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17 fev 2021
Manifesto do Partido Operário Revolucionário
Abuso sem limites da Ford
Com a volta ao trabalho, ocupar as fábricas
17 de fevereiro de 2021
A Ford comunicou, no dia 11 de janeiro, que encerraria suas atividades no Brasil, e que estava realizando uma reestruturação na América do Sul. Os portões das fábricas foram fechados. Os sindicatos de Camaçari e Taubaté organizaram uma vigília de 24 horas, com o objetivo de não permitir a retirada do maquinário, e para manter a denúncia da violenta medida. A multinacional apresentou um fundo de US$ 4,1 bilhões para indenizar fornecedores, concessionárias e trabalhadores. No caso da planta do município de Horizonte/CE, determinou o fechamento em dezembro. A decisão passou por cima do acordo de estabilidade, obtido pelos sindicatos em contrapartida às concessões, como as demissões por meio de PDVs, e redução de salários. No transcurso de um mês, a multinacional norte-americana só fez pressionar os sindicatos para que se sujeitassem à indenização, calculada segundo o critério de interesse da empresa. Está aí, portanto, bem definido o fechamento das fábricas.
O conflito acabou sendo canalizado para a Justiça do Trabalho, por iniciativa dos sindicatos, para que não se efetuassem as demissões, enquanto não se chegasse a um acordo. Um dos juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, na Bahia, deu causa ao sindicato de Camaçari. O mesmo veio a ocorrer no estado de São Paulo – a juíza da 2ª Vara do Trabalho de Taubaté atendeu o pedido do sindicato. A Ford recorreu, e um desembargador do TRT-5 decidiu que a Ford tem o direito de demitir, independente das negociações coletivas. Ocorre que a montadora reconheceu que precisava do retorno de um grupo de metalúrgicos, para produzir peças de reposição, e cumprir seus compromissos com o mercado. As assembleias de ambos os sindicatos deliberaram que nenhum trabalhador atenderia ao chamado da empresa. Com a vitória na Justiça do Trabalho, a Ford fez a denúncia de que se tratava de uma greve ilegal. A diferença é que passou a convocar todos os operários.
A direção dos sindicatos decidiu mudar de posição e acatar a convocação da montadora. O presidente do sindicato de Camaçari, Júlio Bonfim, justificou a revogação da decisão anterior, com o seguinte argumento: “O sindicato sempre cumpre as ordens judiciais, se é para retornar, vamos retornar”. O sindicato de Taubaté seguiu a mesma linha. Espera-se que o Tribunal da Justiça do Trabalho venha a acertar um acordo, que estabeleça a quantidade de operários que irá produzir as peças de reposição. O que indica que vai prevalecer a necessidade original da Ford. A direção de Camaçari se contentou em ter a possibilidade de negociar o retorno ao trabalho. A solução dessa pendência só está indicando que a Ford administra as condições finais de encerramento de suas atividades. Dentro de algumas semanas, as peças de reposição serão entregues ao mercado, e um acordo de indenização terá sido ministrado pela justiça patronal.
A volta ao trabalho somente tem sentido, se for para ocupar as fábricas, estabelecer o controle operário da produção, e levantar a bandeira da estatização sem indenização. Essa é a posição defendida pelo Boletim Nossa Classe, desde o início da luta dos metalúrgicos contra o fechamento da Ford. As direções sindicais caminharam no sentido contrário. Aceitaram a evacuação das fábricas, e passaram a fazer pressões parlamentares e judiciais, objetivando um acordo de indenização negociado. As centrais sindicais – CUT, CTB e Força Sindical –, cujos sindicatos a elas estão filiados, não mexeram uma palha para organizar um movimento centralizado contra o fechamento. No lugar de organizarem a resistência em todo o país, passaram a fazer proselitismo, em torno à discussão sobre a desindustrialização e a ausência de uma política nacional de desenvolvimento industrial.
