necessidades da burguesia de recrudescer a exploração do trabalho. É devido a essa situação objetiva que a luta contra a discriminação e a violência sobre a mulher se transforma em luta pela derrubada da burguesia do poder e transformação da grande propriedade privada dos meios de produção em propriedade social.
O combate consequente à opressão sobre a mulher tem por estratégia histórica a sua definitiva emancipação e conquista da completa igualdade. Não se trata simplesmente de melhorar as condições de existência das mulheres no seio do capitalismo, mas sim de libertá-la das condições históricas que criaram a distinção entre homens e mulheres, subordinando essas àqueles. Não foi a sociedade capitalista que impôs a inferioridade da mulher. Sua semente se encontra no alvorecer da primeira sociedade de classes, que foi a escravista. Coube ao capitalismo continuar a opressão originária sob novas formas. Em cada sociedade e época, a submissão da mulher reflete as particularidades da exploração do trabalho e constituição da família.
Apesar das grandes transformações ocorridas no capitalismo, a opressão sobre as mulheres não apenas não cessou como se agravou. É sintomático que a ditadura civil de Temer tenha introduzido na reforma da previdência uma alteração no critério que distingue a situação da mulher quanto à idade para alcançar a aposentadoria. Aí está o pressuposto de que a burguesia não reconhece a dupla jornada, embora no passado tenha admitido a distinção como critério de aposentadoria. A reforma trabalhista, por sua vez, atinge frontalmente a mulher trabalhadora. A terceirização, o trabalho intermitente e a exposição de gestantes a trabalhos insalubres mostram que a burguesia não só não se dispõe a fazer reformas em favor das mulheres como retrocede as condições já existentes. É preciso ter claro que tanto o ataque da previdência quanto o da reforma trabalhista atinge de conjunto homens e mulheres que vivem da força de trabalho.
A ultralimitada permissão ao aborto, portanto em casos especificamente determinados, está ameaçada pela PEC 181, que, em nome do “direito à vida desde a concepção”, restringe ainda mais a possibilidade de aborto. As igrejas continuam a ditar sua criminalização. O obscurantismo religioso se converte em força material contrária aos direitos da mulher e à sua emancipação. A sua profunda penetração na família é um fator de grande importância na manutenção da escravização da mulher no lar, de sua subordinação ao homem como chefe de família (herança do patriarcalismo). Não há como romper a camisa de força do obscurantismo sem que a classe operária avance sua luta contra a exploração capitalista em todos os aspectos e conquiste posições que o permitam combater sob a estratégia da revolução social.
Enquanto a questão da mulher permanecer fechada no âmbito da classe média e enquanto estiver sob a política do reformismo, as mulheres proletárias não terão como imprimir o caráter de classe da luta contra a discriminação e violência. De um lado, temos a trava do sindicalismo burocrático e do predomínio da política de colaboração de classes. O que dificulta, em grande medida, homens e mulheres proletários se unirem em um só movimento, empunhando as bandeiras contrárias à discriminação e à violência. De outro, a ausência de um poderoso partido revolucionário impossibilita transformar a revolta das mulheres contra a opressão em luta pelo fim do capitalismo, pela sua emancipação e total igualdade entre homens e mulheres. Esses dois fatores dificultam enormemente a tarefa política e programática de superar a falácia pequeno-burguesa e burguesa de que a emancipação da mulher virá da luta contra os homens opressores, e não contra a burguesia opressora. Dificultam livrar o movimento de classe média dos prejuízos que trazem a pseudoteoria do “gênero” e do “machismo”. É extremamente prejudicial e perigoso para o objetivo da emancipação da mulher a substituição da luta de classes pela luta das mulheres contra os homens.
Neste dia 8 de março, estaremos novamente diante desse problema. As bandeiras de “Basta de machismo”, “democracia”, “soberania” e “direitos” serão utilizadas como parte da preparação das disputas eleitorais. A mulher operária, infelizmente, não estará presente e muito menos suas necessidades e reivindicações. Nesse 8 de março, as manifestações não contarão com uma direção proletária e revolucionária. A vanguarda marxista-leninista-trotskista, na contramão, ergue a bandeira: A emancipação da mulher será obra da revolução proletária. Defende que o fim da discriminação e da violência contra a mulher se dará por meio da luta de classes, do método da ação direta e da organização independente do proletariado. Afirma que as reivindicações mais elementares de proteção às mulheres devem fazer parte do programa socialista de destruição do capitalismo. Coloca como tarefa a revogação da reforma trabalhista, o enterro da reforma da previdência e a luta pelo emprego e salário. Levanta a consigna do Manifesto do Partido Comunista de que a emancipação da classe operária será obra da própria classe operária. Os milhões de mulheres exploradas e oprimidas devem empunhar com os milhões de homens explorados e oprimidos a mesma bandeira: a emancipação da classe operária e de todos os oprimidos do jugo capitalista será a emancipação de todas as mulheres.
Viva o dia Internacional da Mulher!
Pelo fim de toda discriminação e violência! Lutemos pela emancipação e igualdade da mulher!