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29 dez 2020
Meia dúzia de laboratórios multinacionais ditam o curso da vacina
Somente a classe operária organizada e mobilizada pode defender a vida da maioria oprimida
28 de dezembro de 2020
Está claríssimo o fracasso da política burguesa do isolamento social, para conter a propagação do vírus e a mortandade. O que, por sua vez, evidenciou que os governos somente em palavras se colocaram pela defesa da vida. Acima de tudo, imperaram e imperam o poder econômico e o lucro. Não foi possível ocultar que a pandemia descontrolada se apresentou antes de mais nada como um problema de classe. Apesar de o vírus não distinguir os pobres dos ricos, suas consequências naturais e econômicas se encarregaram de pôr à luz do dia a brutal distinção. Os pobres e miseráveis compareceram como os mais desprotegidos, em todos os sentidos. Assim, foram e estão sendo os mais afetados, e os que mais choram pelos seus mortos.
Era previsível que os governos, os parlamentos, os partidos da ordem, a imprensa e as organizações assistencialistas fizessem de tudo para ocultar o profundo precipício que separa a maioria oprimida da minoria burguesa. Contribuíram para isso os partidos de esquerda, reformistas e centristas, e a burocracia sindical, que se alinharam por detrás da política burguesa do isolamento social. Contribuíram para impedir a organização independente dos explorados e a elevação da consciência de classe, de que a burguesia e seus governos não iriam, de fato, colocar todos os recursos que o capitalismo acumulou para os proteger. Impediram de usar a única arma, em tais condições, que são a organização e manifestações coletivas. Permitiram que a burguesia e seus governos mantivessem as rédeas da situação sanitária, econômica e política. Em outras palavras, possibilitaram aos exploradores manipularem as massas e evitarem revoltas.
O reconhecimento, de que um novo surto do Covid-19 impulsionou a proliferação e retomou os altos índices de mortalidade, é a confissão do fracasso da política burguesa do isolamento social. Agora, com o início da vacinação, a burguesia e seus governos dão novas esperanças ao mundo. Uma outra etapa de enfrentamento à pandemia se abriu. Admite-se, por quase unanimidade, que existem maiores possibilidades de conter o ciclo viral, que oficialmente se manifestou no início de 2020.
A maravilha das descobertas, no entanto, sofre os mesmos condicionamentos de classe, que o recurso utilizado na forma de isolamento social. O poder econômico continua a ditar o alcance e o limite das várias vacinas, já aprovadas ou em vias de aprovação.
Os governos burgueses formatam os planos de imunização, de acordo com o que acham possível e prioritário. A classe operária e demais explorados estão completamente à margem, passivos e incapazes de influenciar qualquer que seja a decisão que venha do Estado. As potências têm o privilégio de adquirir a maior parte da produção, e dar início à vacinação. Os países semicoloniais estão obrigados a aguardar o momento em que a indústria farmacêutica alcance um excedente. Aqueles que conseguiram iniciar a vacinação não deixam de depender da prioridade dos países ricos, que adquiriram antecipadamente milhões de doses do imunizante. Entre os países semicoloniais, a maioria não tem condições de aumentar o seu endividamento público, e esperam que organismos internacionais do imperialismo acabem por viabilizar a chegada da vacina.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) procurou estabelecer um fundo comum para a compra das vacinas e distribuição às nações mais pobres. Fundações assistenciais de milionários – a exemplo da Fundação Bill e Melinda Gates – constituíram a Parceria ACT-Accelerator com a OMS, mas fracassou no objetivo determinado. Por enquanto, os governos imperialistas e os monopólios da indústria farmacêutica se voltam para resolver seus próprios problemas.
A distinção entre os países que detêm a vacina e os que não detêm é própria da estrutura mundial do capitalismo, em que abriga países interligados por elos diversos de desenvolvimento e atraso econômico e social. A pandemia não os distinguiu, atingiu a todos em maior ou menor escala. O que os distingue diante da pandemia são os laços de exploração, saque e subordinação da maioria das nações oprimidas pela minoria das nações opressoras. Um punhado de países e laboratórios multinacionais têm em suas mãos o destino de todo o globo terrestre. Essa escala de valor e de prioridade é ditada pelo poder econômico, em um mundo habitado por 7,79 bilhões de seres.
A OMS, que tanta presença teve para que os governos aplicassem a política burguesa do isolamento social, assiste à ignominiosa disputa comercial pela vacina entre os laboratórios e as imposições das potências. Não teve como sustentar a hipócrita propaganda sobre a necessidade de proteger os países mais pobres, por meio de um fundo comum de vacinação. De nada adianta, na prática, as brilhantes análises de especialistas de que o acesso “assimétrico” às vacinas aumentará ainda mais as desigualdades mundiais. O fato é que os laboratórios estão à procura de quem paga mais, e garanta a compra imediata em grandes partidas da produção. Em meio a isso, se desenvolve a guerra comercial dos Estados Unidos com a China, principalmente.
A imposição da vacina da Pfizer-BioNtech, forçando o predomínio de um dos monopólios, se levanta como um obstáculo à produção, e ampla distribuição das demais vacinas, principalmente as da China e Rússia. Ao não ser possível a cooperação, retarda-se o processo científico, dificulta-se a produção, e limita-se a circulação dessa mercadoria, que se tornou um valioso trunfo econômico e político. Existem todas as condições para a ampla produção e distribuição, mas as travas dos monopólios reduzem as possibilidades de se realizar uma abrangente campanha mundial de imunização.
