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28 nov 2020
Direita e esquerda nas eleições municipais de São Paulo
A luta do POR pela independência política dos explorados
28 de novembro de 2020
Nas vésperas da votação do 2º turno, a candidatura da direita burguesa, representada por Bruno Covas, PSDB, acirrou os ataques à candidatura da esquerda pequeno-burguesa, encarnada por Guilherme Boulos, PSOL. O candidato opositor surpreendeu, ao ultrapassar o candidato bolsonarista, Celso Russomano, dos Republicanos, mas surpreendeu ainda mais, ao diminuir, sensivelmente, a diferença com Covas na disputa final. Esse é o motivo pelo qual o candidato do PSDB – escorado pelo governador João Doria, pela grande maioria do empresariado, pela maior parte das igrejas evangélicas, e pelos aparatos dos bairros manejados pelas subprefeituras, bem como amparado por um rio de dinheiro, que lhe permite colocar batalhões de cabos eleitorais nas ruas – tem sido obrigado a reforçar os ataques a Boulos, visando a atingir camadas da classe média, que alimentaram a campanha do candidato do PSOL.
Embora seguro da vitória, Covas passou a temer o adversário, no momento em que se constituiu a frente PSOL, PT, PCdoB, PDT e PSB. O que permitiu uma aproximação, ainda que pequena, de um grupo de empresários, que se animou a publicar um manifesto de apoio a Boulos, deixando claro que não tem receio quanto às denúncias de Covas, de que seu adversário é radical, inexperiente e incapaz de administrar uma cidade tão complexa como São Paulo.
É próprio das campanhas eleitorais os ataques sem princípios, mentiras e falsificações. Esse componente serve para confundir as massas, e arrancar votos do adversário. Isso se passa também com determinadas verdades sem importância, e manipuladas como se fossem fundamentais para a decisão dos eleitores. O essencial que define o caráter de classe, de qualquer que seja o novo governo eleito, permanece oculto. Sob as eleições, por mais democráticas que sejam, as massas são arrastadas pela força dos aparatos, que espalham meias-verdades e mentiras, que dizem respeito à disputa política entre os partidos da ordem e aos interesses da burguesia.
Nota-se que a grande imprensa está a favor de Covas. Carrega as pressões sobre o candidato do PSOL, favorecendo a estratégia de campanha do candidato do PSDB, que centrou os ataques contra um suposto radicalismo. Concentrada nessa linha de falsificação, vai à procura de uma contradição inexistente, entre o programa eleitoral do PSOL e os pronunciamentos de Boulos. O radicalismo estaria no fato de ser liderança do Movimento Sem-Teto (MTST), responsável pelas ocupações de terrenos e prédios, por manifestações e bloqueios. Estaria aí a violação da propriedade privada. Dessa denúncia, se dá um salto à qualificação de socialista, comunista. Esse é o conteúdo direitista e reacionário dos ataques de Covas a Boulos. O fundamental, no entanto, é que se cria uma imagem do adversário, que não tem nada de verdadeira.
Pressionado, necessitado de apoio da pequena-burguesia, e voltado a conseguir a adesão de uma parte dos empresários, Boulos se viu obrigado a expor sua real posição política, e seu lugar na luta de classes. Procurou se livrar da pecha de radical, violador da propriedade privada e comunista. Sua vida esteve inteiramente voltada a combater as desigualdades e as injustiças sociais, e a defender a democracia. Assim, abraçou a causa específica dos sem-teto. Organizou o MTST, para obter do Estado as moradias populares. Não há, portanto, nada de radical em se identificar com a população pobre, que passa por necessidades, e lutar para que se diminua a desigualdade social.
Boulos promete, se eleito, inverter as prioridades na destinação dos recursos públicos. Em vez de favorecer empreiteiras, especuladores e grupos financeiros, orientaria a administração municipal para a solução dos problemas da periferia. Essa diretriz demarcaria a diferença entre a sua candidatura e a de Covas. Ao contrário de incentivar a radicalização dos sem-teto, haveria pacificação, uma vez que a Prefeitura estaria voltada a resolver o precipício da desigualdade, contando com a participação da população sofrida da periferia. Esse objetivo se tornaria realizável, com a implantação da democracia popular, que levaria ao controle social do orçamento e das políticas públicas.
Com o evangelho pequeno-burguês da igualdade de direitos e oportunidades, Boulos se diz socialista. Se o objetivo de combater a desigualdade, como política de Estado, caracteriza o socialismo, então, todos aqueles que não admitem o precipício que separa a minoria privilegiada da maioria, que sofre com a desigualdade, seriam socialistas. A troca de governo, na maior cidade do país, representaria a substituição de uma política, que mantém e reforça a desigualdade e a injustiça social, por outra, que se voltaria às necessidades da grande maioria que vive nas periferias. Ao invés de favorecer empreiteiras e determinados grupos econômicos, como tem feito o governo do PSDB, ele, Boulos, se eleito, daria prioridade às causas populares. A ordem da escala de valor a ser invertida é a que coloca a vida acima dos lucros. Essa orientação levaria à distribuição de riqueza, em contraposição à concentração. Nisso consiste, em resumo, o seu entendimento como socialista.
