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04 dez 2020
2º turno das eleições municipais confirma o predomínio das oligarquias
3 de dezembro de 2020
Os partidos que concorreram nas eleições fizeram os seus balanços. Aqueles que não se pronunciaram diretamente contaram com a avaliação da imprensa, que dedicou um bom espaço para jornalistas especializados, cientistas políticos, pesquisadores e acadêmicos. As correntes de esquerda não poderiam deixar de apresentar suas considerações. Em alguns aspectos, há uma quase unanimidade. Bolsonaro, que não tem partido, não conseguiu obter votos para os candidatos que tiveram o seu apoio. O exemplo mais flagrante se encontra na derrocada de Celso Russomano, dos Republicanos, em São Paulo. Os partidos do denominado “Centrão” seriam os grandes vencedores. Os partidos tradicionais, como o MDB e PSDB, não se saíram tão mal. O PT expôs a continuidade de seu declínio eleitoral, podendo ser considerado também como um grande derrotado.
Nesse quadro, quase que inteiramente compartilhado pelos balanços dos porta-vozes da burguesia e das esquerdas, se movem as várias considerações, cujas diferenças não são significativas. A imprensa enfatizou a tese de que a população rejeitou os extremos: nem bolsonarismo, nem petismo. A maioria das correntes, que compõem o campo das esquerdas, colocou maior peso na derrota de Bolsonaro. Ao mesmo tempo, explicou que a queda do PT se deve à sua política de conciliação de classes. É claro que sempre há uma ovelha desgarrada do rebanho das esquerdas, que comete desatinos em suas confusas e aleatórias avaliações. Isso, principalmente, no que diz respeito ao descenso do PT. PCO chega ao ponto de acusar as “esquerdas” de preferirem “Bolsonaro e seus ´cachorros-loucos´ aos petistas”. Excetuando desatinos e estupidez desse tipo, prevalece a tese acima descrita.
O PT procurou minimizar seu desmoronamento, com a perífrase “vitória tática limitada”. Denuncia que “parte da esquerda, e toda a direita se unem em um balanço unânime sobre o PT e sua perda de espaço político”. O seu balanço oficial será realizado no início de dezembro, como foi anunciado. As correntes internas terão de lamber suas próprias feridas e as do PT. O PSTU foi o que mais se aproximou da análise da derrota de Bolsonaro e derrocada eleitoral do PT. Quanto ao “Centrão”, afirma que “teve um desempenho contraditório”, uma vez que alguns partidos avançaram, outros, retrocederam. Com isso, procura explicar que “o lugar da antiga polarização entre PT e Bolsonaro em 2018” resultou em “enorme fragmentação eleitoral”. Converge, nesse sentido, com os comentários da imprensa.
Falta, nesse quadro de avaliação, a incógnita PSOL, ou seja, o significado de uma ou outra vitória, mas principalmente o desempenho de Guilherme Boulos, em São Paulo. Não tivemos acesso a um balanço da direção nacional do partido. O seu principal dirigente, Juliano Medeiros, considera que, apesar da escassez numérica de prefeituras conquistadas, o PSOL saiu vitorioso entre as esquerdas. Essa avaliação foi difundida por representantes da grande imprensa. A tese é a de que desponta um novo fenômeno político à esquerda. O próprio Medeiros diz: “Uma campanha vitoriosa como essa faz avançar esse projeto de reorganização da esquerda, e uma estratégia de enfrentamento e de crítica às desigualdades e às elites no Brasil”. É como se essas eleições fossem um marco, que assinalasse um curso “pós-petista”. Essa exultante conclusão, no entanto, se baseia na figura ascendente de Boulos. Qualquer que seja o partido eleitoral de esquerda necessita de um caudilho, foi assim com Lula. O PSOL recorreu, na sua origem, à candidatura de Heloisa Helena à presidência da República, em 2006, por uma Frente de Esquerda, cujo resultado final foi desastroso, apesar de ter sido relativamente bem votada. É evidente o exagero de que o PSOL foi a “novidade emergente na esquerda”. O contraponto com o PT chega ao absurdo. A possibilidade de vir a ocupar o espaço do reformismo e burocratismo petista é quase nula.
As ilusões despertadas pela elevação meteórica de Boulos não correspondem a tamanho entusiasmo. Não se pode desconhecer a crise instalada no PSOL do Rio de Janeiro. O êxito em São Paulo favorecerá a ala direita do partido, que, no Rio de Janeiro, é representada por Freixo. Não é desprezível o fato de Boulos ter contado com o apoio de um grupo de empresários, e de uma parcela da igreja evangélica. A frente que se formou no 2º turno tem caráter nitidamente de frente-popular. A presença do PDT, PSB e Rede envolveu a frente originária, formada pelo PSOL, PCB e UP, em uma atmosfera burguesa. É dispensável descrever, por outro lado, a aliança do PSOL com o PT e PDT, em municípios como Recife e Fortaleza. Esse tipo de transação entre o partido pequeno-burguês e os partidos burgueses (o PT é um partido que se aburguesou até a medula) não faz senão expor a sua dependência diante do reformismo e do nacionalismo. Os ataques desnorteados de PCO ao PSOL, de que serve à direita contra o PT e Lula, são elucubrações de seita.
