-
15 dez 2019
Significado do pacote anticrime
15 de dezembro de 2019
Chamou a atenção, a quase unanimidade em favor do “Projeto de Lei 10.372”. Foi aprovado por 408 votos, 9 contra, e 2 abstenções. A oposição, liderada pelo PT, descarregou a maior parte dos votos pela sua aprovação. Lula foi às redes sociais para defender o apoio do PT ao projeto anticrime enquanto conquista. Essa quase unanimidade é um acontecimento inédito na Câmara de Deputados. Três do PT e seis do PSOL foram os votos contrários. As duas abstenções vieram das fileiras do PT.
A decisão do PSOL de liberar a bancada mostra o quando esse partido pequeno-burguês reformista está adaptado ao jogo parlamentar do Congresso Nacional oligárquico. Marcelo Freixo liderou os votos favoráveis do PSOL ao pacote anticrime de Bolsonaro, Moro e Moraes. Esse deputado já deu inúmeras provas de adaptação à política burguesa, e de servilismo ao Estado capitalista. Agora, vai às últimas consequências, participando do Grupo de Trabalho (GT) que deu o formato final ao PL 10.372.
A contribuição do PSOL ao draconiano projeto de Moro/Moraes não é uma surpresa, mas, sem dúvida, marca profundamente a vida política desse partido. As correntes de esquerda que o compõem são, de fato, coniventes. O “Movimento Esquerda Socialista (MES)” retrata graficamente essa responsabilidade com o voto da deputada Fernanda Melchionna. Pelo visto, também liberou o voto de suas parlamentares, uma vez que Sâmia Bonfim votou contra. Esse é o destino dos esquerdistas, reformistas e centristas que se submetem às ilusões constitucionais, e ao democratismo parlamentar.
O PT, PCdoB, PSB e PDT são partidos completamente integrados à ordem capitalista. O PSOL ainda procura passar por socialista. No caso do PCdoB, estalinista, é bom indicar que votou integralmente no pacote. É preciso destacar os dois nomes flamantes de Jandira Feghali e Daniel Almeida.
Uma palavra final sobre os votos contrários e as abstenções. Não significam uma real rejeição, uma vez que continuam submissos aos partidos capituladores. A liberação dos votos é sinal de capitulação. As abstenções dos petistas Luizianne Lins e Rui Falcão representam oportunismo e covardia políticos. A justificativa de Freixo foi a de que o GT havia extraído “a essência do pacote Moro”. Ou seja, foi retirada “a pior parte do pacote”, a exemplo do “excludente de ilicitude e o plea bargain”. Os psolistas acreditam que foram responsáveis pelas alterações positivas realizadas no GT. E, mesmo aqueles que votaram contra, evitaram denunciar a capitulação de Freixo. A deputada Talíria Petrone votou contra, mas entende que se deve “valorizar o trabalho do GT”. O PSOL está mergulhado no mais burdo cretinismo parlamentar.
A essência do pacote Moro não está neste ou naquele ponto, mas na necessidade do Estado burguês ampliar e recrudescer seus instrumentos de repressão. Quando a deputada Talíria Petrone conclui que “a matéria segue sendo um instrumento de ampliação do Estado Penal, num país que já encarcera muito, já mata muito e, infelizmente, penso que essa matéria não é agenda para o povo favelado, pobre, periférico e negro”, quando diz isso, se aproxima da essência, sem alcançá-la, de forma que maneja a questão da pobreza no campo do oportunismo pequeno-burguês. Não a alcança porque não denuncia seu próprio partido como colaborador da continuidade do capitalismo e da ditadura de classe da minoria burguesa sobre a maioria oprimida.
Com ou sem “o excludente de ilicitude”, as forças repressivas do Estado continuarão a matar milhares em escala crescente. A facilitação aos policiais em puxar o gatilho, sem ter complicações judiciais, tão somente corresponde a um ajuste sobre o que já vem ocorrendo. Poucos dias antes da aprovação final do PL 10.372, a polícia de São Paulo matou 9 jovens, que participavam de um baile funk. O que levou o governador João Doria a exigir uma investigação foi o horror causado na população, à exceção da camada fascistizante da classe média, e as pressões políticas daí decorrentes. Evidentemente, era dever dos partidos de oposição rechaçarem e denunciarem a figura do “excludente de ilicitude”. Mesmo setores da burguesia expuseram seu desacordo a esse ponto do pacote anticrime. Não se devia, portanto, confundi-lo, como se fosse a sua essência, e que, uma vez retirado, parlamentares do PSOL poderiam votar contra e a favor.
