-
30 dez 2020
Doria decide: volta às aulas em 1º de fevereiro
Qual deve ser a resposta?
29 de dezembro de 2020
Tudo indica que o governador decidiu enfrentar a resistência das direções sindicais, contrárias ao retorno às aulas presenciais. Afirmou, desta vez, que, com ou sem uma segunda onda da pandemia, estudantes e professores estarão nas salas de aula, no início de fevereiro. Os funcionários, há alguns meses, voltaram a ocupar seus postos de trabalho, à exceção da parcela considerada de risco. Em janeiro, começaria a recuperação de alunos, que deixaram de apresentar as atividades, correspondentes às aulas virtuais. A direção da Apeoesp contestou a decisão e entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação, exigindo que “os profissionais da educação sejam vacinados na primeira etapa, juntamente com profissionais da saúde e idosos”.
A volta ou manutenção da quarentena escolar se tornou motivo de conflito entre o governo e os sindicatos, desde julho, quando Doria anunciou o retorno “gradual e regionalizado”, sob a vigilância do Centro de Contingência do Covid-19 de São Paulo. No dia 23 de março, as escolas foram fechadas, portanto havia passado pouco mais de três meses. A pandemia vinha se agravando, mas as autoridades sanitárias estimavam que poderia arrefecer nos meses seguintes. Esse foi o primeiro sinal de que o governo de São Paulo não poderia sustentar por mais tempo a política burguesa do isolamento social.
O plano de flexibilização de Doria previa o retorno das atividades, consideradas não-essenciais, para 1º de junho. Como se vê, a normalização do ensino fazia parte desse esquema geral. O governo se valeu da propaganda diária de que a pandemia havia atingido o pico, entrara no platô e, assim, caminharia para o descenso. Na realidade, não era a avaliação “científica” que ditava a flexibilização, mas sim o poder econômico e as pressões do governo federal. A máscara da cientificidade serviu para esconder o caráter da política burguesa do isolamento social.
A pedra no sapato de Doria seria, principalmente, o professorado. Impor a volta, quando a pandemia continuava matando – em junho houve um aumento de 217 para 277 mortes diárias –, significaria comprar uma briga com os sindicatos, que traria desgaste político, meses antes das eleições municipais. Termina o ano, e não há um motivo político de grande importância, como foram as eleições.
O secretário estadual da Educação, Rossieli Soares, argumenta, neste momento, que o professor e o funcionário de escola “têm papel fundamental”, tanto quanto aqueles que trabalham nas “farmácias e supermercados”. Sob tal alegação, afirma que chegou a hora de reconhecer “os prejuízos das escolas fechadas”. Deu a entender que, na maior parte dos municípios, as aulas já estão sendo ministradas presencialmente. Diz que “em 65%, elas voltaram, e 1,5 milhão de estudantes passou pelas escolas presencialmente”. Perguntado sobre a possibilidade de uma greve, respondeu que “em alguns lugares, o Judiciário já demonstrou a ilegalidade da greve neste contexto”.
Ao que parece, tanto a direção sindical, quanto o governo, procuram judicializar o impasse. A presença da vacina altera o conflito político. A Apeoesp aguarda uma decisão judicial, sobre a vacinação dos professores, como condição para a volta. E o governo se mostra disposto a endurecer a posição de fim da quarentena na educação.
Essa disputa, como se pode constatar, se dá entre as nuvens da virtualidade. Não há sentido recorrer à greve, quando os professores não estão nas escolas. O certo seria o sindicato dizer que está pelo boicote à decisão do retorno presencial. No caso de judicializar, a sentença será a favor ou contra o boicote, ainda que se possa mascará-lo com a palavra greve. Está claro que a possibilidade de a Justiça dar ganho de causa ao governo é infinitamente maior.
Nas condições em que a política de isolamento social se esgotou, e a vacina está prestes a se viabilizar, mesmo que limitadamente, a disputa no plano virtual e judicial pende a favor do governo. Somente os politicamente cegos não veem que as direções sindicais burocráticas nadam no rio da hipocrisia, cujas águas, agora, escapam pelos bueiros. Não há como sustentar o isolamento da educação do restante das atividades econômicas, por mais que o perigo da contaminação continue vigente. O corporativismo dos burocratas sindicais não tem como se manter, diante do novo momento da crise pandêmica e econômica, sem que sua máscara seja arrancada.