Há que extrair o fundamental dos números. O que exige evidenciar o caráter de classe, que ditou o curso das eleições. O jogo de contar perdas aqui e vitórias ali desvia a tarefa principal de um balanço, que se aproxime ao máximo da realidade política e social. O mesmo se passa com o manejo dos conceitos ultradireita, direita, centro e esquerda. Os balanços se mostram condicionados pelo conteúdo de classe dos partidos da burguesia e da pequena-burguesia. Nesse sentido, uma primeira consideração é o reconhecimento de que esteve plenamente ausente um partido revolucionário com suas candidaturas. O POR cobriu essa ausência, mas lutando sob a bandeira do voto nulo. Chama a atenção que, em nenhum dos balanços das esquerdas, se menciona a política consciente, que rechaçou todas as variantes burguesas e pequeno-burguesas, defendendo a independência de classe do proletariado e demais explorados. Devido ao seu caráter embrionário, o POR não poderia influenciar as massas a se colocarem pelo voto nulo. Apesar de a pandemia alimentar a abstenção, houve o reconhecimento de que foi uma das mais altas taxas. A média nacional no 2º turno foi de 29,43%, e, no 1º turno, 23,14%. No Rio de Janeiro, atingiu 35,5%, e em São Paulo, com toda a polarização, chegou a 30,8%. Bruno Covas obteve 3,1 milhões de votos, as abstenções, nulos e brancos alcançaram a marca histórica de 3,6 milhões. De forma que a campanha do voto nulo do POR expressou o descontentamento de uma importante parcela dos explorados com a política burguesa.
Os balanços das esquerdas centristas – somente o PSTU deu importância à grande abstenção, votos nulos e brancos – deixam de avaliar o seu próprio desempenho, em meio a essa situação. Evitam explicar por que receberam uma votação tão ínfima, e ocuparam um lugar politicamente medíocre. Em seus balanços, é como não existissem. Procuram avaliar os resultados eleitorais como se não tivessem participado com suas candidaturas, e como se fossem comentaristas de fora do processo. Não só o PT e PCdoB foram perdedores; os seus críticos mordazes não conseguiram dar um só passo à frente. Não podem admitir que não expressam uma tendência dos explorados, que sobrevivem na sombra do reformismo, e que não conseguem superar a orientação eleitoral oportunista. Chega a causar aversão ver que, no balanço do jornal “Esquerda Diário”, se ataca o PSOL porque “optou por construir uma frente ampla com partidos burgueses e golpistas”, sendo que o MRT lançou candidaturas agregadas (parasitárias) por meio desse partido. Em seu balanço, diz que batalhou “por uma política de independência de classe”, ocultando sua dependência ao PSOL. Esconde, vergonhosamente, o seu voto.
Como se pode observar, um balanço pode expressar a política burguesa, pequeno-burguesa oportunista, e proletária. O que distingue a última das demais é que se esforça por evidenciar as raízes de classe das eleições, as forças burguesas dominantes, a impotência do reformismo, e o oportunismo daqueles que se apresentam como socialistas em palavras. A essência dessas eleições municipais se encontra na constatação de que os velhos partidos oligárquicos e seus derivados impuseram uma derrota, em grande escala, ao reformismo petista, e a todos aqueles que necessitam se abrigar em sua sombra. Esse é o ponto de partida obrigatório para se ter claro sob que política, e para onde o aparato eleitoral da burguesia arrastou a maioria da classe operária e demais explorados. Somente assim se pode verificar que partido ou quais partidos burgueses se beneficiaram das eleições. Caso contrário, o jogo dos números ocultará a raiz de classe e as forças burguesas em disputa pelo poder. Basta o 1º turno para constatar que os velhos partidos da burguesia e seus derivados conquistaram 4.357 municípios. A esquerda reformista e nacionalista (PT, PCdoB, PSOL, PDT, PSB) conseguiu apenas 790 do total de 5.568 municípios. O 2º turno confirmou essa tendência esmagadoramente majoritária dos explorados serem arrastados por trás da miríade de partidos burgueses.
