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02 mar 2021
De joelhos, as direções sindicais acatam o fechamento da Ford
Cabe à vanguarda classista manter no alto a bandeira da luta contra o fechamento de fábricas e em defesa dos empregos
1 de março de 2021
O presidente do Sindicato Metalúrgico de Camaçari, Júlio Bonfim, foi sincero, ao não esconder que se ajoelhou diante da montadora norte-americana. Desde o início, deixou claro que a sua tarefa era a de obter uma indenização, que levasse em consideração o acordo de estabilidade. As manobras políticas em torno a uma transação de venda da planta de Camaçari para uma outra empresa, mediada pelo governo petista, Rui Costa, se esvaziaram rapidamente. O sindicato convenceu os operários de que não havia nada mais a fazer, a não ser contar com a Justiça do Trabalho. E que, nesse sentido, poderia valer-se do Ministério Público. Legalmente, a Ford rompia o recente acordo de estabilidade no trabalho, que ia até 2024. Esse acordo havia sido cantado como uma boa solução, no caso em que a multinacional necessitasse demitir. Bonfim conduziu o conflito, convencendo a assembleia de que devia aceitar o PDV, obtendo em troca a tal da estabilidade. Assim, foram ceifadas centenas de postos de trabalho.
A política de negociar demissões e redução de salários não é de hoje. E vem ocorrendo em todas as montadoras. Tornou-se uma orientação comum entre as direções sindicais, sejam vinculadas à CUT, Força Sindical, CTB e CSP-Conlutas, a aceitação da flexibilização capitalista do trabalho. Em outras palavras, curvaram-se diante do capital monopolista, que se adaptava e se adapta à crise de superprodução, e à tendência de queda da taxa média de lucro, que se verificam em nível mundial, e se refletem drasticamente nas economias semicoloniais, como é o caso do Brasil. As formas de flexibilização capitalista do trabalho – como PDV, Banco de Horas, lay-off – foram adotadas entre os anos de 1997 e 2001. Como se vê, fizeram parte da ofensiva neoliberal do governo de Fernando Henrique Cardoso. Os sindicalistas reformistas (PT e PSOL), estalinistas (PCdoB) e centristas (PSTU) se diziam adversários frontais do neoliberalismo. No entanto, foram se adaptando às pressões do capital monopolista, principalmente das montadoras. Chegou-se ao ponto de reconhecerem essas formas como a via de negociação sobre as demissões e quebra de direitos, e como se não houvesse outra forma para enfrentar o avanço da brutal exploração e da crise capitalista.
A indústria automotiva, ao longo do tempo, teve de reduzir a utilização da força de trabalho, em função das mudanças tecnológicas. De forma que impuseram significativas alterações na CLT. A flexibilização capitalista do trabalho, adotada por Fernando Henrique, abriu uma porta para a reforma trabalhista de Temer. Diminuiu a força de trabalho, e reduziu a média salarial. A terceirização, que se abriu ao chamado serviço essencial no governo Dilma, sobreveio como um golpe profundamente destrutivo das relações de trabalho. As direções sindicais seguiram esses passos do grande capital e da burguesia como um todo, como se fossem naturais e, portanto, não passíveis de resistência do movimento operário. É nesse marco que se iniciou um processo de fechamento massivo de fábricas, desde 2015. Assombra a conduta colaboracionista das direções, perante uma destruição tão grande de parte das forças produtivas, sem que se esboçassem respostas em defesa dos empregos e salários.
