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11 mar 2021
Declaração do Partido Operário Revolucionário
Significado da anulação da condenação do ex-presidente Lula
A tarefa da vanguarda com consciência de classe é a de lutar pela independência política do proletariado e demais explorados
10 de março de 2021
Em abril de 2018, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, negou o habeas corpus ao ex-presidente Lula, sob a ameaça do general Eduardo Villas Bôas, que se pronunciou em nome do Alto Comando das Forças Armadas. Esse mesmo ministro, que é relator da Lava Jato no STF, no dia 8 de março, portanto, quase três anos depois, decidiu pela anulação das condenações, determinadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba. A mudança do parecer de Fachin ocorreu pouco depois do general Villas Bôas ter confirmado, em um livro de memória, recém-publicado, que o seu pronunciamento contra o habeas corpus resultou de uma concordância do Alto Comando. Fachin, depois de ter baixado a cabeça diante dos dizeres da mensagem de Villas Bôas, há cerca de três anos atrás, respondeu que era inconcebível tal interferência no poder judiciário.
A decisão monocrática de anular as condenações de Lula causou surpresa generalizada. O general Villas Bôas, que ocupa um cargo no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI), desta vez, não teve como agir no sentido contrário. O Alto Comando preferiu não contestar, para não abrir um conflito institucional, na situação de agravamento da crise política. Coube ao general Eduardo José Barbosa, presidente do Clube Militar, divulgar uma nota, em que afirma: “lugar de ladrão é na cadeia”. Segundo o general, existe, no país e no mundo, uma “comunidade criminosa”, que festejaria “a vitória do banditismo”. Bolsonaro requentou as denúncias do “petrolão”, e denunciou que Fachin havia sido indicado pelo governo do PT ao STF. A grande imprensa chegou a qualificar de “chicana”.
O PT considerou a anulação das condenações como um atestado de inocência de Lula. Com nuances, os partidos de oposição à esquerda, avaliaram que se tratou de uma revisão judicial de uma perseguição política. A ultradireita militar se sentiu contrariada. Certamente irá pressionar para que a decisão de Fachin e a quase decisão da 2ª turma do STF, de tipificar de suspeição o ex-juiz Sérgio Moro, não vão até o ponto de dar uma carta de inocência a Lula, que implicaria uma carta de condenação ao ex-juiz e do grupo de procuradores da Lava Jato. Eis por que a direção do PT disse ter recebido a notícia com alegria, mas com cautela. Há o temor de que a manobra “técnica” de Fachin possa ser utilizada por um juiz federal de Brasília, para validar o processo e a condenação, levadas a cabo pela 13ª Vara de Curitiba. A melhor solução para o Judiciário seria a de pôr de lado o juiz e os procuradores de Curitiba, sem anular o processo e as decisões judiciais.
Tudo indica que a interpretação sobre o lance “técnico” de Fachin tem por objetivo salvar a Lava Jato, que se viu diante da suspeição concreta, com as revelações do The Intercept. A Operação “Spoofing”, movida pela Polícia Federal, prendeu os hackers. No entanto, o estrago já estava feito. As conversas entre o juiz, procuradores, membros da Polícia Federal e jornalistas, em torno às ações e formas de incriminar Lula, evidenciaram um complô político. O fato de envolver parlamentares e ministros do STF, considerados adversários da Lava Jato, expôs a amplitude do conluio maior do que o objetivo de condenar e prender Lula. Esse descuido foi fatal. Por sua vez, a revelação de que foram realizadas interceptações telefônicas clandestinas deu a Gilmar Mendes o argumento de que se tratava de prática criminosa. Essas ações subterrâneas do juiz e procuradores facilitaram ao STF liberar as revelações do The Intercept à defesa de Lula.
