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21 jun 2020
Agrava-se a crise política
Bolsonaro encurralado
Problema fundamental: ausência da classe operária
Editorial, Massas 612, 21 de junho de 2020
Em meio à pandemia e à paralisia dos explorados, uma sucessão de fatos vem isolando e empurrando o governo para o canto da parede. Nada, porém, é comparável com a prisão de Fabrício Queiroz. Localizado em uma casa pertencente ao advogado Frederick Wassef e preso, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, hoje senador da República, dá curso ao longo processo sobre desvio de recursos públicos e vínculo com as milícias.
Dentre os crimes, o que mais causa apreensão no núcleo governamental, constituído por generais, é o vínculo da família Bolsonaro com milicianos. Uma incógnita está por ser desvendada. O assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista fazem parte de uma trama política, que envolve interesses das milícias.
Essa facção do crime organizado tem origem na polícia militar do Rio de Janeiro, e atua sob sua sombra, partilhando com as facções criminosas do narcotráfico, contrabando, e parasitando os bairros mais pobres das cidades fluminenses. As capilaridades com partidos, vereadores, deputados, governantes e agentes públicos tornaram as milícias um componente da política burguesa no estado.
Bolsonaro e seus filhos fizeram suas carreiras políticas nesse meio. Nota-se que seu ultradireitismo, apego à Bíblia, e fascínio pela ditadura militar se assentam em interesses materiais. O policial aposentado Queiroz e o clã dos Bolsonaros tiveram a sorte de se verem livres do policial Adriano da Nóbrega, assassinado pela polícia da Bahia, em uma operação caracterizada de “queima de arquivo”. Adriano, Queiroz e Bolsonaro estão ligados em uma trama obscura, e protegida por interesses poderosos. Parte dela volta à tona com a prisão de Queiroz, que se achava camuflado na casa do advogado de Flávio, e muito próximo ao presidente.
O passado político dos Bolsonaros, calcado nos porões da putrefata polícia do Rio de Janeiro, se tornou o seu calcanhar de Aquiles. O presidente manejou com o Coaf para barrar as investigações financeiras da família e de seus amigos. O senador se valeu recorrentemente de recursos ao Supremo Tribunal Federal, para impedir o prosseguimento das investigações. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, teve de pular fora do barco bolsonarista, assim que apertou o cerco do presidente para que a Polícia Federal bloqueasse o avanço das investigações no Rio de Janeiro. Bolsonaro tinha informações de dentro da polícia de que progredia a revelação dos segredos guardados pelo Queiroz. O silêncio tumular de Adriano Nóbrega não seria suficiente para pôr uma lápide nas pegadas visíveis dos crimes do clã. Espera-se que Queiroz, mulher e filhas – todos entrelaçados na epopeia dos Bolsonaros – continuem fiéis e não abram o bico.
Essa crônica, que evidencia o imbricamento da política burguesa com o crime, e vice-versa, há muito vem sendo narrada pela grande imprensa. Poderia ser abafada, se não fosse a profunda crise política e a desintegração do governo. A pandemia e a divisão em torno à política burguesa do isolamento social quebram pelo menos uma das pernas do governo. A outra se sustenta nos militares. A oposição burguesa, em suas distintas variantes, do reformismo à direita liberal, não pode quebrar esse esteio, mas pode enfraquecê-lo.
Os militares devem ser convencidos de que é um risco muito grande para a “democracia” continuar confundidos com o bolsonarismo. Se não fossem os generais, Bolsonaro já estaria respondendo a um impeachment. Quanto mais ameaças de golpe o presidente, seus filhos e a ultradireita fazem, maior é o descrédito e mais claro fica o risco de uma aventura golpista.
O governo tem perdido apoio do empresariado, não porque é ultradireitista e militarizante, mas por se mostrar incapaz de reunir força política para responder à crise econômica, que se potenciou com a pandemia. Há capitalistas que insistem na tese de que a permanência de Bolsonaro dificultará uma pretendida retomada da economia. Os quadros montados por Bolsonaro e os generais prepostos são da ultradireita pequeno-burguesa ignorante e estúpida, também não têm como responder à situação calamitosa.
Simultaneamente à prisão de Queiroz, caiu o ministro da Educação, um mentecapto olavista, que sequer foi capaz de exercer o obscurantismo com alguma habilidade. A sua indicação como representante do Brasil no Banco Mundial ressaltou o compadrio descarado do bolsonarismo. Pressionado pelo processo sobre as fake news, que está se aproximando do filho Carlos Bolsonaro, e pelas prisões dos bolsonaristas acusados de promoverem os ataques ao STF, o presidente passou a depender mais ainda da entrega de cargos ao “centrão”. A criação do Ministério das Comunicações assinalou a disposição do presidente, de oferecer os anéis para não perder os dedos.
Estavam em curso as negociatas, objetivando apaziguar os ânimos nas hostes das instituições do Estado, quando se solda mais um elo da crise política com a prisão de Queiroz. É bem provável que Mourão se prepara para o caso de Bolsonaro não poder mais contar com o esteio dos militares, e crescer a dissolução de sua base social de classe média.
O desfecho da crise política, em última instância, depende da luta de classes. O refluxo da classe operária e demais explorados, nas condições da crise pandêmica, tem permitido a Bolsonaro ameaçar com um golpe, a oposição burguesa procurar uma saída menos traumática possível, e as direções sindicais se acomodarem por trás da bandeira de defesa da democracia. Assim que se dissolver o temor das massas, a luta de classes se manifestará mais potente. Os explorados recorrerão à luta, premidos pelas necessidades básicas – emprego, salário e saúde. Esse é o ponto de partida para o proletariado intervir no processo da crise política e desenvolver a estratégia própria de poder, que é a da revolução e ditadura proletárias.