Em 2019, o fechamento da Ford em São Bernardo do Campo assinalou o início de uma reestruturação, provocada pela crise mundial de superprodução. A direção do Sindicato Metalúrgico do ABC evidenciou seus fortes laços de dependência política com as montadoras. As assembleias foram cercadas de todo o cuidado, para que não houvesse nenhuma manifestação de revolta coletiva dos operários demitidos. E conduziram a resistência passiva para o acordo de indenização. Acordo esse que a Ford já tinha estipulado seus valores. Não foi suficiente se desfazer de uma das plantas mais antigas da montadora. Em 11 de janeiro de 2021, a matriz decidiu pelo fechamento total de suas fábricas no Brasil. A direção do sindicato de Camaçari, vinculada à CTB/PCdoB, se espelhou na conduta da direção de São Bernardo, CUT/PT, procurando fazer menos rodeios em torno a uma solução que evitasse o fechamento, e logo foi à procura das indenizações, que deveriam incorporar a quebra do acordo de estabilidade.
O Sindicato de Taubaté fingiu se diferenciar dessa linha, convencendo as assembleias de que a resistência se concentrava em conseguir a reversão do fechamento da fábrica. O presidente do sindicato, Cláudio Batista, afirmou por várias vezes que não procurava indenizações. Os operários sabiam que não passava de palavreado, mas se encontravam anestesiados para enfrentar uma verdadeira batalha pelos postos de trabalho. Os inúmeros acordos de flexibilização capitalista do trabalho, ao longo dos anos, foram pisoteando o instinto de revolta dos operários, e minando a sua confiança na capacidade de reação coletiva, com os métodos próprios de luta. A farsa da “luta por reverter o fechamento” se desfez, na assembleia de 26 de fevereiro, quando os dirigentes anunciaram que a conversa com o presidente da Ford América do Sul, Lyle Watters, resultou na resposta taxativa de que não tinha intenção de produzir carros, motores ou transmissões no Brasil. Só restou, portanto, “a luta por uma indenização justa”.
A verdade é que não existe indenização justa, diante das demissões em massa. O que a direção sindical entende por justeza vai depender de um acordo de gaveta, já estabelecido na reunião do dia 25, com os executivos de Ford, ou então de um acordo sob a tutela da Justiça do Trabalho, uma vez que a resistência praticamente se dissolveu, no momento em que se aceitou a volta de uma parcela dos demitidos, para trabalhar por algum tempo, produzindo peças de reposição, e se suspendeu a vigília. É esperado que, durante o período em que uma parte dos metalúrgicos foi colocada na condição de licença remunerada, e outra tendo de ir ao trabalho, se resolvam as pendências entre a burocracia sindical e a multinacional.
A conversa do dia 25 fevereiro esteve condicionada, por exigência da Ford, ao sigilo. Evidentemente, os burocratas se valeram do “termo de sigilosidade”, para ocultar da assembleia o que tinham a oferecer à Ford, em troca do não fechamento da fábrica, ou então das indenizações. Segundo a direção do sindicato, foi apresentado um estudo, realizado pelo Dieese, “com alternativas para a Ford manter as atividades no país”. Tanto a reunião com os executivos deveria ser pública, como a proposta montada pelo Dieese deveria também ter sido apresentada e discutida na assembleia. Esse é um princípio do sindicalismo classista. A aceitação do “termo de sigilosidade” é próprio das direções burocráticas e conciliadoras. A transparência da relação entre a direção sindical e os capitalistas é obrigatória em qualquer luta em que estejam em confronto interesses opostos. O que teria o Dieese a oferecer à multinacional? É do interesse dos metalúrgicos demitidos e de toda a classe operária conhecer o seu teor e decidir sobre sua conveniência. É bem provável que tenha sido apresentado um plano de renúncia de direitos e de redução salarial. Essa hipótese é combatível com a trajetória dos acordos de flexibilização capitalista do trabalho.
