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19 jan 2021
Carta aos metalúrgicos da Ford, à classe operária e aos demais explorados
19 de janeiro de 2021
A calamidade no Amazonas obscureceu a gravidade do fechamento da Ford. A imprensa se dedicou a mostrar a falência da saúde pública, nesse estado da região Norte. Em seguida, se deu publicidade à farsa do início da vacinação em São Paulo. De fato, a pandemia retomou, com toda a sua letalidade, na maior parte do país. A escandalosa situação do Amazonas deu a impressão de que não era tão grave em outros estados. O descontrole do Covid-19 expôs a incapacidade da burguesia e seus governantes de responderem à altura, de maneira que os pobres e miseráveis continuaram sendo as maiores vítimas.
Certamente, a pandemia manteve sua importância, tal qual nos piores meses do ano passado. A Ford decidiu anunciar o fechamento de suas fábricas, justamente no auge da crise pandêmica. É correto dizer que a multinacional norte-americana aproveitou da situação, para pôr na ordem do dia o plano que se encontrava na gaveta de sua matriz.
Temos visto e denunciado que os capitalistas como um todo, mas principalmente os monopólios, passaram a proteger seus negócios, descarregando inteiramente a crise econômica sobre a classe operária e demais explorados. Bolsonaro e demais governantes, não só viraram as costas ao fechamento de milhares de fábricas, comércio e serviços, demissões em massa, redução salarial e liquidação de direitos trabalhistas, como também agiram no sentido de proteger os interesses gerais da burguesia, sacrificando as necessidades elementares da maioria oprimida. Agora, fazem o mesmo, ou mostrando desprezo à medida da Ford, como no caso de Bolsonaro; ou lamentando a “ingratidão”, como no caso de governadores, prefeitos, parlamentares e sindicalistas.
O fato é que se trata de um golpe profundo sobre a classe operária. Os metalúrgicos da Ford são imediatamente atingidos, mas as consequências se manifestarão e permanecerão, destruindo empregos e condições de trabalho ao conjunto dos explorados.
Os governantes não fazem senão cumprir sua função de lacaios da burguesia, e, em particular, de serviçais dos monopólios imperialistas. Os dirigentes sindicais, que deveriam usar de todos os meios e capacidade de luta do proletariado, praticam o mais reacionário corporativismo. Colocaram, desde o início, o fechamento da Ford como um problema circunscrito aos metalúrgicos de três fábricas, como se não fosse um problema de toda a classe operária.
As três centrais sindicais envolvidas – CUT/Taubaté, CTB/Camaçari e Força Sindical/Horizonte – só fizeram reclamar do “tapa na cara” dos operários, e pelo fato da Ford não ter feito “nenhum pedido de desculpas”. É o que disse o burocrata da CTB, vinculado ao PCdoB. Assumiram o fechamento como um fato consumado, passaram a correr atrás da montadora, para acertar as indenizações, e a pedir socorro aos governantes, parlamentares e instituições da burguesia. Para disfarçar o imobilismo, armaram as vigílias, com pouco mais de duas dúzias de operários, as audiências públicas virtuais, os atos simbólicos em frente a concessionárias, os cultos ecumênicos, e a peregrinação ao santuário de Aparecida do Norte.
Essa dependência a instituições e representantes da burguesia é a demonstração mais vergonhosa das consequências antioperárias da política de colaboração de classes, burocratização e estatização das organizações sindicais. A burocracia sindical se entregou de corpo e alma ao capital. Não apenas não confia na capacidade de luta do proletariado, como trabalha incessantemente para sufocar e anestesiar seu instinto de revolta. A camarilha burocrática, vinculada às multinacionais, em especial às montadoras, se tornou auxiliar dos capitalistas, diante dos impasses da crise de superprodução e da tendência de queda da taxa média de lucro dos monopólios. Ajudou a estabelecer a cultura das demissões negociadas – PDVs, lay-offs, banco de horas, etc. Transformou os sindicatos em apêndices de partidos da ordem capitalista – PT, PCdoB, Solidariedade –, para citar apenas os mais importantes. Difundiu a ideologia de que é melhor um acordo negociado do que a luta grevista. Reproduziu a farsa burguesa de que, com as novas tecnologias, a classe operária não é mais a mesma, aquela que ia ao combate. Essa camarilha montou um aparato sindical que beira ao gangsterismo, eliminando a democracia operária – não convoca as assembleias gerais, manieta as assembleias corporativas, elimina o direito de oposição, e controla o resultado das eleições sindicais. Conta com o apoio dos capitalistas, para impor essa camisa de força nos sindicatos, e esmagar o descontentamento nos locais de trabalho.
