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31 out 2018
31 de outubro de 2018
Não há que duvidar um só segundo que os explorados estão diante de um novo governo ditatorial. Não se trata apenas do enunciado de uma diretriz ideológica reacionária, e de um programa antinacional e antipopular. Trata-se, sobretudo, de um governo que se apoiará nas Forças Armadas, na polícia e em organizações fascistizantes que se albergaram no seio da classe média. É bem possível que caminhará por se caracterizar como um governo de tipo bonapartista. Em outras palavras, de um poder político centralizado na figura de Bolsonaro, que agirá por cima do Congresso Nacional, se valerá do Estado-policial e intervirá violentamente sobre os sindicatos, movimentos e partidos de esquerda.
Não se pode esperar um governo mais brando ou mais ou menos democrático. Haverá um incentivo aos agrupamentos fascistizantes, que apenas deram sinais com o atentado contra a caravana do PT em março de 2018, o assassinato de Marielle Franco, também em março, a intervenção da Polícia Federal nas universidades, o assassinato do Moa do Katendê, na Bahia, ambos em outubro, e as provocações dos partidários da “Escola se Partido”. Por trás de Bolsonaro, empresários direitistas e fascistizantes puseram a cara à luz do dia. Sem dúvida, vão continuar financiando organizações ultradireitistas para defender o governo Bolsonaro a todo custo.
Não há que temer a ofensiva da direita militarista e ditatorial. É inevitável que o Brasil passe por esse caminho. O bolsonarismo faz parte de um movimento mais geral da ultradireita, que vem ganhando força na Europa e que se fortaleceu com o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos. O capitalismo em decomposição gerou, no passado, o nazifascismo, que serviu aos interesses do capital financeiro e dos monopólios; e que promoveu a carnificina da 2ª Guerra Mundial. No Brasil, a direita fascista emergiu com o movimento integralista. Os fios e elos mais sombrios da história estão se reatando internacionalmente.
No fundo, está a contradição entre as forças produtivas que já não podem se desenvolver e as relações de produção capitalistas. O processo de restauração capitalista, a destruição da União Soviética, a integração da China na órbita do capitalismo mundial, e o realinhamento das ex-repúblicas populares no Leste Europeu em torno às potências imperialistas impuseram e continuam impondo um retrocesso em grande escala. O esgotamento da socialdemocracia e do trabalhismo, que se fortaleceram depois da grande conflagração mundial, deu lugar às tendências fascistas, que se mantiveram vivas na forma de germe.
As contradições que levaram às 1ª e 2ª guerras mundiais somente poderiam ser dissolvidas e superadas pelo avanço da revolução social, em escala mundial, iniciada com a Revolução Russa. As derrotas da classe operária e a interrupção da marcha das revoluções proletárias garantiram a permanência do capitalismo. No entanto, não possibilitaram à burguesia imperialista triunfante resolver as contradições que levam à derrocada da democracia e dos partidos reformistas. Ao contrário, assistimos ao retorno da política burguesa antidemocrática, autoritária e fascistizante. A crise econômica aberta em 2008, que permanece insolúvel, golpeia o democratismo burguês e germina as formas mais arcaicas da dominação da minoria exploradora sobre a maioria explorada.
É sintomático que os asseclas de Bolsonaro tomaram como uma das primeiras decisões a de perfilar o Brasil por trás dos Estados Unidos e da política fascistizante de Trump. A constituição de um governo bonapartista com traços fascistizantes no Brasil compõe um movimento mais geral de direitização da burguesia latino-americana. O desmoronamento dos governos nacional-reformistas vem dando lugar a governos direitistas, francamente pró-imperialistas e voltados a descarregar por inteiro a crise capitalista sobre as massas operárias, camponesas e pequeno-burguesas arruinadas.
O golpe de Estado, que derrubou o impotente governo petista de Dilma Rousseff, foi o resultado das comportas abertas à classe média, que teme por seu futuro, e da virada do conjunto dos partidos da burguesia e das instituições estatais para varrer o reformismo exaurido e implantar a política ditada pelo capital financeiro. É um grande erro achar que a ultradireita se ergueu nas próprias eleições. Bolsonaro emergiu como um pequeno caudilho e ganhou força política graças aos partidos tradicionais da oligarquia burguesa e à falência do PT. No âmbito mais geral, emergiu do movimento contrarrevolucionário da burguesia latino-americana, da decomposição dos governos nacional-reformistas – como destaque ao da Venezuela – e do regime castrista restauracionista em Cuba. A luta contra o governo antinacional e antipopular, no Brasil, é parte da luta internacional contra as tendências fascistizantes da burguesia.
