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16 mar 2021
Nota do POR
Descontrole da pandemia
Por que a burguesia e seus governos se mostram incapazes de proteger a população
E por que a classe operária não tem uma resposta própria à tormenta
A profunda crise sanitária e econômica exige o programa e a estratégia proletária
15 de março de 2021
Assim que a pandemia foi reconhecida, em março de 2020, abriu-se uma divisão entre os governantes. De um lado, o governo federal minimizou o risco e as consequências da propagação do Covid-19. De outro, um grupo de governadores assumiu o prognóstico e as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). O presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, concentraram politicamente a polarização. Inicialmente, Bolsonaro conseguiu criar uma confusão entre a ideologia reacionária do que se denominou “negacionismo”, e os reais motivos econômicos, para se opor às medidas de isolamento social e outras complementares, como o uso de máscara, etc.
No momento desse conflito, a descoberta da vacina aparecia como uma possibilidade, que levaria tempo para se concretizar. Restavam, portanto, o isolamento social, medidas de prevenção e preparação do sistema de saúde com leitos e UTIs. Medidas de tal envergadura exigiam uma campanha centralizada, coordenada e fartamente financiada pelo Estado. O que, por sua vez, implicava uma unidade política da burguesia. Unidade essa impossível, dado que o isolamento social aprofundaria a crise econômica, que se arrastava desde 2014, atingiria distintamente os interesses de setores empresariais, levaria a quebras, e elevaria a dívida pública às alturas. Caso não se aplicassem medidas drásticas de isolamento, comportamento social restritivo e gastos públicos direcionados, haveria imediatamente um eclipse da saúde pública, e seria de tal monta a mortandade, que as autoridades não poderiam administrar.
O receio de que se instalasse um caos social e se agigantasse a barbárie, já existente, obrigou uma fração de governantes da burguesia a se contrapor à leviandade de Bolsonaro e de seu grupo de generais. Iniciava-se um longo caminho de desavenças no interior do Estado e nas forças políticas que comandam o país, e de evidências sobre a incapacidade de proteger a população, principalmente os pobres e miseráveis, que constituem a maioria oprimida. A experiência com o isolamento social, praticada em todos os estados, com maior ou menor amplitude, deu sinais dos limites econômicos, quanto à necessidade de prolongá-lo, ampliá-lo e recrudescê-lo. A relação entre contaminação, mortes, isolamento social e consequências econômicas foi expondo o fundo das contradições, próprias do capitalismo em decomposição. Prolongar, ampliar e recrudescer o isolamento diminuiriam o ritmo do avanço da pandemia, mas acelerariam o ritmo da crise econômica.
Sobre essa base, Doria e governadores aliados tentaram insistir nas medidas de isolamento parcial (o máximo alcançado foi de cerca de 60%), até o momento em que setores da burguesia recorreram a Bolsonaro, para que fosse mais assertivo em sua contraposição a essa via. Não se tratava da ideologia do “negacionismo”, mas do imperativo econômico. Bastou que a pandemia tivesse um descenso, para Doria liderar a flexibilização do isolamento social. Assim, se aproximou da resistência de Bolsonaro e poderosos grupos capitalistas, no sentido de se ir desfazendo do isolamento social. A catástrofe ainda era visível e nada indicava que o descenso da pandemia se manteria, quando agudizou o choque em torno às vacinas. Depois de uma manifestação de empresários e do presidente da República, indo até o Supremo Tribunal Federal (STF), a resistência de Bolsonaro ao isolamento social ganhou amplitude. Indicou que não se tratava simplesmente de uma posição particular do governo, que se agarrava ao “negacionismo” religioso. Tratava-se das consequências econômicas que atingiam grandes, pequenos e médios capitalistas, cujas consequências se refletiriam na forma de crise política, de desmoronamento do governo Bolsonaro.
O arrefecimento da pandemia por um breve momento e as notícias sobre os resultados positivos de inúmeras vacinas mudaram o foco dos conflitos. Bolsonaro resistiu às pressões iniciais em torno à compra de vacinas, e a um plano nacional de imunização, coordenado pelo governo federal e impulsionado pelos governos estaduais e municipais. O acordo de Doria e do Instituto Butantan com a China, para a aquisição e produção da Coronavac, desencadeou novos choques, e alargou a cisão originada com a aplicação do isolamento social. A batalha das vacinas no Brasil não passava de um reflexo da guerra comercial, encabeçada pelos Estados Unidos com a China. O que colocou ainda mais em evidência que a resistência de Bolsonaro ao isolamento social também havia sido um reflexo das posições de Trump, contrárias à orientação mundial, centralizadas pela OMS de combate ao Covid-19. A dependência de Bolsonaro às ações dos Estados Unidos explica, em grande medida, as cisões no Brasil. Assim se passou e se passa, sem que Doria e governadores aliados tenham reagido a essa dependência. Não houve uma só sombra de crítica e resistência anti-imperialista, por parte dos opositores de Bolsonaro.
