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13 fev 2021
Mudar de orientação e método, para que o boicote seja vitorioso
13 de fevereiro de 2021
A primeira semana da “greve sanitária” (que na verdade é um boicote individual e passivo, contra a decisão de Doria de impor um calendário de retorno às aulas, desconsiderando qualquer participação da Apeoesp) precisa sofrer uma mudança de orientação política e de método, para sair vitoriosa.
Nesses primeiros dias, o governo não conseguiu levar adiante o seu plano de normalização gradativa, começando com 35% dos alunos. Isso por que apenas 5% compareceram. Quanto aos professores, o acatamento à “greve sanitária” foi de 15%, o que indicou a desorganização coletiva. Esses números, ainda que iniciais e provisórios, mostram que há uma dissintonia entre professores e estudantes. O boicote por parte dos professores (“greve sanitária”), que deveria ser massivo, não se configurou, recaindo aos pais e estudantes a responsabilidade da vitória inicial do movimento. A decisão da assembleia virtual foi de que os professores, individualmente, fizessem um requerimento aos diretores de escolas justificando sua adesão, e se colocassem por realizar as aulas remotas, o que significava entrar em contato com os alunos para iniciar esse trabalho.
O governo, por sua vez, ameaçou com o corte de ponto aos que aderissem à “greve sanitária”. Assim, contou e conta com o poder de pressão sobre os trabalhadores da educação, que se acham divididos entre os que terão de permanecer em casa (grupo de risco), e os aptos a voltarem ao trabalho; entre os efetivos e os contratados; entre os que se colocaram pela “greve sanitária” e foram para casa e os que permaneceram nas escolas. Os professores do grupo de risco, por essa condição, obrigatoriamente ficaram à margem da “greve sanitária”. A tentativa de obter uma declaração de solidariedade foi em vão. Aqueles que permaneceram nas escolas ficaram na dependência da campanha de que os pais não enviassem seus filhos para as aulas presenciais. E os que se colocaram no trabalho remoto ficaram isolados em casa, sob intensa pressão.
O secretário da Educação, Rossielli, se precavendo de uma possível “greve sanitária”, em janeiro, abriu cadastro de contratação para 10 mil professores temporários. Essa massa de professores temporários, certamente, será usada, caso necessite quebrar o boicote dos professores. Como os pais e alunos não acataram o chamado do governo, a manobra política do secretário se inviabilizou. Portanto, caso os professores não massifiquem o boicote, a minoria que está na linha de frente ficará isolada, contando apenas com o boicote de pais e alunos. O governo sentiu a estocada vinda da pequeníssima presença de estudantes. Nos próximos dias, irá fortalecer sua campanha junto à população, que continua temerosa com a retomada do alto índice de contaminação e mortes.
Agora, diante da baixa adesão à “greve sanitária” (15%), a direção da Apeoesp e as correntes, em uma nova assembleia virtual, aprovaram o retorno dos professores às suas escolas, para “convencer” os que ali permaneceram a aderirem ao boicote. E constituírem “comitês de vigilância por grupos de escolas”, junto com pais e alunos, para fiscalizarem e denunciarem as condições físicas das unidades escolares. Decidiram, também, os “atos simbólicos” na Secretaria da Educação e no Palácio do Governo, ou seja, sem organizar o movimento coletivo dos professores. Portanto, atos de representantes sindicais e correntes políticas. Aposta, nesta semana, que, com a adesão de professores municipais, o boicote venha a crescer. No caso dos professores municipais, o Sinpeem seguiu a mesma orientação de decisões virtuais, e também conta com o temor dos pais, para não enviar as crianças às escolas, a partir do dia 15 de fevereiro.
Doria e Covas sabem que a sua hipócrita adesão à política burguesa do isolamento social, ditada pela OMS, fracassou. De forma que só resta determinar a volta das atividades escolares e universitárias. O restante da economia quase se normalizou. As tentativas de limitar alguns setores acabam sendo temporárias. O quadro geral é de que a política burguesa do isolamento social foi recolhida. O empenho para que as escolas voltem à normalidade responde ao quadro geral de fracasso da política burguesa do isolamento social, e da nova etapa que se configura com a imunização, por meio da vacina. Ocorre que o país está nas mãos dos laboratórios, que exercem seu poder de monopólio, e retardam o processo de imunização. O plano dos governos, que estabelece uma escala de prioridades, está na contramão da vacinação universal. A posição da Apeoesp, de só voltar ao trabalho após a vacinação dos professores, assinalou ao governo Doria que deveria encaixá-los na escala de prioridades. Está claro que é mais um sintoma da resposta corporativa da direção sindical à questão da volta às aulas.
Os alinhamentos políticos já não se dão entre os governantes, que estavam pelo isolamento social, e os que não estavam. Agora, se dão entre os que querem a rápida vacinação e os que retardam. Em outras palavras, entre Doria e Bolsonaro, que se colocaram como antagonistas no centro da crise sanitária. Essa disputa interburguesa, em nenhum momento, favoreceu os explorados, pobres e miseráveis, que vêm arcando com as maiores consequências da pandemia e da quebra econômica.
Entretanto, as direções sindicais se alinharam a Doria, quando este protagonizava o isolamento social. A ruptura dessa aliança espúria ocorreu no momento em que Doria se colocou pela flexibilização do isolamento, mas, principalmente, na prática, quando atingiu o professorado. O argumento de que a “educação não é atividade econômica e não pode ser tratada da mesma forma”, como foi proferido pelo presidente do Sinpeem, Cláudio Fonseca, expõe o nervo dos erros da política desenvolvida pela burocracia sindical. Se a educação pública não se confunde com as fábricas, comércio e serviço, no entanto, está entrelaçada a todas as atividades econômicas. E a educação privada se configura como um serviço.