A sessão da 2ª turma do STF, do dia 9 de março, decidiu pelo julgamento sobre a parcialidade de Sérgio Moro. O voto favorável do ministro Gilmar Mendes se baseou em uma longa exposição sobre as violações praticadas pelo núcleo responsável pela Lava Jato. Concluiu pela responsabilização de Sérgio Moro, e o sentenciou a pagar os custos do processo. A essência da imputação se resume na frase de que não se pode corrigir um crime cometendo outro crime. O pedido de vistas do ministro Kassio Nunes Marques adiou a decisão. A exposição completa das artimanhas do juiz e procuradores, porém, foi mais do que suficiente para dar causa política a Lula. Os pronunciamentos de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski enterraram definitivamente a Lava Jato.
Os ministros não fizeram senão reconhecer judicialmente o que estava exposto, desde o início da abertura do processo contra Lula, em março de 2016, quando foi expedida por Moro a ordem de condução coercitiva e, em agosto, a denúncia, feita por Deltan Dallagnol, de corrupção. A condenação e prisão de Lula, em abril de 2018, sem provas, concluiu a operação política de desmonte do PT, e cassação dos direitos políticos de Lula, cinco meses antes das eleições presidenciais de 2018, que encerrariam a transição da ditadura civil de Temer, e elegeriam o franco atirador Jair Bolsonaro. A anulação da condenação de Lula por Fachin, e o encaminhamento favorável à suspeição de Moro, podem restituir o direito de Lula de ser candidato nas eleições presidenciais em 2022. É nessa possibilidade que reside o temor da decisão, inclusive de críticos da Lava Jato e do próprio governo Bolsonaro, como se reflete na imprensa monopolista. O impropério do Clube Militar, a retomada de acusações contra o ex-presidente pela imprensa, sem as devidas comprovações, e comentários de representantes do grande capital indicam que haverá uma grande pressão para que não se consolidem os direitos políticos de Lula.
O próprio discurso do petista, realizado no Sindicato Metalúrgico do ABC, em 10 de março, procurou arrefecer a resistência da burguesia, ao afirmar várias vezes que não guardava mágoa. E que tão somente exigia a suspeição de Moro. O agradecimento a figuras como o Papa, que teria confiado em sua inocência, ocupou um lugar de destaque na ideia de que se tratava apenas de reconhecer a verdade e a justiça. Lula é um orador sagaz, que se vale fartamente dos improvisos, mas que se esmerou em se projetar como oposição a Bolsonaro. Atacou o calcanhar de Aquiles do governo, que desdenhou a pandemia, e não esteve à altura de defender a população. Evitou qualquer menção aos generais, que sustentam Bolsonaro, e agiram em favor da perseguição ao PT e Lula. Criticou, em termos de comparação, que Bolsonaro quer liberar a compra de arma, quando deveria estar cuidando da compra de vacinas e do desemprego. E fez um gesto aos militares, dizendo que se trata de providenciar mais armas para as Forças Armadas e a polícia.
O problema fundamental para a burguesia, governo Bolsonaro e próprio PT não está em anular o fraudulento processo que levou à prisão de Lula, mas sim a sua habilitação a candidato presidencial. Bolsonaro vem tropeçando, de crise em crise. As forças partidárias oposicionistas, que incluem até mesmo partidos que estiveram com o bolsonarismo, e que romperam, já se movimentavam para constituir alinhamentos eleitorais. Entre os partidos considerados de esquerda do espectro da política burguesa, se discutia a possibilidade de uma frente ampla anti-Bolsonaro. Caso Lula conserve os direitos políticos, as articulações sofrerão mudanças. É sintomático que o caudilho Ciro Gomes, PDT, tenha se colocado a favor da anulação da condenação e, ao mesmo tempo, rejeitado um alinhamento sob a candidatura de Lula. Não há, no entanto, como desvincular a decisão de Fachin da recuperação dos direitos políticos e, consequentemente, da candidatura de Lula. Esse foi o sentido do pronunciamento do ex-presidente no Sindicato Metalúrgico.
Está mais ou menos definida a desautorização da Lava Jato, com o desmascaramento do ex-juiz e do grupo de procuradores de Curitiba. O que falta definir é se a Justiça Federal de Brasília permitirá a Lula a recuperação definitiva de seus direitos políticos. É nesse terreno que se travarão os embates no próximo período.