O governo que se guia por essa orientação tem de alterar o funcionamento da democracia, que deixará de ser dirigida pela minoria. A democracia idealizada por Boulos se assentaria em um poder popular. Reconhece que esse objetivo programático já foi posto em prática pela sua vice-prefeita, Luiza Erundina, mas foi interrompido. Os tais dos conselhos populares e do orçamento participativo seriam retomados, na administração de Boulos. Assim, a derrota eleitoral de Covas permitiria reatar o elo histórico do poder popular, formulado e posto em prática pelo PT. Boulos não vê necessidade de explicar por que houve a interrupção do trajeto reformista do PT, de onde surgiu o PSOL. As massas da periferia e uma parcela da classe média elegeram Erundina, Marta Suplicy e, finalmente, Haddad, munidos desse mesmo evangelho social e de boas promessas de combate à desigualdade.
Boulos não tem como diferenciar seu socialismo democrático – na linha do norte-americano Bernie Sanders – do democrático e popular, fartamente apregoado pelo PT. O candidato do PT, Jilmar Tatto, foi varrido nas eleições, no entanto, a política democrática e popular do reformismo petista se manteve encarnada pelo candidato do PSOL. No fundo, se retomou a polarização entre a direita liberal e a esquerda reformista, sendo que ambos fazem parte do espectro da política burguesa. A propaganda de que o líder do MTST expressaria uma nova política, assentada no socialismo democrático, é falsa. É tão falsa quanto as acusações de Covas, de que seu adversário nas eleições é radical e extremista.
A propaganda de Boulos – voltada em especial para um setor da classe média –, de que o socialismo corresponde a um novo modelo de sociedade, em que os lucros ficarão abaixo da vida, que as relações sociais serão presididas pela solidariedade, que a democracia não se resumirá a eleições periódicas, e que as massas populares decidirão, em última instância, os passos da governabilidade, constitui uma flagrante impostura. De fato, Boulos não é radical, muito menos socialista. O que entende por socialismo se resume ao velho e putrefato reformismo burguês.
Covas diria uma verdade, se acusasse Boulos de reformista. E Boulos se apresentaria com sua verdadeira identidade, se defendesse o reformismo. A direita e a ultradireita burguesas são antirreformas, encarnam as contrarreformas, que, como tais, quebram e eliminam antigos direitos trabalhistas e sociais, conquistados pela classe operária e demais explorados. A esquerda burguesa, seguida da pequeno-burguesa, é incapaz de se apoiar na luta de classes para impor reformas à burguesia. Por que, então, o reformismo não assume diante das massas sua real identidade? Porque sabe perfeitamente que o capitalismo em decomposição não comporta verdadeiras reformas. O reformismo pequeno-burguês não quer se apresentar como tal, e veste a máscara do socialismo, colando-lhe ou não o adjetivo democrático.
Ocorre que, tanto o reformismo, quanto o socialismo, percorreram um longo caminho histórico. As correntes que trabalharam por transformar o socialismo em reformismo concluíram como agentes da burguesia, e traidores da classe operária. A tese de desconcentrar riquezas para alcançar a igualdade social, nos marcos do capitalismo, é burguesa e contrarrevolucionária. É burguesa, porque preserva os interesses dos capitalistas; é contrarrevolucionária, porque desvia e obstaculiza a luta do proletariado por suas reivindicações mais elementares, pela conquista do poder do Estado, e pela expropriação da propriedade privada dos meios de produção.
A classe operária, para conquistar sua independência, teve e tem de lutar, tanto contra a direita e ultradireita burguesas, quanto contra a esquerda burguesa e pequeno-burguesa. O denominado socialismo democrático, ou simplesmente o socialismo reformista, se constituiu como um instrumento de combate da burguesia ao socialismo científico, edificado por Marx e Engels, e desenvolvido por Lênin e Trotsky, e outros verdadeiros comunistas. A degeneração estalinista do partido bolchevique e do Estado operário na ex-União Soviética possibilitou uma confusão ideológica, movida por agentes da burguesia, entre socialismo democrático e “socialismo real”. A desorganização da classe operária e a ausência de partidos revolucionários, em um período marcado pela restauração capitalista, facultaram uma ofensiva ideológica da burguesia e do imperialismo contra o marxismo-leninismo-trotskismo.
Os reformistas da atualidade se valem desse retrocesso para reviver o cadáver dos revisionistas do marxismo. O PSOL e seu candidato fazem parte dessa tendência política, que mascara seu conteúdo histórico contrarrevolucionário, com um reformismo disfarçado de socialismo. O desvio de uma parte da vanguarda para o eleitoralismo e para a subordinação da luta de classes à democracia burguesa contribuem para retardar a organização independente do proletariado e, portanto, dificultar ainda mais a marcha histórica da revolução proletária.
