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19 fev 2021
A Ford impõe suas condições
Sindicatos acatam, indicando o fim da resistência
19 de fevereiro de 2021
A ilusão de que a Justiça do Trabalho favoreceria o pleito dos metalúrgicos da Ford durou pouco. A mesma justiça que decidiu que a multinacional não poderia demitir, enquanto houvesse negociação em torno ao fechamento da empresa, deu causa final ao capital. A decisão das assembleias metalúrgicas, de não acatar o chamado da Ford, para que um grupo de operários retornasse provisoriamente ao trabalho, foi taxada de “greve ilegal”. As direções sindicais, que gritaram vitória com a liminar de juízes do Tribunal Regional do Trabalho, logo em seguida, baixaram a cabeça e passaram a acertar com a Ford a sua exigência. Pretendiam que todos retornassem à produção. Da intenção ao fato, pode existir uma grande distância. O ultimato da Ford, amparado por decisão judicial, imperou. Da suposta vitória inicial à derrota real, resultou em desmoralização da deliberação das assembleias de Camaçari e Taubaté, que era de não acatar.
Em nome da “dignidade e do respeito”, que a Ford faltou com os trabalhadores, as direções refizeram a posição anterior, e prometeram aos operários que acatavam o pedido da Ford, devido à abertura de uma negociação de “igual para igual”. Ou seja, os negociadores da empresa haviam concordado que o sindicato participasse do retorno, na condição de vigilantes. Os dirigentes do sindicato de Taubaté foram enfáticos em dizer que a luta, até aquele momento, tinha resgatado a “dignidade”, e que, graças a isso, se iniciava um “processo num patamar mais igualitário”, e assim se podia sentar à “mesa num patamar de respeito”. Disseram aos operários que, se a Ford quiser “uma discussão honesta, baseada no respeito, a gente vai ter; caso contrário, não vai merecer nosso respeito”.
O palavreado de respeito, honestidade e igualdade entre as partes serviu como uma nuvem de fumaça, para acobertar a verdade dos fatos. A direção do movimento de resistência não podia fazer outra coisa a não ser baixar a cabeça, perante o arbítrio do desembargador, que colocou os interesses e o poder do capital acima dos trabalhadores, desarmados de seus principais recursos de luta. No momento em que os sindicatos se escoraram no Ministério Público do Trabalho e recorreram à Justiça do Trabalho, colocaram o pescoço do movimento na guilhotina.
A Ford contou com a política de conciliação de classes das direções sindicais para que não se erguesse um poderoso movimento contra o fechamento e a destruição dos postos de trabalho. A resistência baseada em vigílias passivas, atos religiosos, carreatas, discursos virtuais, e demagogia de governadores e parlamentares estava fadada ao fracasso. A política de ganhar a “atenção pública”, choramingando “dignidade e respeito”, mostrando-se pacíficos e ordeiros, foi a argamassa de barro sobre a qual se constituiu a luta contra o fechamento da Ford. Os capitalistas não se guiam por nenhum moralismo pequeno-burguês, para tomar a decisão de trancar as portas das fábricas e demitir milhares de trabalhadores. A sua moral está assentada no lucro. A moral do proletariado é exatamente oposta e contraditória à moral dos capitalistas: baseia-se nas necessidades imperiosas da luta de classes. O moralismo pequeno-burguês e hipócrita das direções burocráticas serve à moral dos capitalistas. Sua função é a de represar e esmagar o instinto de revolta dos operários. Mas não é o moralismo pequeno-burguês em si que exerce tal capacidade. É a ação concreta das direções, que desvia a revolta para a política de conciliação de classes, cujos métodos são extraídos da política burguesa e pequeno-burguesa, introduzidas e consolidadas nos sindicatos, na forma de burocratização e eliminação da democracia proletária.
Os métodos e os meios utilizados pelas direções na luta contra o fechamento da Ford estiveram na dependência da política burguesa parlamentar, e no objetivo de ganhar a simpatia da opinião pública da classe média. Na assembleia do dia 18, o dirigente sindical insistiu que a luta não deve ser vista como dos “malucos do sindicato”, dos “vermelhinhos, que são os revolucionários que querem acabar com o país, como a elite fala”. “Enquanto a opinião pública estiver do nosso lado, nós temos uma força de sobrevida a mais para continuar. A partir do momento em que a opinião pública nos colocar num patamar inconsequente, de malfeitores, nós estamos indo para a derrota do nosso movimento”. Ocorre exatamente o contrário do que diz o dirigente: quanto mais a luta depender dos valores e do que pensa a pequena burguesia, mais fraco o movimento fica, e caminha para a derrota. A classe operária, em hipótese alguma, pode sujeitar o método da luta de classes ao que pensam a burguesia e a pequena burguesia.