A pandemia atingiu as massas operárias e pequeno-burguesas, como um todo. De maneira que a defesa dos trabalhadores da educação é parte da defesa geral da maioria oprimida. O Estado, que lhes concedeu uma posição particular no isolamento social, levou em consideração o envolvimento de milhões de crianças e jovens, bem como a necessidade de dar suporte político à orientação do distanciamento. Agora, Rossieli tira do bolso a ideia de que a educação também é essencial. O certo é que não tem como prolongar uma quarentena, que, em março, completará um ano. A pressão das escolas particulares aumenta, no momento em que toda a economia voltou a funcionar, embora a pandemia continue com seus altos índices de mortalidade.
A instituição “Todos pela Educação”, conhecida por servir aos interesses privatistas do ensino, divulgou um rol de recomendações para a volta das aulas presenciais. Recomendou um retorno gradual, combinando o presencial com o virtual. O que indica que o governo acionou os instrumentos de apoio, para convencer a população de que tudo está sendo feito para garantir a segurança dos trabalhadores da educação e estudantes.
É bom assinalar que o problema não se resume ao retorno ou não-retorno. A ampla utilização da modalidade virtual (EaD) trará consequências que ultrapassam o período da pandemia, e engloba o sistema educacional como um todo. É obrigatório, portanto, também dar uma resposta geral ao processo de desfiguração do ensino presencial. Um balanço parcial sobre a substituição do ensino presencial pelo virtual indica que foi um desastre para a educação como um todo, e, em particular, para a educação básica. Há aqueles que consideram o ensino remoto como muito limitado na formação básica, mas compatível com o nível superior.
O corporativismo sindical tem separado e estancado os problemas de cada nível, como se não fossem interdependentes. Com a pandemia, se estampou a degeneração do sistema educacional, em todos os seus níveis. A introdução forçada do ensino a distância corresponde ao avanço da privatização do ensino superior, e à sua penetração na educação básica. Lembremos que a reforma do ensino médio, sancionada pelo governo Temer, prevê a utilização do EaD.
A pandemia acabou sendo usada pela política burguesa do isolamento, para uma ampla intervenção do Estado na vida social. Avançaram-se a reforma trabalhista – terceirização, trabalho intermitente e home-office – e o ensino virtual. É um erro e uma fraude grosseira segmentar e romper os elos de um mesmo processo, que expressa a relação entre o trabalho e a educação. A juventude não tem sido a mais atingida pela pandemia, mas duramente golpeada pelas suas consequências, com o desemprego, subemprego e ensino remoto. É aparentemente incompreensível que as direções sindicais tenham desconhecido os impactos da crise sanitária sobre o trabalho e a educação. A única bandeira que lhes serviu de guia foi e é a do “Fique em casa”, originada na política burguesa do isolamento social, e propagandeada à exaustão pelo governo Doria. É o que uniu as organizações sindicais e populares em todo o país. Essa unidade política jogou a favor dos interesses gerais da burguesia, de proteger seus capitais por cima das necessidades mais elementares da maioria oprimida. Resultou no fechamento das portas dos sindicatos, e na realização das reuniões e assembleias virtuais, contrapostos à organização presencial e coletiva dos explorados.
A parcela dos trabalhadores que recebeu a ordem de permanecer em casa acabou se juntando à parcela que foi obrigada a continuar no trabalho, assim que os governantes decidiram pela flexibilização da quarentena, excetuando a educação. As direções sindicais, por seu lado, continuaram blefando com a bandeira do isolamento, não faltando esquerdistas inconsequentes, que procuraram se diferenciar com a bandeira de greve sanitária. A classe operária completamente desorganizada, golpeada pelas demissões, redução de salários e perdas de direitos, permaneceu passiva.