Se formos mais rigorosos, podemos agregar o PDT e PSB (embora este tenha sofrido revés no geral, mas ganhou a disputa em Recife) ao campo mais amplo dos partidos burgueses vencedores, configurando-se como a sua ala mais à esquerda. Os traços de reformismo e nacionalismo desses partidos são tênues. Mas, de qualquer forma, procuram uma aliança com o PT, que se aburguesou e procura manter-se à esquerda desses possíveis aliados. A evolução política do PT indica que tem abandonado progressivamente o seu reformismo original. O PSOL é um rebento, que se esforça por encarnar as teses reformistas, quase que abandonadas pelo PT. A esquerda centrista – PSTU e PCO – nada representam eleitoralmente. As variantes do estalinismo – PCdoB, PCB e UP – são tributárias do reformismo petista ou do psolismo. Também não têm expressão eleitoral. A conclusão desse quadro é visível: o predomínio dos partidos burgueses e oligárquicos foi de uma notável vastidão, de um lado; e o declínio do reformismo se configura como sua contrapartida, de outro.
Não basta constatar a reconquista pelos partidos da burguesia do pouco terreno que havia perdido para o reformismo. O PT e aliados nunca foram fortes no plano municipal, onde prevalecem os poderes locais oligárquicos, mas, desde as eleições de 2016, vêm recuando. A crise econômica e política, que tomou conta do segundo mandato de Dilma Rousseff, e que resultou em seu impeachment, pôs às claras os pés de barro do reformismo. A prisão de Lula levou ao auge a decomposição do PT. A frente burguesa golpista conseguiu atingi-lo profundamente, sem que a classe operária e demais explorados viessem em seu socorro. O reformismo transpareceu sua impotência diante do capitalismo em decomposição, do poder oligárquico e da opressão imperialista. Essa síntese permite compreender por que o reformismo, cuja política se assenta na colaboração de classes, perdeu sua base de apoio em importantes camadas das massas, principalmente no proletariado. Essa constatação evidencia o esgotamento histórico do PT, o que não quer dizer que não tenha sobrevida política.
É indispensável ainda considerar o impacto da pandemia nas eleições municipais. O PT e toda a esquerda se alinharam por detrás da política burguesa do isolamento social, confundindo-a com o fundamento científico de medidas que arrefecem a transmissão do vírus. A consequência foi que seguiram a diretriz dos governadores, como se estivessem enfrentando, de fato, a posição de Bolsonaro. Ao não se manifestarem com uma resposta própria e independente, permitiram que a população ficasse subordinada às disputas interburguesas. A capitulação teve maior alcance. O braço sindical do reformismo foi utilizado para aplicar o plano de emergência de Bolsonaro e do Congresso Nacional. Diante de uma onda de demissão em massa, as centrais, sindicatos e movimentos permaneceram passivos. Diante da aplicação da MP 936, foram tão ativos que recorreram às assembleias virtuais, para legitimar a imposição de medidas de redução salarial e quebra de direitos. Os explorados, assim, foram convocados a eleger os candidatos na condição de cordeiros. Desnorteados, confundidos, amedrontados e encurralados, ficaram inteiramente sujeitos aos aparatos dos partidos burgueses, e das forças obscurantistas que controlam a vida social dos bairros operários, das favelas e cortiços. As massas se deslocam eleitoralmente à esquerda no caso de estarem em conflito com a burguesia, e esperançosas de encontrar uma nova política, que imaginam que poderia resolver seus problemas imediatos. Caso contrário, as massas continuam presas às pressões dos velhos partidos, e do poder econômico correspondente. A política de colaboração de classes amarrou os pés e as mãos da maioria oprimida, diante dos ataques da burguesia e de seus governos. Inevitavelmente, essa traição iria se manifestar nas eleições.
Esse balanço, que se distingue dos balanços dos agentes da burguesia, dos reformistas e da esquerda centrista, confirma a tese marxista de que as eleições são um terreno de disputa interburguesa, e que a participação do partido revolucionário está condicionada a poder lutar pela independência política dos explorados, e desenvolver a estratégia da revolução e ditadura proletárias. Nas condições históricas de desenvolvimento embrionário do POR, a defesa do voto nulo correspondeu a esse fundamento. Sabemos, perfeitamente, que não pesou nos resultados eleitorais, mas pesou enormemente no combate da vanguarda com consciência de classe, que se dedica a pôr em pé o partido marxista-leninista-trotskista.
O próximo período será de aprofundamento da crise econômica e política. O proletariado e demais explorados se verão na necessidade de empunhar seu programa próprio, e caminhar com suas próprias pernas. As massas vão se chocar com os partidos dominantes da burguesia. Os prefeitos logo serão desmascarados. Essa é a tendência objetiva da desintegração do capitalismo. O problema continuará sendo o reformismo, que controla e desnaturaliza os sindicatos e movimentos. Esse balanço, portanto, servirá de guia para organizar a luta dos explorados contra o poder da burguesia, para enfrentar a política de colaboração de classes do reformismo.