No âmbito do recrudescimento da lei penal, Moro manobrou para que constasse do seu PL a execução da pena em 2ª instância, pondo de lado o fundamento constitucional do “trânsito em julgado”. Não poderia ter êxito, uma vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) estava propenso a reconhecer a inconstitucionalidade da quebra do fundamento jurídico que determina a noção de “trânsito em julgado”. Foi escabroso e continua sendo o julgamento político de Lula, em particular, sob a máscara do ordenamento jurídico.
Diante desses fatos e das controvérsias no seio da própria política burguesa, era previsível que o PL Moro seria modificado no Congresso Nacional. É bem provável que Bolsonaro vete a emenda que estabelece o “juiz de garantia”. A separação das funções do juiz que, ao mesmo tempo, investiga e julga, denuncia as violações da norma formal de isenção da conduta de Moro e dos procuradores que condenaram Lula.
O PT se acha prostituído. Não tinha sentido exigir que se opusesse terminantemente ao pacote. No entanto, o PSOL ainda posa de esquerda socialista, ocultando sua íntima ligação com a democracia dos capitalistas. A liberação do voto de seus parlamentares expõe a ausência de uma definição de sua direção. Certamente, os parlamentares exercem grande influência e pressão sobre o partido. A militância de base e as correntes internas foram incapazes de reagir. O oportunismo percorre da cabeça aos pés do partido.
O PL Moro e o projeto Moraes, sobre os quais os parlamentares negociaram a finalização, refletem a incapacidade da burguesia, governo e Estado de responderem ao avanço da barbárie social. Aumentam a pena e dificultam a progressão de pena, quando a carceragem superlotada não dá conta de garantir as condições mínimas de vida aos condenados. Milhares e milhares estão presos sem condenação definitiva, e os parlamentares duplicam o número de juízes para responder às arbitrariedades de Moro e procuradores responsáveis pela Operação Lava Jato. Querem dar a impressão que o combate ao crime organizado será efetivo, quando se sabe que há uma fração da burguesia que, vinculada ao tráfico de armas, ao narcotráfico, etc., se acha integrada à economia, mantendo relações com bancos, empresários e políticos. A maior parte do comércio clandestino de armas tem origem nos Estados Unidos. Esse tipo de transação marginal, que implica todo o tipo de violência destruidora do homem, faz parte da valorização do capital. Ganha maior importância nas situações de crise econômica e social. Os miseráveis e pobres são os que arcam com o seu peso. As estatísticas que registram as mortes violentas e as prisões evidenciam que a juventude, em particular, vem pagando um alto preço pelo capitalismo que mantém milhares fora da produção e da escola. Não é preciso explicar por que as mulheres e homens negros são os mais atingidos.
Bolsonaro/Guedes/Maia/Alcolumbre, em vez agirem contra o desemprego e subemprego, vão mais longe na contrarreforma trabalhista de Temer, e aprovam a contrarreforma da Previdência. Entregam as fontes de matéria-prima às multinacionais, e desnacionalizam ainda mais a economia. Impõem um regime fiscal que protege os credores da dívida pública, e sacrificam o orçamento da saúde, educação, etc. Decretam um salário mínimo de fome, quando crescem a pobreza e a miséria. É nessas condições que a burguesia e o governo tornam a lei penal mais dura aos oprimidos.
O Partido Operário Revolucionário (POR) rechaça o PL 10.372 e denuncia o seu sentido reacionário. O caminho da luta contra os males sociais do capitalismo é o da defesa da vida da maioria oprimida e da revolução proletária. É o da organização da classe operária e dos demais explorados no terreno da independência de classe. No momento, está colocada a campanha nacional para pôr abaixo a Carteira Verde Amarela, defender o emprego e salários a todos que sobrevivem de sua força de trabalho, exigir o salário mínimo vital e enfrentar a implantação das contrarreformas trabalhista e previdenciária. Que os sindicatos, centrais e movimentos convoquem as assembleias, organizem os comitês de base e constituam uma frente única anti-imperialista.
É preciso ter claro que o capitalismo em desintegração não permite reformas progressivas, e só tem a oferecer medidas ditatoriais contra a classe operária e a maioria oprimida. O programa de defesa da vida dos explorados tem por objetivo a destruição do Estado burguês e de todo o seu aparato, que serve à manutenção da ditadura de classe da minoria exploradora sobre a maioria explorada.