A ruptura do cordão sanitário, que amarrou os explorados pelo pescoço, se deu com a greve dos metalúrgicos da Renault, em São José dos Pinhais, e a greve nacional dos Correios. Os sindicatos e as centrais sindicais permaneceram de portas fechadas. Perdeu-se o momento de organizar a resistência nacional contra a política burguesa do isolamento, as medidas emergenciais do governo, e os ataques patronais aos empregos e salários. No estado de São Paulo, Doria aproveitou o imobilismo para avançar com as PEIs (escola de tempo integral), fechar cursos noturnos, e impor a contribuição previdenciária aos aposentados. Os trabalhadores da educação e a juventude ficaram à margem, como se não estivessem sendo atingidos tão duramente quanto os demais explorados e oprimidos. A postura das direções, que controlam os sindicatos da educação e as organizações estudantis, foi a de manter a confortável posição, contando com a manutenção da quarentena em seu quintal. Apoiaram a substituição do ensino presencial pelo virtual, com os reparos cínicos de que o Estado deveria criar condições para os estudantes pobres. A colaboração com os governadores, no quadro da política burguesa do isolamento social, se transformou em atrito, no momento em que se colocou a volta às aulas presenciais. É evidente a mesquinhez da política dessas direções, que permaneceram o tempo todo agarradas à bandeira do “Fique em Casa”.
A explicação e a compreensão do quadro geral, em que está inserida a educação, permite desmascarar a falsidade das direções colaboracionistas, que se valem da impostura da greve sanitária. O fundamento de qualquer resistência objetiva às ações da burguesia e dos governantes contra o ensino público, empregos, salários e direitos se encontra no método da ação direta, organização e democracia coletivas. Desde o momento em que as direções sindicais abraçaram a política burguesa do isolamento social, passaram a agir contra o descontentamento e a revolta latente no seio das massas, que existiam antes mesmo da pandemia eclodir. Em outras palavras, agiram contra o método da ação direta, a organização independente e a democracia das assembleias presenciais. É descarada a impostura daqueles que ameaçam a fera com a vara curta, brandindo a ameaça de greve sanitária.
A vanguarda com consciência de classe esteve o tempo todo diante da tarefa de desmascarar os colaboracionistas e pôr às claras o conteúdo de classe da política do isolamento social, conduzida pelos governantes. O que se fez, na medida do possível, defendendo a convocação de assembleias presenciais, para se decidir sobre as questões particulares, no âmbito geral das crises sanitária e econômica; e rejeitando a farsa das reuniões e assembleias virtuais. A bandeira de preparação do retorno ao trabalho, também vale para a Educação. Não há outro caminho, para responder à decisão de Doria, a não ser mostrando aos professores, estudantes e pais que devem se organizar coletivamente. A convocação de assembleias presenciais é o primeiro passo nesse sentido. Somente assim, se romperá o império do indivíduo, recolhido em suas casas, e aprisionado no jogo de espelho da virtualidade. É patente que os riscos de contaminação continuam altos, mas não apenas para aqueles que trabalham na educação. Qualquer egoísmo, diante de problemas coletivos tão graves, se volta contra a maioria atingida.
A vacina comparece como o último trunfo da burguesia e seus governos. Assistimos, porém, o desenrolar de uma guerra comercial, que vem das potências e dos interesses particulares dos laboratórios monopolizados. No Brasil, seus reflexos aparecem na forma de retardamento da imunização, e na ausência de um plano real de vacinação universal. Os conflitos interburgueses em torno às vacinas não passam de um desdobramento dos conflitos que se deram em torno à política burguesa do isolamento social. Se não se evidencia o conteúdo de classe dessas dissenções, e se não se combate esse conteúdo burguês com a política proletária, o programa, os métodos próprios de luta e a organização independente, não é possível defender a vida das massas, que dependem da saúde pública, dos empregos e salários.
Está diante de nossos olhos que a vacinação em massa será a última das prioridades. A direção da Apeoesp coloca, como condição ao retorno presencial, que os trabalhadores da educação sejam colocados na lista dos primeiros a serem imunizados. O corporativismo salta aos olhos. É preciso rechaçar o plano de prioridades. A luta é pelo início imediato da vacinação universal. E que se comece nos bairros operários, favelas e cortiços. Os pobres e miseráveis devem ser os primeiros a receber a vacinação, uma vez que são os mais atingidos pela pandemia. Os sindicatos e movimentos têm de romper a passividade, e organizar o movimento das massas em defesa da vacinação universal, pública, gratuita, começando por aqueles considerados “vulneráveis”. Está colocada a luta contra as patentes, o domínio dos monopólios, os privilégios das potências, e a guerra comercial. A mesma bandeira que o POR desfraldou de preparação da volta ao trabalho em junho, desfralda agora, diante da decisão do governo de impor a volta às aulas. Somente as assembleias presenciais podem decidir como responder a essa imposição.