-
15 fev 2021
Se as direções sindicais continuarem com a política conciliadora, a Ford acabará impondo suas condições
15 de fevereiro de 2021
Há um mês que os metalúrgicos das fábricas de Camaçari e Taubaté mantêm a vigília, para que o maquinário não seja retirado. O mesmo não se passa na fábrica de Horizonte, porque os metalúrgicos estão trabalhando, tendo garantido os empregos até dezembro, data estipulada para o encerramento da produção do jipe Troller.
A montadora norte-americana reservou um fundo de indenização para fornecedores, concessionárias e trabalhadores. A parcela destinada aos capitalistas assegurará o cumprimento de acordos comerciais. A dos trabalhadores indenizará as demissões. Os capitalistas continuarão com suas atividades e seus lucros. E os trabalhadores arcarão com o desemprego, muitos deles terão de recorrer ao subemprego. Eis por que os sindicatos deveriam se unir e organizar um só movimento contra o fechamento da Ford e a rejeição das indenizações.
Uma posição clara e firme pelo não fechamento da empresa obrigaria as direções sindicais a travarem uma luta política em várias frentes: 1) contra a medida de fechamento da Ford; 2) contra a passividade das centrais sindicais; 3) contra as manobras diversionistas de parlamentares; 4) contra o acobertamento da multinacional por parte dos governantes. Essas frentes são distintas. Quanto às centrais sindicais, os três sindicatos unidos deveriam exigir uma mobilização nacional, organizando a luta operária e popular em defesa dos empregos. Quanto aos parlamentares, que se dizem solidários com os metalúrgicos, a exigência seria a de que utilizassem o parlamento para denunciar o saque realizado pela montadora e o ataque à classe operária e à economia nacional, com o fechamento de suas fábricas. Quanto aos governadores e governo federal, cabia aos sindicatos exigir que acatassem as reivindicações do movimento. Para isso, os três sindicatos unidos teriam de levantar a bandeira que corresponde ao não fechamento, que é a da expropriação e estatização da Ford sem indenização. Se a matriz decidiu abandonar o país, que não leve consigo a propriedade privada dos meios de produção. Será nacionalizada, por meio da estatização.
Não há como travar um combate tão frontal ao capital imperialista, sem que a classe operária se mobilize local, regional e nacionalmente. A primeira atitude de confronto seria a de ocupação das fábricas da Ford, assim que os operários e sindicatos receberam a notificação do fechamento. Essa medida estava à altura do ataque frontal da Ford aos empregos e à economia nacional. Dependia, no entanto, de uma direção classista, que como tal não teria nenhum vínculo de subordinação à multinacional e não temesse violar o direito burguês de propriedade. Na ausência dessa direção, os operários não puderam expor sua disposição de luta, sua coesão e sua consciência de classe. Acataram passivamente a orientação de deixar a fábrica e externamente instalar a vigília.
A errônea orientação e a passividade dos operários permitiram que a Ford ficasse livre, para impor o curso das negociações, objetivando as indenizações. A ocupação das fábricas e a bandeira de estatização sem indenização obrigariam as centrais sindicais a terem um posicionamento contra ou a favor, ainda que inicialmente em palavras. Os parlamentares que se dizem favoráveis à nacionalização, em palavras, se deparariam com a luta concreta pela estatização. Abriria no Congresso Nacional a discussão sobre a ocupação e a estatização. E os governantes teriam de condenar a ocupação – certamente fariam isso, uma vez que suas políticas dependem da defesa da propriedade privada dos meios de produção.
O fato dos três sindicatos serem dirigidos por três centrais, que se rivalizam (CUT, CTB e Força Sindical) na disputa aparelhista, impediu que o movimento tivesse um só comando, resposta e campanha. O sindicato de Camaçari (CTB/PCdoB) assumiu claramente a posição de negociar a indenização, nas palavras de seu presidente, Júlio Bonfim, “dar uma reparação financeira aos trabalhadores”. O sindicato de Taubaté (CUT/PT), em discurso, se colocou pela “reversão das demissões”, mas nos fatos tem sido empurrado para negociar a indenização. O sindicato de Horizonte (Força Sindical/Solidariedade), simplesmente aguarda o desfecho. Essa fragmentação, fruto do divisionismo burocrático e da política de conciliação de classes, serviu aos interesses da multinacional durante anos e, agora, se mostra ainda mais perniciosa diante da necessidade de impedir o fechamento das fábricas.
As direções sindicais auxiliaram a montadora a impor aos operários as medidas de demissão (PDV) e redução salarial, sob o argumento de que assim a Ford continuaria suas atividades no Brasil. Somente em Taubaté, a planta de motores chegou a ter 2.300 operários na linha de montagem, caindo para 830 empregos diretos. A política de colaboração com as multinacionais – em particular com a Ford –, durante anos a fio, desarmou organizativa, ideológica e politicamente a classe operária. É o que explica o esmagamento das tendências instintivas de revolta do proletariado e a atitude passiva diante da violenta medida de fechamento das fábricas e demissão em massa. Explica, também, a impotência das direções em mobilizar os demitidos e impulsionar um movimento geral de defesa dos empregos. Não podendo se apoiar na própria capacidade de luta da classe operária, os burocratas se veem na dependência de parlamentares, governadores e prefeitos. Assim, reforçam a ilusão de que haverá um desfecho favorável aos metalúrgicos. Os politiqueiros da burguesia jogam com a moeda da transferência da Ford para outra empresa. Dizem que confabulam com países, que possam ter interesse na aquisição da Ford. Oferecem as mesmas vantagens fiscais. Essa conduta não faz senão expor o servilismo dos governantes ao capital imperialista. Parlamentares do PT e PCdoB, principalmente, vestiram a casaca da nacionalização da empresa, apenas para ter um discurso choroso. Nada disso teve qualquer reflexo na decisão da multinacional.