O reformismo pequeno-burguês é pródigo em argumentar que não estamos diante da revolução social, e que, assim, a tarefa deve ser a de desenvolver uma espécie de democracia baseada em um poder popular, que se manifestaria por meio dos movimentos e consultas populares (plebiscito, referendo). Essa ilusão burguesa foi às últimas consequências com o PT, cujos resultados foram o fortalecimento da burocracia sindical, das direções corporativas dos movimentos, dos bloqueios à unidade revolucionária dos explorados diante da necessidade de se lutar pelas reivindicações mais elementares, e da canalização das massas para o eleitoralismo e parlamentarismo.
No período da pandemia, que ainda não se esgotou, reformistas e socialistas democráticos se submeteram à política burguesa do isolamento social, e das decisões antioperárias do Congresso Nacional, a exemplo da MP 936. As direções sindicais recorreram às “assembleias” virtuais, para justificar a capitulação, como tendo sido amparada pela decisão democrática dos trabalhadores. A verdadeira democracia proletária foi completamente anulada, de maneira que o patronato pôde demitir em massa, reduzir salários e liquidar direitos, sem que houvesse um mínimo de resistência coletiva dos explorados. Inclusive a Prefeitura e o governo do estado usaram a força para cumprir ordens de despejos de ocupações, realizados aos olhos do MTST.
Assistimos, na disputa eleitoral, à farsa de Covas e Boulos sobre o que foi feito e o que não foi feito, para combater a pandemia e defender a vida acima dos lucros. É fácil, portanto, expor planos administrativos à população passiva, atomizada, temerosa e acuada pelo avanço do desemprego, da informalidade, da pobreza, miséria e fome. Covas diz que fez muito pela população, mas que tem muito mais a fazer. Boulos, por outro lado, afirma que não se fez nada em favor da periferia, e que fará o que Covas não fez.
Esse circo de promessas e mentiras está para ser concluído. Em seguida, a periferia – operários, ambulantes, desempregados, famintos, doentes, desassistidos e desesperados – continuará a refletir as consequências da brutal exploração capitalista. Os serviços públicos continuarão sendo usados por empresários parasitas, que oferecem seus serviços ao governo de plantão.
A historieta de um socialismo que coloca a vida acima dos lucros não resiste à mínima prova dos fatos, em outras palavras, das leis econômicas e sociais que regem a sociedade de classes. A realidade, nua e crua, se estampa na crise estrutural do capitalismo, cujas consequências comparecem na forma de destruição maciça de forças produtivas, de mutilação em grande escala da força de trabalho, de redução do valor da força de trabalho, e do firme avanço da barbárie social.
Os pretensiosos reformadores tiveram a chance de demonstrar se eram capazes ou não de organizar a maioria oprimida contra a burguesia e seus governos, no momento em que o governo do PT afundou, sobreveio o golpe de Estado, e os governos de direita e ultradireita passaram a impor as contrarreformas. Não foram capazes de organizar o proletariado no campo da independência de classe, para impedir as reformas trabalhista e previdenciária, e a ampliação da terceirização. Traíram, recentemente, os operários da Ford, Volks, Embraer, etc. Os reformadores populares não fizeram nada para que os sindicatos e movimentos, que estão sob o seu controle, colocassem os empregos de milhões acima dos lucros da minoria capitalista. Essa é a verdade que a máscara do socialismo pequeno-burguês não tem como ocultar.
Em janeiro, prefeitos e vereadores tomam posse em 5.570 municípios. A imensa maioria continua sob o controle das oligarquias regionais e locais. A esquerda reformista não teve como superar sua debilidade. A direita e a ultradireita burguesas, no final das contas, se unem para combater a revolta dos explorados. E o reformismo serve de amortecedor à luta de classes. Essas relações políticas não sofreram nenhum abalo. A classe operária vai se deparar com esse poderoso dique de contenção às suas necessidades elementares. Está previsto o recrudescimento da crise econômica e política no próximo período. Nova ofensiva das contrarreformas já está a caminho, ainda que retardada pela crise sanitária. A reforma administrativa, principalmente, e o plano de privatização aguardam apenas o arrefecimento da pandemia, para serem impostos, a despeito da vontade da maioria e das necessidades nacionais do país. Acima de tudo, imperam a gigantesca dívida pública e o saque do Tesouro Nacional. O desemprego e subemprego continuarão atingindo e desintegrando a família dos trabalhadores. As eleições municipais ficarão para trás como um circo de mentiras e horrores.
A vanguarda com consciência de classe tem a tarefa de continuar a luta pela organização independente do proletariado, pela defesa das reivindicações que unificam a maioria oprimida, e pelo programa da revolução e ditadura proletárias. A parcela da vanguarda, que se subordinou à política eleitoral do reformismo e do centrismo de esquerda, deve se apoiar na experiência desse período, em que se combinou a crise sanitária e a crise econômica, e que desembocou no descarado eleitoralismo das correntes de esquerda, para elevar sua consciência de classe e se dirigir à tarefa de construir o partido operário revolucionário.