Não há dúvida de que se trata de uma bandeira democrática exigir o fim da condenação, a retomada integral dos direitos políticos, e a responsabilização dos implicados no complô da Lava Jato. Bandeira que não pode servir aos interesses eleitorais do PT, nem ocultar que Lula e o PT se corromperam na política burguesa. A luta democrática contra a perseguição política a Lula e ao PT se impôs, nas condições em que a Lava Jato se constituiu em um instrumento do golpe de Estado, que derrubou o governo petista de Dilma Rousseff. Para cassar o voto dos milhões que elegeram Rousseff, na disputa com Aécio Neves, do PSDB, foi necessário montar um escândalo político sobre a corrupção, como se fosse uma prática inerente ao governo petista, e constituir uma ampla frente burguesa, apoiada na fúria anticorrupção da classe média. O lugar de Dilma foi ocupado pelo seu vice, Michel Temer, cujo envolvimento com a corrupção foi logo revelado pelo Ministério Público, sem que fosse motivo para as mesmas forças que usaram a bandeira da anticorrupção se colocassem pela deposição do presidente preposto. Aécio Neves, que encabeçou o movimento do impeachment, também foi surpreendido por denúncias de corrupção. Tanto Temer, quanto Aécio, despontaram como quadrilheiros. É muito bem conhecida, na história dos golpes de Estado, a utilização da corrupção, como se essa chaga não fosse uma manifestação intrínseca ao Estado e à política burguesa.
O PT, desde o seu nascimento, foi alvo da reação oligárquica, simplesmente porque levantou bandeiras reformistas, que acabaram na prática se mostrando inviáveis, pelas condições do capitalismo em decomposição, e da rígida dominação imperialista. Não bastou que Lula organizasse seu governo em aliança com setores da burguesia nacional, vinculados a interesses internos. Nem mesmo elegendo como vice o capitalista José Alencar, e constituindo uma base parlamentar com partidos conservadores e direitistas, foram suficientes para demonstrar seu compromisso com os interesses gerais da burguesia e do próprio imperialismo. Lula venceu as pressões da oligarquia para que fosse destituído por um impeachment, graças ao crescimento da economia mundial, que se refletiu favoravelmente ao seu governo, no Brasil. Dilma Rousseff não teve a mesma sorte. O declínio da economia e a recessão potenciaram um movimento da pequena burguesia, insuflado por uma frente golpista, e municiado pelos escândalos promovidos pela Operação Lava Jato.
O que se pretende, agora, com as revelações do complô de Moro, procuradores, agentes da Polícia Federal e imprensa, é evitar que se torne a ponta do iceberg do golpe que se gestou no início de 2016, e concluiu em agosto de 2016. Na época, houve vozes, no interior do PSDB, que propunham a cassação do registro do PT. A surpresa foi que, nas eleições presidenciais de 2018, Lula, desde a prisão, comandou a candidatura de Fernando Haddad, que acabou polarizando eleitoralmente com Bolsonaro.
A trajetória desses acontecimentos permite deduzir que a candidatura de Lula é uma séria ameaça à continuidade de Bolsonaro e seu generais no poder. O problema não se resume ao governo bolsonarista, que caiu muito cedo em desgraça, diante de importantes setores da burguesia que o apoiaram, para evitar a volta do PT à presidência. Se era inconcebível que o golpe de Estado concluísse com dois governos mergulhados na crise econômica e política e com a eleição de Haddad, mais ainda com a população reconduzindo Lula, da prisão à presidência da República. Embora Lula e o PT estejam dispostos a esquecer o passado, historicamente o retorno ao poder do Estado significa o fracasso do golpe de 2016, cujo objetivo era o de erradicar o petismo, por mais que estivesse adaptado à ditadura de classe da burguesia. Esse é o embate que se dará daqui para frente.