Enquanto isso, corre na Justiça do Trabalho o velho trâmite das liminares. No dia 5 de fevereiro, as direções se mostraram exultantes, pelo fato de terem obtido, na Bahia e em São Paulo, a liminar contra demissões durante o período em que transcorrem as negociações. No dia 12, a mesma Justiça do Trabalho derrubou a liminar e deu causa à Ford. Bastou que alegasse a existência de uma “greve ilegal”. O absurdo é visível. A empresa, que trancou os portões e colocou os operários na rua, decretando o seu fechamento, depois descobriu que precisava de mais um mês de produção, para cumprir seus contratos com o mercado, então, reconvocou um grupo dos demitidos para trabalhar. As assembleias de Camaçari e Taubaté aprovaram o não acatamento, como medida de defesa do movimento. Com o fechamento, a Ford descumpria um acordo de estabilidade, que vence em Taubaté no final de dezembro. No caso de Camaçari, o sindicato negociou um acordo de estabilidade que vence em 2024, atendendo à exigência da Ford de aceitação de demissões por meio do PDV. A justificativa de ilegalidade da greve não é apenas um atentado ao direito de greve (praticamente inexistente no Brasil), mas também à inteligência de qualquer pessoa de boa fé. No entanto, os juízes da burguesia atenderam aos interesses da montadora, fazendo o jogo de aprovação e reprovação das liminares.
A Justiça do Trabalho é um dos instrumentos utilizados pelo Estado para garantir a vontade dos capitalistas. Ainda assim essa justiça foi desmontada, como parte da reforma trabalhista e liquidação da CLT. As direções dos sindicatos sabem muito bem que, se já era ruim a Justiça do Trabalho, piorou ainda mais, por isso não se podia e não se pode colocar os interesses da classe operária nas mãos dos juízes da burguesia. Mesmo assim, alimentam a ilusão nos metalúrgicos demitidos de que é possível ter ao seu lado o Ministério Público do Trabalho e contar com a justeza das decisões judiciais. Essa conduta tão leviana, à luz dos fatos e da razão, resulta da política de conciliação de classes e do servilismo da burocracia ao grande capital. Não podendo se apoiar inteiramente nos interesses e na luta coletiva da classe operária, as direções têm de recorrer e se pendurar na Justiça e na política burguesa parlamentar. O que conduz à traição. Os metalúrgicos da Ford, a classe operária e demais explorados estão diante de uma das mais vergonhosas traições dos últimos tempos à luta contra as demissões e o desemprego. Ao negociarem as indenizações, as direções capitulam frente à multinacional e ao imperialismo. Traem não só as necessidades da classe operária como os interesses nacionais.
No transcurso de mais de um mês do anúncio do fechamento da Ford, duas linhas antagônicas estiveram objetivamente presentes: 1) a de aceitar o fechamento e obter em troca uma indenização; 2) não aceitar o fechamento e organizar a luta local, regional e nacional. A primeira, depende da Justiça do Trabalho. A segunda, dependia já de início de ocupar a fábrica, estabelecer o controle operário e erguer a bandeira de estatização sem indenização. Dizemos dependia, porque a burocracia conseguiu esmagar o instinto de revolta dos demitidos, como parte do esmagamento geral do instinto de revolta da classe operária, que vem sendo imposto pela política de conciliação de classes. O pedido da Ford para que um grupo de operários volte ao trabalho pode ser utilizado para organizar a ocupação, ainda que tardiamente e correndo o risco de estar contra o tempo. A decisão de não acatar não ajuda em nada a luta, uma vez que funciona apenas como pressão para a Ford negociar as indenizações, agora colocadas nas mãos da Justiça do Trabalho. Não se deve considerar a luta encerrada, até que o acordo seja concluído. Mas é preciso ter claro que a oportunidade de voltar à fábrica e ocupá-la talvez seja a última possibilidade que resta para evitar a traição e a derrota.
A vanguarda com consciência de classe – o Boletim Nossa Classe tem sido o seu porta-voz – tem o dever de manter o combate pela ocupação, controle operário, estatização sem indenização, convocação de assembleias gerais e organização pelas centrais de um movimento nacional contra as demissões e pelos empregos.
Não ao fechamento da Ford! Não à destruição de postos de trabalho! Não às demissões! Não ao desemprego! Não à pobreza e miséria!
Sim à ocupação da fábrica! Sim ao controle operário da produção! Sim à estatização sem indenização! Sim à convocação das assembleias gerais! Sim à organização de um movimento nacional pelos empregos e salários!