O importante não é a impropriedade dessa suposta tese, mas sim o uso dela para afirmar que a educação pode ser tratada distintamente no interior da crise pandêmica, como se não tivesse reflexo econômico. Esse argumento serve para defender a quebra do isolamento social nas atividades econômicas, mas não nas atividades educacionais. Eis por que a “greve sanitária” (boicote) circunscrita à educação, quando a imensa maioria da população trabalha ou labuta no subemprego, é uma resposta corporativa às consequências da pandemia. É no fundamento burocrático-corporativo que se encontra a debilidade do justo boicote à decisão do governo de retorno às aulas, quando a pandemia continua se espalhando entre a população, e em toda parte do país.
O problema está, não no método do boicote e na sua justeza, mas sim na política e na forma corporativa-burocrática que o condiciona. Ocorre que as direções sindicais, os reformistas, e mesmo a esquerda que se diz socialista, não foram capazes de combater a política burguesa do isolamento social e, agora, pretendem defender apenas os trabalhadores da educação, utilizando-se de assembleias virtuais e decisões burocráticas, fazendo com que a “greve sanitária” (boicote) se assente sobre a vontade individual, e não coletiva. Chegou-se a essa situação dramática, porque as direções sindicais e as forças políticas a elas ligadas não travaram o combate à crise pandêmica e econômica, sob um programa próprio da classe operária e demais explorados, e com uma linha unificada de independência de classe. Permitiram que o governo federal e governadores se digladiassem, enganando as massas, de uma maneira ou de outra, e, ao mesmo tempo, se unissem em torno ao plano de emergência burguês. Sob a sombra do miserável auxílio emergencial, os governantes e a burguesia impuseram a MP 936, e permitiram que demitissem em massa.
Como se vê, operários, trabalhadores do comércio, serviços, educação e agricultura ficaram à mercê do resultado da política burguesa do isolamento social. Os governantes manejaram livremente as medidas que, antes de tudo, protegiam o capital, ludibriando os pobres e miseráveis com migalhas, e sacrificando empregos e salários. Os sindicatos fecharam suas portas, em nome do isolamento social. As centrais sindicais permaneceram o tempo todo correndo atrás de parlamentares. As direções sindicais se submeteram à MP 936. Recorreram às assembleias virtuais para fajutar acordos, que atentavam contra as condições de trabalho dos assalariados.
A recusa de convocar as assembleias presenciais e organizar movimento coletivo refletiu a capitulação das direções, diante da política burguesa do isolamento social. Como iriam convocar assembleias, se estavam defendendo que todos ficassem em casa, como determinavam os governos? Como iriam fazer manifestações de rua, se seriam acusados pelos governos de promoverem aglomerações? Assim, refugiaram-se no mundo virtual, do individualismo, da fragmentação e da passividade. Ao mesmo tempo, viraram as costas para milhões, que estavam obrigados a trabalhar e a se aglomerar nos transportes coletivos. Admitiram a divisão determinada pelos governos, de quem iria ficar em casa e quem iria enfrentar a contaminação.
Assim que se esgotou o isolamento social parcial, e os governos empurraram todos para o trabalho, à exceção dos professores, os burocratas sindicais continuaram submersos em seu próprio isolamento. No entanto, greves ocorreram e assembleias presenciais foram convocadas em plena pandemia, a exemplo dos Correios e Renault. Agora, no exato momento em que a pandemia recrudesce, os operários da Ford estão obrigados a realizar assembleias presenciais, e a sustentar uma vigília na frente da fábrica. Como se vê, não se enfrenta a pandemia, submetendo-se à política burguesa do isolamento social, que anula as lutas coletivas de trabalhadores.
A renúncia aos métodos próprios e à democracia operária desarmou, ideológica, política e organizativamente a classe operária e demais explorados. A admissão dos métodos alheios à luta de classes resultou em apoio à política burguesa do isolamento social. Sem se levar em conta esse processo, e sem submetê-lo a uma severa crítica política, não se entende por que os professores acabaram ficando sozinhos no isolamento social e, agora, se confrontam sozinhos com os riscos da pandemia, quando quase todos os trabalhadores, há tempo, vêm se expondo, sem que os seus sindicatos se mostrassem capazes de organizar a luta para defendê-los.
As condições de tamanha opressão têm tudo para provocar uma gigantesca convulsão social. Mas, ainda impera o medo, a passividade e a ausência de confiança entre as massas. Isso se deve, não apenas à virulência da pandemia, mas, sobretudo, à ausência de uma direção que se coloque à altura das tarefas de um momento tão violento na vida da maioria oprimida. O governo de São Paulo conta a seu favor justamente com os impotentes métodos virtuais.
Ainda que as condições sociais sejam adversas à mudança de orientação política e método, para defender os professores dos riscos da pandemia, não há outra via para derrotar o governo, a não ser a organização coletiva e a democracia das assembleias presenciais. A Apeoesp, Sinpeem e demais sindicatos de professores devem convocar as assembleias presenciais, discutir francamente a mudança de orientação, e romper com o nefasto corporativismo. Somente assim, será possível organizar a vanguarda, para impulsionar o boicote de professores, pais e alunos. Somente um movimento que ganhe as ruas é capaz de erguer a bandeira de unidade de todos os explorados em torno ao programa de emergência, que unifique a luta pelos empregos e salários com a luta pela vacinação universal, a começar pelos bairros pobres e miseráveis, com a luta pelas condições hospitalares voltadas aos que mais necessitam, e com a luta pelo fim do desastroso ensino a distância.