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07 nov 2020
Crise política sobressalta os Estados Unidos
Editorial, Massas 623, 8 de novembro de 2020
Qualquer que seja a eleição, o seu caráter de classe burguês permanece oculto. Quanto a esse conteúdo social, não importa se foi mais ou menos democrática, ou se foi limpa ou fraudada. O fundamental está em que as eleições são um instrumento da dominação de classe, por meio da democracia de classe.
A acirrada disputa entre democratas e republicanos não passa de duas variantes gerais da política burguesa, na maior potência mundial. É preciso também esclarecer que se trata de duas expressões da mais poderosa burguesia imperialista. Esse é o motivo pelo qual, em toda a parte, o noticiário tem sido dedicado em grande medida ao confronto entre Donald Trump, republicano, e Joe Biden, democrata.
No Brasil, se nota um alinhamento da grande imprensa a Biden. O governo Bolsonaro se mantém semiquieto, constrangido com a possibilidade de Trump ser derrotado – o presidente declarou apoio a Trump; os militares, a Biden. A vitória do democrata obrigará a um realinhamento político e diplomático do governo brasileiro. Soará como uma derrota do próprio presidente Bolsonaro. Essa mudança de situação evidencia os reflexos da influência do imperialismo norte-americano na política nacional. Não é novidade, uma vez que a burguesia brasileira, desde que os Estados Unidos superaram a hegemonia inglesa, passou a responder aos interesses e diretrizes norte-americanas. O que importa é a particularidade do alinhamento com o nacionalismo chauvinista de Trump, e com as tendências fascitizantes que vêm ganhando força nos últimos tempos.
Há esperança de que, com Biden, se reverterá o curso do confronto traçado por Trump. Em lugar da polarização mundial, se retomariam as relações multilaterais, que antes de Trump se processavam nos organismos internacionais, como ONU, OMC, OMS, etc. E que antes se respeitavam os acordos internacionais, como o do Clima – o mais comentado na disputa eleitoral. As divergências mundiais, que ganharam novas dimensões, após a crise de 2008-2009, se refletiram em forma de síntese na disputa eleitoral. No fundo, se encontra a crise estrutural do capitalismo, as forças desintegradoras da economia mundial, o retrocesso sofrido pelos Estados Unidos, a emersão da China, a falência da unidade europeia, e o declínio do Japão. E, portanto, a inevitável guerra comercial, que se agravou nos últimos anos, e que foi declarada por Trump como diretriz central dos Estados Unidos.
Biden se propõe a administrar os conflitos, que se tornaram inadministráveis. Não por acaso, o cataclisma econômico, em 2008, teve como epicentro os Estados Unidos. Apesar das quebras, fechamento de postos de trabalho, e aumento do desemprego, bem como das gigantescas somas despendidas pelas potências, não se reverteu a tendência geral da crise de superprodução. E a poderosa potência, que emergiu da Segunda Guerra Mundial, não pode continuar em regressão, diante de uma China em ascensão.
Trump venceu as eleições de 2016, impulsionado pela derrocada econômica dos Estados Unidos, que explodiu nas mãos dos democratas, no primeiro mandato de Barack Obama, que teve um segundo mandato limitado. A bandeira trumpista de “América em Primeiro Lugar” conferiu uma orientação nacional-imperialista, e uma diretriz beligerante, representando a posição de que, somente com o uso do poder econômico e da força militar, os Estados Unidos poderiam recuperar parte do terreno internacional perdido, e resolver os problemas internos. Não há como Biden modificar substancialmente essa linha.
A burguesia norte-americana está obrigada a frear o recuo de sua economia e a diminuição de sua influência comercial. O mesmo se passa com as demais potências na Europa e na Ásia. As forças produtivas superdesenvolvidas se chocam com as relações de produção, que se tornaram um obstáculo ao seu crescimento. É o que explica a prolongada crise mundial, marcada desde 2008 por recessão, baixo crescimento e estagnação. É falsa a ideia de que, com Biden, os Estados Unidos se tornarão cooperativos, menos intervencionistas e menos ameaçadores à paz mundial. Não se trata de uma boa ou má orientação econômica, de uma disposição mais ou menos beligerante, ou de uma posição democrática e outra fascistizante. Essas distinções na política burguesa e na disposição das forças econômicas estão, em última instância, determinadas pelas contradições capitalistas, que voltaram a se manifestar no pós Segunda Guerra.
O imenso apoio eleitoral obtido por Trump, abrangendo camadas sociais distintas, comprova a tese de que, se não fossem a pandemia e suas consequências econômicas, a derrota de Biden era a mais provável. A divisão das massas indica, de um lado, o receio de uma mudança de diretriz, e, de outro, a esperança de que importantes mudanças virão. Boa parte da vasta classe média urbana se deslocou para Biden, e a rural se manteve com Trump. É bem possível que a classe operária tenha sofrido uma divisão.
Os explorados, arrastados por detrás das duas variantes da burguesia imperialista, desta vez, poderão abreviar a experiência com o novo eleito, e avançar no seu terreno próprio de luta, como vêm indicando as manifestações contra a opressão racial. Sem o partido revolucionário, porém, o proletariado não tem como compreender o caráter imperialista da burguesia que a explora. Mas, caminha instintivamente para a compreensão de que o mais poderoso inimigo da luta pelo fim da opressão de classe e nacional está em seu próprio país. Os anos vindouros serão de continuidade do agravamento da luta de classes mundial. O caminho da conquista da independência de classe jamais passa por eleições. A tarefa é a de desenvolver os combates pelas reivindicações e defender no seio dos explorados a estratégia da revolução proletária.
De nosso lado, trabalhamos por levantar o Partido Operário Revolucionário, como parte da tarefa de reconstituir o Partido Mundial da Revolução Socialista. A vanguarda com consciência de classe nos Estados Unidos continuará a lutar na contracorrente das ilusões democráticas das massas. Uma posição revolucionária, marxista-leninista-trotskista, sobre as eleições, é obrigatória.