A vanguarda com consciência de classe deve ter claro que esse processo e a virada que começou com a libertação de Lula e, agora, com a decisão de Edson Fachin, e a ofensiva de Gilmar Mendes contra o ex-juiz Moro, acarretarão uma ofensiva eleitoreira do PT. É necessário esclarecer que a defesa democrática dos direitos políticos de Lula não se confunde, e não deriva em nenhum tipo de alinhamento e disputa eleitoral. Para isso, é imperativo explicar à classe operária, aos demais trabalhadores e à juventude o caráter capitalista e contrarrevolucionário do reformismo. Lula encenou, em seu discurso, no Sindicato Metalúrgico, que seu governo foi de progresso, e que está colocado substituir Bolsonaro por um governo, que tenha um “projeto nacional de nação”. Evidentemente, excluiu o momento em que seu governo começou a se desmoronar, e em que sua sucessora, Dilma Rousseff, se afundou na incapacidade de enfrentar a crise econômica, não conseguindo rechaçar as pressões do capital financeiro, e se apoiar na mobilização das massas contra as manobras econômicas e políticas do grande capital. Lula não fez uma só menção ao golpe de Estado e à impotência do PT e aliados, de organizarem a classe operária para resistir e derrotar a frente golpista.
A vitória do PT e de Lula – que avaliamos como vitória de pirro – ocorre na situação em que a burocracia sindical, tendo à frente a direção do Sindicato Metalúrgico de São Bernardo, não mexeu um fio de cabelo para organizar um movimento contra as demissões em massa, a MP 936 e implantação das reformas trabalhista e previdenciária. As forças políticas reformistas se submeteram à política burguesa do isolamento social, ao ponto de fecharem as portas dos sindicatos, condenarem qualquer manifestação de rua, refugiarem no mundo virtual, e colaborarem com as medidas de emergência de Bolsonaro, Congresso Nacional e governadores. O fechamento da Ford, em plena pandemia, ocorreu na mais profunda passividade das massas, causada, não apenas pelo temor da pandemia, mas sobretudo pela política de colaboração de classes da burocracia sindical e dos partidos que a dirigem. Lula denunciou corretamente que Bolsonaro não fez nada para combater o desemprego e o aumento da pobreza. Mas, não denunciou seus comparsas sindicais, que aplicaram a MP 936.
A classe operária e demais explorados não devem esperar de nenhum governo burguês que proteja os postos de trabalho e os salários. O motivo é simples: qualquer que seja o governo, governa para a burguesia, e jamais para os explorados. Os reformistas fazem de tudo para ocultar essa lei econômica, política e histórica. A vanguarda com consciência de classe tem a obrigação de combater tudo que desvie a atenção e o curso da luta de classes. O PT, há muito, se cristalizou como um partido da ordem capitalista. E os governos de Lula e Dilma demonstraram a impossibilidade de reformar o capitalismo, resolver as tarefas democráticas do país semicolonial, e erradicar a miséria e a fome.
A tarefa revolucionária consiste em organizar o proletariado no seu campo de independência de classe, de maneira que se torne a força motriz que dirija a maioria oprimida contra os pilares da propriedade privada dos meios de produção e do Estado burguês. Essa tarefa está condicionada à defesa e desenvolvimento do programa da revolução e ditadura proletárias. É por meio dela que se caminhará para a luta por um governo operário e camponês. É por meio dela que se realizará uma frente única anti-imperialista, que tenha por objetivo emancipar a nação oprimida do domínio das potências e de seus monopólios. A experiência demonstrou que o reformismo e o burocratismo sindical se levantam como uma muralha à independência de classe do proletariado.
É decisivo que a vanguarda com consciência de classe não se deixe arrastar pela vitória de pirro do PT e Lula. Qualquer vacilação nesse sentido contribui para prolongar a crise de direção, que vem impossibilitando transformar as revoltas instintivas em movimento consciente pela revolução social e pelo socialismo. Concentremos nossos esforços em construir o Partido Operário Revolucionário.