Porta-vozes da CUT chegaram a se referir à nacionalização da Ford, buscando amparo na Constituição, nas leis internacionais do trabalho e nos direitos humanos. Assim, expuseram a impostura do reformismo, e a sua impotência diante do capital monopolista. A expropriação e estatização da Ford somente pode ser levada adiante com a luta organizada do proletariado, que não se atém à propriedade privada dos meios de produção, à Constituição e às leis burguesas. O problema está em que carece de uma direção classista e revolucionária. As direções sindicais, burocratizadas e vinculadas à impotência do reformismo, impossibilitaram que os operários da Ford dessem um passo nesse sentido. A impostura se evidencia diante de uma central que fala em nacionalização, e de direções sindicais que negociam as indenizações. Não se trata de uma simples incoerência, mas de duas faces da política de conciliação de classes, desenvolvida e consolidada nas últimas décadas. A justificativa de Bonfim de que o sindicato acata a decisão da Justiça do Trabalho dá a dimensão precisa da subserviência às leis da burguesia, cujo fundamento é o de proteger a propriedade privada dos meios de produção, e condenar a luta de classes dos explorados contra os exploradores.
A volta ao trabalho sem ocupar as fábricas resultará em finalização do fechamento da Ford, sob as condições ditadas pela multinacional e pela Justiça do Trabalho. Desgraçadamente, a desorganização da classe operária e o seu rígido controle pelas direções burocráticas impediram que o instinto de revolta aflorasse e se chocasse com a diretriz capituladora das direções. Situação que também expõe a ausência de uma fração revolucionária estruturada no seio do proletariado. Na ausência da fração classista, se torna infinitamente mais difícil que o destacamento operário descontente com a política da burocracia sindical se rebele nas assembleias, e evite a liquidação do débil movimento de resistência ao fechamento das fábricas.
Tudo indica que o retorno provisório ao trabalho é uma oportunidade ímpar para se realizar uma mudança de orientação. Não estando fora da fábrica, os metalúrgicos retomam o seu lugar na produção social, podendo lutar pelo não fechamento com a fábrica ocupada. Para isso, no entanto, teriam de romper com a direção, que está levando a resistência para as indenizações. A Ford está tranquila quanto a isso, sabendo que conseguiu, durante anos, manter as direções sindicais subordinadas a seus interesses. Conta justamente com a política sindical que acata a Justiça do Trabalho como árbitro do choque entre capital e trabalho.
Salta à vista a adaptação do sindicalismo de esquerda – CSP-Conlutas –, que se ateve em palavras à bandeira da estatização da Ford, negando-se a orientar o combate para a ocupação da fábrica e seu controle operário. Essa inércia contribuiu para que não desencadeassem atritos, conflitos e cisões em torno à condução dada pelas direções dos sindicatos de Camaçari, Taubaté e Horizonte. Uma intervenção classista da Conlutas, sem dúvida, potenciaria a defesa da estatização, assentada na ocupação e controle operário da produção.
O tempo é muito importante na luta de classes. Ao se desperdiçar a melhor oportunidade de ocupar as fábricas, no momento em que a Ford anunciou o encerramento de suas atividades no país, os sindicatos e movimento de resistência refletiram a debilidade fatal para a vitória contra o fechamento. No momento em que a Ford impõe judicialmente o retorno ao trabalho, e as direções acatam, esperando obter uma melhor posição nas negociações em torno às indenizações, é dado o passo definitivo da derrota. Se, em 11 de janeiro, a ocupação era decisiva para organizar um amplo movimento contra o fechamento da Ford, agora, a ocupação é o último trunfo dos metalúrgicos para evitar a derrota iminente.
O Boletim Nossa Classe nunca deixou de travar o combate pela vitória dos metalúrgicos e da classe operária. De maneira que defende junto aos metalúrgicos e sindicatos que não desperdicem a oportunidade de ocupar as fábricas, e abrir caminho para a bandeira da estatização sem indenização da Ford.