Isso explica a passividade dos metalúrgicos diante da violência da Ford. A espera de uma indenização individualiza a atitude, e impede a elevação da consciência coletiva. Os burocratas sabem disso, e procuram canalizar o descontentamento para esse beco sem saída. O que a montadora vai gastar com as indenizações é uma pequeníssima fração dos lucros obtidos, e menor ainda, se se considerarem os subsídios recebidos, durante décadas, dos governos. Para os imperialistas, é mais simples e econômico demitir e indenizar, do que enfrentar a luta de classes. São inúmeros os exemplos nesse sentido, mas é bom lembrar a traição da direção do Sindicato Metalúrgico do ABC, quando do fechamento da planta da Ford de São Bernardo. Tudo está sendo encaminhado para esse mesmo resultado.
Em um comunicado pomposo, de 16 de janeiro, a CUT diz defender a retomada da “produção dos parques industriais, com ou sem Ford”. Declara, sem rodeios, que não lutará contra o fechamento da fábrica. Retira da gaveta a enferrujada bandeira de “retomada de nosso processo de industrialização”. Pede que o Congresso Nacional assuma “suas responsabilidades”. Declara-se por “uma postura firme no diálogo com a Ford”. E conclui: “Caso a Ford mantenha sua decisão, os governos federal e estaduais devem encampar suas plantas industriais, com máquinas e equipamentos, como contrapartida dos bilhões de reais que deixaram de arrecadar, em face dos incentivos fiscais e benefícios que recebeu no Brasil”.
As centrais sindicais deixaram claro que estão à procura de indenizações, e não de “encampar”, em troca do que já foi dado à montadora pelo Estado brasileiro. Basta a palavra encampar, para ver que a CUT foge da bandeira de estatização, sem indenização. O máximo que os burocratas almejam é servir de corretor auxiliar a algum tipo de transação da Ford, com esta ou aquela montadora. É o que o governador do PT, da Bahia, está confabulando com investidores chineses. E é o que o governador de São Paulo, em 2019, tentou fazer com o fechamento da planta de São Bernardo.
Os farsantes se mostram impotentes, uma vez que se negam organizar a luta pela ocupação das fábricas e pela estatização, sem indenização. Ou os operários se revoltam contra essa direção capituladora, ou a Ford será mesmo fechada, e milhares de postos de trabalho, destruídos.
Sabemos que as condições políticas e sociais pesam enormemente contra os instintos de revolta da classe operária. Mas, é dever da vanguarda com consciência de classe intervir com propostas, bandeiras e métodos de luta, que levem à ruptura dos operários com a política burocráticas derrotista. Que permitam ver um outro caminho, completamente oposto ao das indenizações e das negociatas governamentais.
A classe operária foi desarmada ideológica, política e organizativamente nas últimas décadas, principalmente depois de o PT ter alcançado o poder do Estado, com a eleição de Lula. As ilusões no reformismo foram atingidas, mas não extintas. A casta burocrática, que controla os sindicatos e centrais, ainda funciona como um poderoso freio à luta de classes, à encarnação pelas massas de um programa de reivindicações próprio, e à organização independente de toda influência burguesa. É esse freio que impediu o proletariado de se colocar à frente da maioria oprimida, em defesa dos empregos, que vêm sendo destruídos maciçamente, desde a recessão de 2015-2016. Somente no ano passado, 5,5 mil fábricas fecharam as portas. Estima-se que, desde 2015, o número de fábricas encerradas foi de 36,6 mil. Onde estavam os sindicatos? Onde estavam as centrais? Estavam de costas para os trabalhadores, negociando demissões com o patronato. Essa trajetória pesa decisivamente na desconfiança dos explorados em relação aos seus sindicatos, os leva à procura individual das indenizações, e ao “salve-se quem puder”.
Essa experiência trágica, querendo ou não, é a base para se constituir uma direção classista e revolucionária no seio do proletariado. No momento, é imprescindível fazer uma campanha firme e ampla, em defesa da ocupação de fábricas, constituição do controle operário da produção, expropriação e estatização sem indenização das fábricas que fecham. Lutar por verdadeiras assembleias democráticas. Constituir comitês de base, que unifiquem empregados e desempregados. Convocar as plenárias sindicais, que fortaleçam a vanguarda e sirvam de instrumento de ação coletiva. Organizar as manifestações de rua e os bloqueios. Convocar imediatamente um primeiro dia nacional de luta, contra o fechamento de fábricas, empregos, salários e saúde pública.
É com esse movimento que a classe operária e demais explorados também poderão responder com uma política própria à barbárie capitalista evidenciada pela pandemia. Toda força à bandeira de ocupação de fábrica, controle operário e estatização sem indenização.