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17 abr 2020
Sanção de Trump à OMS
Responder à prepotência dos Estados Unidos com a frente única anti-imperialista
16 de abril de 2020
A suspensão de US$ 400 milhões à Organização Mundial da Saúde (OMS) tumultuou o já conturbado conflito interimperialista. A União Europeia (UE), China e Rússia criticaram, cada um a seu modo, o cumprimento da ameaça feita pelo governo norte-americano há alguns dias atrás. Em particular, a China assinalou que a suspensão da contribuição dos Estados Unidos, não apenas “reduz a capacidade da OMS”, mas também “mina a cooperação internacional contra a epidemia”. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, foi diplomático, “lamentando a decisão”, pedindo união “contra uma ameaça comum”. Menos veludoso, o editor-chefe da revista médica Lancet conclamou: “Todo cientista, todo profissional de saúde, todo cidadão deve resistir e se rebelar contra essa escandalosa falta de solidariedade global“. Não faltaram críticas de personalidades norte-americanas, como a do diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, dos EUA.
Trump, no entanto, contou como aliado o vice-primeiro Ministro do Japão, Taro Aso, que afrontou a OMS, acusando-a de ser uma “Organização da saúde da China”. Segundo informações, os descontentes com a orientação política de Tedros já colheram cerca de 1 milhão de assinaturas online, pedindo a renúncia do diretor-geral da OMS. Trump e Japão denunciaram a OMS por proteger a China, como se esta tivesse ocultado dados da epidemia, no momento em que eclodiu o coronavírus em Wuhan. Trump acusou a OMS de se ter atrasado em declarar o surto do covid-19 na China como pandêmico. No fundo da denúncia, está o objetivo de Trump de responsabilizar a China pela proliferação do coronavírus em todo o mundo. Em outras palavras, Trump potencia a guerra comercial, sob a cobertura da pandemia.
A divisão interburguesa internacional, com suas versões nacionais, passou e passa pela forma como se deveria realizar o isolamento social. A OMS instituiu o confinamento geral, contrariando a posição do governo norte-americano. Trump esboçou uma resistência, desprezando a morbidade da pandemia. Não demorou a mudar de opinião, diante da avassaladora infecção e morte de americanos. Confirmou-se o prognóstico da OMS, de que os Estados Unidos seriam o epicentro da pandemia. Isso do ponto de vista da crise sanitária. O outro lado da medalha é a de que recolocaria a maior potência no centro da crise econômica mundial.
Trump, de uma hora para outra, se viu diante de 16 milhões de trabalhadores, em apenas três semanas de março, buscando o auxílio desemprego. Estima-se que as demissões, em abril, superarão 20 milhões de americanos. De uma taxa de 3,5% da força de trabalho desempregada, possivelmente, se chegará a 15%. Analistas afirmam que é a mais veloz onda de demissões, desde 1948, já que, em uma semana, 6,6 milhões de postos de trabalho foram fechados. Parece realista a previsão de que os Estados Unidos despencarão, de um crescimento de 2,3%, para menos de 4% a 5%. O Banco Central (Federal Reserve) dispôs US$ 2 trilhões para crédito e compra de títulos. Outros US$ 2 trilhões serão manejados pelo Tesouro Nacional, com a aprovação do Congresso.
Tudo indica que a economia mundial entrará em recessão, caindo 3%, em 2020. A China, segundo o FMI, sofrerá um baque brutal, terá um crescimento positivo de apenas 1,2%. A União Europeia, que esperava crescer 1,4%, sofrerá uma queda de 1%. E a América Latina, também segundo o Banco Mundial, se verá diante do crescimento negativo de 4,6%. Embora essas estimativas possam ser modificadas, é inevitável uma profunda recessão global.
É nesse marco que Trump sente o peso político de milhares de contaminados e mortos. Nesse momento, são 676.676 e 34.784, respectivamente. É bem conhecida a gravidade da ausência de um sistema público de saúde, de um lado, e a selvagem mercantilização promovida pelo seu sistema privado. A pandemia escancarou a ausência de proteção elementar aos pobres e miseráveis. A mortandade vem recaindo sobre negros e imigrantes. A barbárie capitalista é estampada, sem retoques, na nação mais rica e poderosa do planeta.