O escandaloso e monstruoso embate ao reconhecimento pela Anvisa da eficácia da vacina chinesa foi se arrefecendo, na medida em que a pandemia se reerguia e se manifestava em surtos ainda mais mortíferos. A oposição arbitrária entre a Coronavac e a Oxford-AstraZeneca não se deveu absolutamente a fatores científicos. O resultado foi que se retardou a aquisição e produção interna das vacinas pelo Butantan e Fiocruz. Esse absurdo chegou a tal ponto, que se alinhou o Butantan à vacina Coronavac, e a Fiocruz à Oxford-AstraZeneca. E, por cima de tudo, a Anvisa serviu de caixa de ressonância de uma disputa, que se passou e se passa por fora da ciência. O freio imposto pela Anvisa, certamente, será avaliado mais tarde como uma ação criminosa, tal qual a do governo Bolsonaro.
A tentativa fracassada de criar uma CPI da saúde não passou de um aceno oposicionista, diante da responsabilidade do governo federal e do próprio Congresso Nacional. Responsabilidade que não exige nenhuma investigação e comprovação, a não ser para efeito das disputas políticas no interior do Estado. A retomada da crise sanitária no estado do Amazonas, em janeiro, ocorreu na situação em que a política burguesa do isolamento social havia fracassado e a guerra das vacinas estava em alta.
A derrota de Trump nos Estados Unidos repercutiria em favor das posições de Doria, quanto à superação da crise sanitária pela imunização. A guerra comercial permaneceu, e ganhou outra dimensão. Os monopólios farmacêuticos passaram a ditar o curso da nova fase, posterior à do isolamento social. Os Estados Unidos compareceram como a locomotiva da imunização e do enfrentamento à crise econômica. Para isso, Biden impulsionou a compra massiva de vacinas da Pfizer e Moderna, já decidida no governo de Trump. Assim, centralizou mundialmente o processo de vacinação, alavancou a vacina da Pfizer, e passou a ditar os próximos passos da economia mundial, com uma enxurrada de dólares, proveniente da aprovação do plano Biden, de US$ 1,9 trilhão. A Europa Ocidental não teve alternativa, a não ser caminhar na trazeira dos Estados Unidos, em todos os aspectos.
O Brasil, neste quadro, não deu um só passo capaz de estancar a hemorragia, provocada pela pandemia, e de reverter as tendências destrutivas da desintegração econômica. Tornou-se o epicentro mundial da crise sanitária, com a aceleração da contaminação, generalização em praticamente todos os estados, e elevação do número diário de mortes. Os governadores e prefeitos se viram na urgência de retomarem o isolamento social, uma vez que a lentidão da imunização e os conflitos em torno às vacinas permaneceram em alto tom, e o colapso da saúde pública se recolocou.
A maioria oprimida da população é que suporta o maior peso da incapacidade da burguesia e seus governantes de protegê-la. É sobre sua tragédia diária que os governantes se digladiam. Os interesses econômicos e as disputas políticas no interior da burguesia e dos seus representantes se sobrepõem às necessidades dos explorados. Nem mesmo os episódios de barbárie, como o das pessoas morrendo em Manaus, por falta de oxigênio, convenceram o poder econômico e os governantes a se unirem, em torno a um plano nacional de aparelhamento do SUS e de vacinação em massa. As condições extremamente precárias da saúde no Norte e Nordeste ensejam a avaliação de que muitas vidas poderiam ser poupadas, caso o sistema público tivesse melhor preparo. Esse é um lado bem visível da desproteção sanitária dos pobres e miseráveis. Mas, o que ressalta a questão da saúde pública é o que se passou, e vem se passando, nos estados mais ricos da federação. A retomada do surto no Sul do país, rapidamente, colapsou a saúde, ao ponto de parte dos infectados morrer nas filas de internação, e corpos serem amontoados nos containers. Nesse preciso espaço de tempo, a imprensa informou a morte de mais de cinquenta pessoas à espera de internação em São Paulo, o estado mais poderoso do país. A chamada crise do oxigênio em Manaus se manifestou recentemente em outros estados do Norte, a exemplo de Rondônia. Não é difícil que venha a se passar em estados do Sul e Sudeste, caso se mantenha o avanço da pandemia. Essa possibilidade obrigou a Anvisa a centralizar a distribuição do oxigênio. Esse quadro tétrico, depois de um ano do anúncio do surto, é a demonstração mais clara do fracasso da política geral da burguesa, de proteger as massas e conter a pandemia, e, em particular, o fracasso da política burguesa do isolamento social.