As eleições, polarizadas entre a ultradireita e o reformismo, não concluíram com a organização da classe operária no seu campo próprio de luta. Nisso reside a força eleitoral de Bolsonaro, embora Haddad tenha conseguido alcançar 45% dos votos, que perfazem 47 milhões de votantes. O rechaço de quase metade da população ao novo governo somente teria grande transcendência, caso uma importante fração dos explorados saísse organizada e pronta para combater os ataques do governo, da burguesia nacional e do imperialismo. A força eleitoral da ultradireita está em que essa passa a ter o controle da máquina do Estado e o apoio de poderosos grupos econômicos. Eleitoralmente, as massas tão somente servem às disputas interburguesas. É pela via do Estado que Bolsonaro alimentará o ódio da classe média ao próprio reformismo e, sobretudo, à luta de classes dos explorados.
É importante assinalar que houve uma significativa mobilização da juventude, principalmente da pequena burguesia, temerosa com o movimento conservador e obscurantista, amparado em grande parte pelas igrejas evangélicas. Camadas dos explorados também foram às ruas em apoio a Haddad, sabendo que Bolsonaro atacará os direitos sociais e retrocederá os programas assistenciais, montados pelo PT. Trata-se de uma força desorganizada e iludida com a democracia burguesa, e arrastada pela campanha eleitoral. Sob a direção do PT e de seus aliados, não será organizada para combater Bolsonaro, por meio dos métodos próprios da classe operária.
As esquerdas que deram as mãos, no segundo turno, em apoio a Haddad, como se sua candidatura de fato expressasse um movimento antifascista, se viram desconcertadas diante da atitude capituladora do PT diante da vitória de Bolsonaro. A própria base petista ficou desconjuntada com a nota diplomática de Haddad endereçada ao candidato vitorioso. Diz: “Presidente Jair Bolsonaro. Desejo-lhe sucesso. Nosso país merece o melhor. Escrevo essa mensagem, hoje, de coração leve, com sinceridade, para que ela estimule o melhor de todos nós. Boa sorte.” A resposta lacônica do direitista foi: “Sr. Fernando Haddad, obrigado pelas palavras! Realmente, o Brasil merece o melhor”. O reacionário aproveitou para espezinhar. O “Brasil merece o melhor” quer dizer que perdeu o pior.
O bilhete diplomático, no entanto, expôs a política do nacional-reformismo, que é a do servilismo à democracia burguesa e apego ao eleitoralismo. Essa observação, por si, não basta. É preciso chegar à devida conclusão. Haddad e o PT disseram ao novo governo e à burguesia que farão oposição parlamentar, esperando as próximas eleições, para arrastar a maioria por trás de sua candidatura. Esse bilhete foi uma resposta, também, ao conselho da grande imprensa monopolista de que, passadas as eleições, é preciso “pacificar” o País. O que quer dizer que os derrotados devem se submeter aos vencedores, podendo apenas exercer a oposição de minoria no Congresso Nacional. Mas, há um aspecto do bilhete que exala o odor da traição. Desejar “sucesso” a Bolsonaro significa apagar a caracterização de que o direitista encarna as tendências fascistas. Quando Haddad diz que deseja “sucesso”, “com sinceridade”, e de “coração leve”, admite relevar os ataques baixos e sujos da tropa bolsonarista, que infestaram as redes sociais de mentiras e falsificações.
Depois de fazer uma campanha apoiada na bandeira de rechaço ao fascismo, congratular o fascista pela vitória e desejar-lhe sorte revela o quanto artificial foi a polarização entre fascismo e democracia. Somente a esquerda oportunista poderia defender o voto em Haddad em nome da democracia contra o fascismo. A capitulação quase que geral ao palavreado petista testemunha que importantes correntes da esquerda centrista carecem de programa, e se guiam pelas ondas e vaivém da conjuntura política. Assiste, agora, o PT se lançar à disputa de qual força liderará a oposição burguesa no Congresso Nacional.
A vanguarda revolucionária terá pela frente a luta contra os ataques de Bolsonaro, de um lado, e a política de conciliação do PT e da burocracia sindical, de outro. A defesa da organização de um movimento de frente única contra o governo ditatorial corresponde à oposição exercida por meio da luta de classes e das reivindicações dos explorados, sob a direção da política revolucionária do proletariado. É importante que a vanguarda denuncie e rechace o aceno capitulador de Haddad a Bolsonaro. O enfrentamento ao governo fascistizante depende de o proletariado tomar a frente das lutas e arrastar atrás de si a pequena burguesia. A greve geral de 28 de abril do ano passado deve ser retomada como um marco dos próximos confrontos com Bolsonaro.
Governo ditatorial que atrelará o Brasil à política de Trump, que imporá a reforma da previdência, que protegerá os parasitas da dívida pública, que avançará as privatizações e que reprimirá a resistência dos explorados não se deterá diante da oposição parlamentar, por mais radical que seja. Somente será detido por um poderoso movimento nacional, assentado em comitês de base, regido pelas assembleias, e impulsionado pelas reivindicações mais sentidas dos assalariados, camponeses e juventude oprimida. Está colocado construir uma frente única anti-imperialista, sob a direção da classe operária. É imprescindível levantar, imediatamente, a bandeira de abaixo o governo ditatorial, antinacional e antipopular de Bolsonaro.