O problema fundamental está em que os metalúrgicos da Ford tinham de agir prontamente com a ocupação da fábrica, e lutar para que os demais sindicatos da classe operária e dos demais trabalhadores saíssem em defesa dos empregos e contra o fechamento. Um poderoso movimento de denúncia da multinacional imperialista, de defesa da força de trabalho e da economia nacional ganharia as camadas mais oprimidas e sofridas da pequena burguesia. Evidentemente, teria de combater frontalmente os governos e os capitalistas, que atacariam a violação da propriedade privada dos meios de produção, que, para os exploradores, é sagrada. E teria de ganhar uma parte da pequena burguesia para a luta organizada, separando-a de suas camadas reacionárias. Esse é o caminho da luta classista para vencer, que, desgraçadamente, foi rejeitado e substituído pelos métodos da política de conciliação de classes. Eis por que foi inculcado nos operários que a ocupação da fábrica resultaria em “baderna”. Essa palavra acabou sendo espalhada silenciosamente, na medida em que o Boletim Nossa Classe/POR firmou sua campanha em torno às bandeiras – ocupar a fábrica, estabelecer o controle operário da produção, e exigir do governo a estatização sem indenização da Ford, bem como convocar as assembleias gerais e realizar uma campanha nacional de luta contra o fechamento de fábricas, demissões e desemprego. A Ford somente seria atingida, se a propriedade privada dos meios de produção fosse violada com a ocupação e o controle operário.
Os operários, em silêncio, ouviram o discurso moralista e triunfalista da direção do sindicato de Taubaté. Certamente, não entenderam a fala cifrada de que o sindicato não era “vermelhinho” e “revolucionário”. Como na assembleia nada se discute, apenas se ouve, o discurso preparado da direção não tinha como ser entendido pelos operários, de que o dirigente se referia ao Boletim Nossa Classe.
Sob o envolvimento ideológico da assembleia, com a ideia de que o sindicato ganhava respeito da Ford, e que então se tornava possível uma negociação entre iguais, foram aprovadas a volta ao trabalho e a dissolução da vigília. Diante dessa mudança, o dirigente procurou animar os presentes, dizendo que “nossa luta não está acabando, nós estamos fazendo uma pausa estratégica na nossa mobilização para entender até onde nós podemos chegar”. É de difícil compreensão, o que quer dizer “pausa estratégica das vigílias”. Provavelmente, o dirigente se referia a um possível fracasso das negociações e que, portanto, se voltaria às vigílias. Ocorre que não há nenhuma possibilidade de, na mesa de negociação com os executivos da matriz norte-americana (CEO da Ford mundial), recuperar os empregos. O que a direção espera é obter um acordo de indenização, que dê a impressão aos operários de que foi uma conquista. A direção afirmou que a conversa com os altos executivos abre a possibilidade de o sindicato “levar propostas concretas de alternativa para reverter o fechamento das fábricas”. Os operários, assim, devem confiar que a esperança está na fé de seus dirigentes.
O que se pode esperar da “pausa estratégica” da direção sindical? O que ocorrerá com as “propostas concretas do sindicato”, que ninguém sabe quais são? O que se passará com a conversa com o CEO da Ford, que será sigilosa? O mais provável é que tudo isso acabe em um acordo de indenização. Pode ser que se torne mais difícil para os metalúrgicos, que estão prestes a perderem os empregos. Pode ocorrer idas e vindas nas negociatas, mas não há como não reconhecer que as direções sindicais jogaram uma pá de cal na resistência, no momento em que aceitaram a volta ao trabalho, sem orientar a luta para a ocupação das fábricas, e sem abandonar os métodos da política de conciliação de classes. Assim se passou com o fechamento da planta da Ford em São Bernardo do Campo, em 2019.
Confirmada essa indesejada previsão, será mais uma derrota da classe operária. Derrota, cuja responsabilidade recai inteiramente sobre as direções burocráticas e traidoras. Não somente as vitórias trazem lições. As derrotas têm muito a ensinar.
O fechamento da Ford agrava o desemprego e potencia o subemprego. O ano que adentra é de continuidade da crise econômica. A burguesia e seu governo mantêm a linha de ataque frontal às condições de trabalho e existência da maioria oprimida. A burocracia sindical vem acumulando traições. O proletariado e os demais explorados não podem aguentar por mais tempo o desemprego, pobreza, miséria e fome. Objetivamente, vêm à tona as reivindicações que unificam os explorados. A necessidade de luta unificada está posta, e, com ela, os métodos da ação direta e a organização independente do proletariado. Na luta contra o fechamento da Ford, aflorou o programa de ocupação dos monopólios, controle operário, expropriação e estatização sem indenização, e abertura de seus livros caixa. A defesa desse programa se ergue como vitória política entre os escombros da derrota, embora as condições organizativas não tenham permitido que fosse encarnado pelos metalúrgicos. Trata-se da vanguarda com consciência de classe continuar lutando por esse programa.