O Brasil se destaca como um caso particular dentre os países semicoloniais. Tem uma indústria altamente capacitada para produzir em grande escala, qualquer uma das vacinas. O Instituto Butantan e a Fiocruz estão à espera de autorização e de meios financeiros para acionarem toda a sua potencialidade de produção. A submissão do governo Bolsonaro à guerra comercial, e a sua própria posição contrária à vacina, vêm retardando o início da imunização. As dissenções políticas atrasam o avanço do processo de produção e distribuição, quando a única solução é a da vacina. Por trás dos conflitos interburgueses, estão os interesses particulares das potências e dos respectivos monopólios farmacêuticos. Sem a independência nacional, o Brasil é guiado pelas forças que protagonizam a guerra comercial.
Coincidiu que a pandemia sobreveio no momento em que o País é gerenciado por um governo ultradireitista e obscurantista. Bolsonaro manobra com os conflitos de interesses externos entre Estados Unidos e China, para viabilizar suas ideias místicas, praticadas por uma boa parte das igrejas evangélicas. Evidentemente, não tem como transformá-las em política hegemônica. O que faz é despejar entulhos contra a vacina. Seu ministério da Saúde não teve como descartar a vacina da Sinovac, tamanha a pressão da oposição centro-direitista, encabeçada pelo governo de São Paulo, João Doria. O Supremo Tribunal Superior (STF) chegou a ser evocado para exigir do ministro-general, Eduardo Pazuello, que definisse um cronograma de vacinação. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi denunciada por servir às diretrizes do governo federal. Abriu-se, inclusive, uma crise política de caráter federativo. Aos solavancos e ao agravamento da pandemia, caminha-se vagarosamente para o início da vacinação.
Os últimos entraves erguidos por Bolsonaro foram o de pretender exigir um termo de compromisso da população vacinada de que se responsabilizaria por qualquer efeito adverso e o de determinar a não obrigatoriedade da vacinação. No primeiro caso, procurou provocar o medo. No segundo, atender à fé das seitas religiosas. O Estado e os monopólios têm corresponsabilidade, em qualquer situação, diante da vida da população. A única maneira de levar à prática essa responsabilidade é se a classe operária estiver organizada. A posição contrária à obrigatoriedade da vacina é de cunho liberal-burguês, que sobrepõe a vontade dos indivíduos sobre a necessidade coletiva. Nos Estados Unidos, chegou-se a discutir a não-obrigatoriedade de uso de máscara. No Brasil, isso não foi um problema. Apesar do desrespeito, o uso é obrigatório. O nosso real problema – e o da maioria dos países – se encontra no atraso da vacinação, e da previsão de que a população não será vacinada como um todo em curto prazo de tempo.
Era para a classe operária e demais explorados ganharem às ruas, exigindo o fim dos obstáculos que impedem a produção e distribuição da vacina, tanto no Brasil quanto nos demais países semicoloniais. Era para as massas se colocarem em pé de guerra pelo fim imediato das patentes, pela livre difusão dos segredos científicos, pela expropriação e nacionalização dos monopólios farmacêuticos. E para que o plano de vacinação começasse pelos mais pobres, miseráveis e “vulneráveis”. A prioridade é a de iniciar a campanha massiva nos bairros operários, favelas e cortiços. Quanto mais a imunização abranger as massas, mais se desenvolve a proteção a toda a sociedade. A obrigatoriedade vem no sentido de que as necessidades coletivas não podem ser violadas pelas atitudes individuais. Somente assim, se combate as diretrizes de classe emanadas do Estado burguês. Evidentemente, essa decisão somente pode ser cumprida em favor de toda a sociedade, caso a classe operária se manifeste organizadamente em defesa de seu programa próprio. Um dos obstáculos a ser removido é o da política de conciliação de classes, que submeteu a maioria oprimida à política burguesa do isolamento social.
A luta do proletariado pelo controle e erradicação da pandemia não se limita à vacina, que não passa de um recurso circunstancial. Os explorados são atingidos, ao mesmo tempo, pelas crises sanitária e econômica. O desemprego, subemprego, pobreza e miséria atentam contra a vida de milhões. O ano que adentra será de mais desventura à população, caso não se rebele contra a situação de penúria e as novas medidas antinacionais e antipopulares dos governos. É sintomática a previsão de analistas econômicos de que o fim do miserável auxílio emergencial resultará no aumento da fome. O rebaixamento dos salários durante a pandemia, combinado com as demissões em massa, ocorre quando aumenta o preço dos produtos de primeira necessidade.
A defesa da vacinação universal, a começar pelos mais pobres e miseráveis, deve ser acompanhada das bandeiras de redução da jornada de trabalho sem reduzir os salários; emprego a todos, com a escala móvel das horas de trabalho; salário mínimo vital, com escala móvel de reajuste; sistema único de saúde pública, com a estatização do sistema privado, sem indenização. Esse plano de reivindicações pode unir a maioria oprimida em torno à classe operária, que, como classe revolucionária, tem o objetivo histórico de destruir o poder da burguesia, transformar a propriedade privada dos meios de produção em propriedade social, e iniciar a transição do capitalismo para o socialismo. O controle e erradicação das pandemias se tornarão possíveis com fim da sociedade de classes, e, assim, com a eliminação da pobreza e de miséria.