O Sindicato dos Metalúrgicos de Horizonte, Ceará, filiado à Força Sindical, permaneceu à margem desse processo. Sabe que a montadora fixou o mês de dezembro, para encerrar a produção do jeep Troller. O governador, Camilo Santana (PT), fez o mesmo que o governador da Bahia. Para lavar as mãos, sondou grupos econômicos, se teriam interesse em adquirir a Ford. O jeep Troller surgiu da iniciativa de empresários cearenses, cujos êxitos não podiam ser mantidos frente aos monopólios da indústria automotiva. A Ford desnacionalizou a Troller. A transação esteve vinculada à montagem da fábrica de Camaçari, em um jogo que envolvia renúncias fiscais e subsídios milionários. Assim, a montadora aproveitou os bons momentos da economia, drenou lucros para a matriz norte-americana e, quando a crise mundial de superprodução a atingiu, abandonou o país, deixando para trás o rastro de demissão em massa. A direção sindical fez de conta que o que se passava em Taubaté e Camaçari não tinha nada a ver com Horizonte. A divisão dos metalúrgicos em três sindicatos e respectivas centrais foi utilizada pela Ford, para evitar um movimento centralizado e combativo.
Com a decisão da direção de Taubaté de negociar as indenizações, tudo se ajustou conforme a multinacional previa. Teria de ir à Justiça do Trabalho, acertar os ponteiros com a violação dos acordos de estabilidade, e arrastar pelo pescoço as direções sindicais a negociarem as indenizações. As manifestações de indignação, os discursos parlamentares sobre a prepotência da montadora de pegar todo mundo de calças curtas, o palavreado em torno à desindustrialização, os estudos do Dieese sobre as 118 mil demissões e as declarações da CUT sobre a “nacionalização”, não passaram de uma cortina de fumaça, sob a qual os burocratas sindicais conduziram os operários apáticos a colocarem o pescoço no pelourinho, armado pela Ford. O fato concreto é que, de joelhos, as direções acataram o fechamento da Ford.
O fechamento de qualquer fábrica e as demissões em massa são um problema que transcende o contingente de operários diretamente atingidos. Deixa de ser um problema circunstancial, local e isolado, para se tornar um problema da classe operária como um todo. O fechamento de postos de trabalho aumenta o gigantesco número de desempregados e subempregados. Enfraquece a força de trabalho, que move a produção, nas condições da propriedade privada dos meios de produção e exploração capitalistas. O corporativismo sindical estilhaça o proletariado e isola cada um em seus locais. Os explorados assistiram ao fatiamento dos operários da Ford e à imposição centralizada do capital imperialista, de decidir sobre a remoção de seus capitais para outras partes do mundo.
Ao contrário, a luta classista começava por unir os metalúrgicos e organizar uma campanha nacional pela estatização da Ford sem indenização. O primeiro passo classista era o de convocar as assembleias dos metalúrgicos em Camaçari, Taubaté e Horizonte, para pôr em pé uma resistência centralizada. A ocupação das fábricas da Ford e a imposição do controle operário abririam uma trincheira, que poderia ser defendida pelos metalúrgicos em geral e pela classe operária como um todo. Essa trincheira apontaria suas armas contra o fechamento de fábricas, demissões, desemprego e subemprego. A CUT, CTB e Força Sindical, diretamente envolvidas, tinham o dever de movimentar toda sua capacidade de mobilização e organização nacional, pela estatização sem indenização e apoio à ocupação das fábricas. Agiram em sentido contrário ao classismo proletário e revolucionário. A Ford tem muito a agradecer a essas direções corrompidas pela política burguesa. Já fizeram muito pela flexibilização capitalista do trabalho que, como se constatou, tem sido uma peça decisiva do capital imperialista. A probabilidade de outras fábricas da grande produção fecharem é grande.
O POR, com seu Boletim Nossa Classe, lutou para que os operários abrissem os olhos, para a impostura de suas direções e se rebelassem. O controle absoluto das assembleias, por parte da direção sindical, bloqueou a possibilidade de romper a orientação colaboracionista, que levava à derrota da resistência contra o fechamento. Objetivamente, a experiência indica que esse programa da classe operária, nas condições em que a crise estrutural do capitalismo resulta em destruição massiva de forças produtivas, emergiu diante do fechamento da Ford e continuará emergindo, como condição da luta operária pelos empregos e salários. Trata-se da vanguarda com consciência de classe continuar combatendo nesse terreno, sob a estratégia da revolução e ditadura proletárias.