Trump foi forçado a ajustar seu governo à diretriz da OMS. Esse acontecimento expôs a perda do controle sobre esse organismo da ONU pelos Estados Unidos. O imperialismo hegemônico exige que todas as instituições internacionais estejam alinhadas às suas determinações. Como maior financiador, os Estados Unidos não toleram orientações que passem por fora de seu controle. O governo de Trump, surpreendido pela rapidez como a pandemia se alastrou no território americano, culpabilizou a China. A OMS teria sido cúmplice do governo chinês, ao ocultar o fato na sua origem. Tudo indica que o conflito não se limita à China. A orientação da OMS de recorrer ao isolamento social geral, como o único recurso disponível, foi influenciada pelos países europeus, que foram os primeiros a sentirem o impacto da pandemia. A atitude inicial de Trump, de desconsiderar a gravidade da transmissão do vírus, indica que não estava de acordo com as diretrizes da OMS.
É compreensível que, no Brasil, o presidente Bolsonaro tenha afirmado, inicialmente, que o coronavírus não passava de uma “gripezinha”. E que tenha se colocado contra a orientação da OMS. O governo brasileiro, seguindo os passos de Trump, atacou a China, por meio do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. De forma grosseira, mas franca, Bolsonaro advogou a posição de que, entre morrer pessoas acometidas pelo coronavírus, e manter a economia funcionando, a segunda opção era a mais correta. Certamente, não só o governo norte-americano, mas outros governos, como o do Japão, se apoiaram e se apoiam nessa disjuntiva.
Trump resolveu atacar materialmente a OMS, no momento em que o isolamento social e o fechamento de fronteiras provocavam paralisia econômica e demissão em massa. Situação em que a orientação da OMS se tornava insustentável, embora a pandemia não tivesse sido controlada. As forças econômicas não têm como ser, em boa parte, paralisadas por muitos dias. Pressionada, a própria OMS passou a admitir casos em que se aplicaria o isolamento seletivo. Nenhuma instituição internacional e nenhum governo sabe o que vai acontecer no dia de amanhã, com o retorno à normalidade econômica e social. O que indica que alguns países começam a flexibilizar o distanciamento social, enquanto outros prorrogam a quarentena. Os estragos na economia e nos empregos estão sendo avaliados, com maior ou menor precisão. As pressões dos Estados Unidos sobre a OMS sinalizam o horizonte da guerra comercial mais encarniçada entre as potências, tendo como norte a dos Estados Unidos com a China. Os países de economia atrasada, semicoloniais, serão ainda mais afetados pelo saque imperialista.
A suspensão da verba norte-americana à OMS empalidece, se comparada com outras arbitrariedades e com a prepotência dos Estados Unidos. O cerco econômico à Venezuela, Cuba e Irã é o mais verdadeiro “crime de humanidade”. Os Estados Unidos chegaram ao ponto de embargar materiais médico-hospitalares a Cuba, enviados pela China. Esses exemplos evidenciam o imperativo da maior potência sobre a pandemia. Nem mesmo numa situação de crise sanitária universal, Trump permitiu um afrouxamento nas medidas econômico-financeiras, que empurram países inteiros à desintegração. Em pleno horror causado pelo coronavírus, Trump pôs a prêmio a cabeça das principais figuras do governo venezuelano, acusadas, sem provas, de narcotraficantes. O imperialismo ianque espera criar as condições internas e internacionais para intervir militarmente nesses países.
Na base desses conflitos estão as leis históricas e econômicas, que vêm decompondo o capitalismo e potenciando a barbárie social. Não por acaso, o parâmetro comparativo da crise instaurada sob a pandemia tem sido a Grande Depressão, que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. O fechamento massivo de postos de trabalho em todo o mundo, e o aumento exponencial do desemprego refletem o bloqueio das forças produtivas, submetidas às relações monopolistas de produção e à supremacia do capital financeiro, bem como à sua compressão pelas fronteiras nacionais. É sintomática a desagregação da União Europeia e a recomposição de obstáculos levantados pelas fronteiras nacionais, que pareciam ter sido removidos, ao ponto de elas caminharem para o seu desaparecimento definitivo.
A substituição da diretriz do multilateralismo do governo Obama pelo unilateralismo de Trump refletiu, em grande magnitude, essas contradições, ao ponto de Trump lançar a bandeira de guerra comercial. As pressões do governo republicano sobre a OMS são parte das dirigidas à ONU, OMC, OTAN, etc. Trazem intrinsicamente a escalada bélica, que mal se oculta sob a sombra da crise pandêmica. É bom lembrar que, pouco antes, Trump ordenou um ataque militar a autoridades do Irã e Iraque, consideradas terroristas. Esse curso não foi interrompido, apenas submergiu momentaneamente. Será retomado em uma situação mais explosiva, desde a crise mundial de 2008-2009.
Não se pode esconder que a OMS, por ser um organismo da ONU, expressa a política do imperialismo, que a utiliza como instrumento de penetração nos países de economia atrasada, principalmente nos mais pobres e miseráveis. Acabará se ajustando às exigências dos Estados Unidos, que pretendem reformá-lo, segundo as intenções de Trump. Não será surpresa se a OMS se sujeitar à guerra comercial dos Estados Unidos com a China. A importância do conflito está em que evidencia o próprio declínio da potência norte-americana. O que impulsiona as tendências bélicas do imperialismo.
A experiência está mostrando que o isolamento social compareceu como o único recurso utilizado pelos governos para diminuir a força destruidora da pandemia. Seu alcance é limitado pelas condições econômicas e sociais de cada país. O dilema entre proteger vidas e destroçar a economia emerge das contradições da sociedade de classes, e do capitalismo em decomposição. De qualquer maneira, são os explorados, as principais vítimas das crises sanitária e econômica combinadas.
A pandemia se alimenta da pobreza e miséria das massas, embora atinja todas as classes sociais. A imensa maioria não tem como se proteger da letalidade do vírus e das consequências econômicas do capitalismo em declínio. Suas vidas estão nas mãos dos capitalistas e dos governos que os servem. Dependem, portanto, da lucratividade de seus escravizadores. A falência da saúde pública, o predomínio da saúde privada e o monopólio da indústria químico-farmacêutica favorecem a alta letalidade da pandemia, que recai sobre os pobres e miseráveis. Há recursos econômicos e científicos em abundância, mas que não podem ser utilizados em favor das massas. Restringem-se à minoria burguesa e à camada alta da classe média. Em toda a parte, se assistem os ricos se socorrendo dos caros tratamentos privados, e os pobres infectados dependendo de uma vaga nos hospitais públicos, via de regra sucateados. O testemunho de médicos e enfermeiros, sobre o drama de ter de escolher quem vive e quem morre, espelha a que ponto chegou a barbárie capitalista.
O proletariado – acuado pela contaminação, e desorganizado pela política de conciliação de classes de suas direções sindicais e políticas – ficou e está imobilizado. Esse é o problema fundamental do momento. Não pôde identificar a incapacidade da burguesia em proteger os explorados, e agir diante das nefastas consequências das crises sanitária e econômica. Não sabemos se poderá reagir imediatamente, assim que retornar à produção. As demissões e o desemprego vão ser usados pelos capitalistas para obstaculizar as lutas. A vanguarda com consciência de classe tem de redobrar seus esforços para mostrar o caminho da luta contra as demissões, desemprego, subemprego, miséria e fome. Terá a seu favor as evidências de que a política de conciliação de classes é a principal responsável pela desorganização do proletariado, justamente quando mais precisava da ação coletiva.
O plano de emergência próprio dos explorados é a base sobre a qual a classe operária se erguerá contra a burguesia e seu Estado. A luta pela constituição de uma frente única anti-imperialista se imporá imediatamente. A vanguarda com consciência de classe tem o dever de fazer um balanço sobre a crise de direção revolucionária e se colocar pela reconstituição do Partido Mundial da Revolução Socialista. Essa tarefa irá se materializando, na medida em que a classe operária se rebelar instintivamente e identificar em seu seio o programa da revolução proletária, encarnado pela vanguarda marxista-leninista-trotskista.