As divergências em torno ao isolamento social e às vacinas são partes fundamentais das diretrizes gerais, que unificam os governantes, de Bolsonaro a Doria; do Executivo ao Legislativo; do Legislativo ao Judiciário. Não se pode isolar uma parte das outras, devido às diferenças, divergências e conflitos. É claro que, nas condições dramáticas das mortes, destacaram-se as diferentes orientações, quanto ao isolamento social e às vacinas. É nesse terreno de disputa interburguesa, que se ocultou o caráter geral da divisão entre as classes, do capitalismo em decomposição, das condições semicoloniais do país, do atraso econômico, das distintas condições do sistema de saúde público e privado, e do antagonismo entre a riqueza altamente concentrada e o mar de pobreza e miséria da maioria oprimida. É nesse terreno que se responsabiliza Bolsonaro pelo “genocídio”, mas se ocultando a responsabilidade geral dos demais governantes, da burguesia e do imperialismo.
A nuvem ideológica que toldou a discussão entre “negacionismo” e “afirmacionismo” científico obscureceu a constatação fundamental de que o conhecimento, a ciência, a tecnologia e a indústria químico-farmacêutica, na forma de capital e de extração do lucro, não têm como proteger a maioria oprimida, diante dos fenômenos naturais das epidemias e pandemias. Essa constatação vale, inclusive, para as potências, das quais se destacam os Estados Unidos. A alta concentração da indústria químico-farmacêutica, e a busca do lucro monopolista, obstaculizaram uma ação geral, coordenada e cooperada para combater, prontamente, em nível mundial, o surto pandêmico. A diretriz das potências de cuidarem cada uma por si, e primeiramente de sua crise sanitária, reflete as fronteiras nacionais, como uma poderosa barreira para o enfrentamento de acontecimentos tão violentos, que estremecem os pilares da economia mundial. A aquisição concentrada de quase toda a produção de vacinas, com o objetivo de elevar seu preço, e a sua utilização para a dominação mundial são o mais alto “negacionismo” econômico da ciência, como instrumento de defesa da humanidade. O conflito da vacina na União Europeia, a tentativa de impedir seu livre trânsito, e a posição dos Estados Unidos de condicionarem a imunização dos países de economia atrasada, passando por cima do programa da OMS, dão a dimensão exata de que a barbárie se gesta, se desenvolve e se projeta nas relações capitalistas de produção e apropriação de riquezas.
A estupidez de Bolsonaro e seus militares, de condenarem ideologicamente a vacina chinesa, e, em certo sentido, a russa, não foi um simples ato voluntarista do obscurantismo, do “negacionismo”. Os conflitos ideológicos expressam a guerra comercial, não tendo nada a ver com a ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e com a China revolucionária de 1949, que expropriaram a burguesia. O imperialismo e as burguesias subalternas dos países semicoloniais, como o Brasil, nunca vão deixar de temer as revoluções proletárias do passado. Mas, o problema presente está em que o processo de restauração capitalista, conduzido pela Rússia e China, por uma burocracia pró-capitalista, não se completou, de maneira que os Estados Unidos e sua aliança europeia os submetessem, de acordo com as exigências da crise estrutural do capitalismo. Tornou-se insuportável para as potências, a existência da Rússia e China, capazes de se colocarem à frente de grandes problemas mundiais, como os que emergiram com a pandemia. Não há a menor dúvida de que as travas e o atraso no combate ao Covid-19 no Brasil – e certamente nos demais países semicoloniais, apesar das diferenças – expressam a dominação imperialista, nas condições particulares da combinação da crise sanitária com a econômica. Era evidente que o recurso do isolamento social não poderia barrar o avanço da pandemia, devido aos limites econômicos e suas consequências sociais. Como sendo o único recurso anterior à descoberta da vacina, teria de ser parcial em cada país, cujas condições de desenvolvimento econômico e social não eram indiferentes à sua aplicação.
O Brasil – país extenso, populoso, constituído pelos desequilíbrios regionais, e marcado pela pobreza e miséria da maioria oprimida –, inevitavelmente, teria de tomar medidas revolucionárias para combater a extensão catastrófica da pandemia. Todos os recursos econômicos, sanitários e científicos teriam de ser centralizados e regidos por um plano. O que implicaria expropriações, estatizações, quebra de patentes e mobilização da população. O capital financeiro e monopólios, portanto, deixariam de impor seus ditames e interesses à batalha para proteger a população, e vencer o fenômeno da natureza. Evidentemente, somente uma revolução proletária, dirigida pelo partido marxista-leninista-trotskista, poderia derrotar todas as variantes da política burguesa de resposta à crise sanitária e econômica, constituindo um governo operário e camponês.
As condições objetivas da crise mundial e seus reflexos particulares no Brasil expuseram o esgotamento histórico do capitalismo, e a necessidade da transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade social, ou seja, das revoluções socialistas. É previsível que, depois dessa hecatombe, virão outras. A pandemia acabará sendo relativamente controlada (nas potências capitalistas e na China e Rússia, que concentram 70% das vacinas, enquanto nos demais países o futuro é incerto) – isso depois de ter provocado profundos danos à vida da população empobrecida e regressão das forças produtivas, principalmente nos países oprimidos e saqueados pelo imperialismo –, mas as contradições capitalistas que a potenciaram, não somente permanecerão, como se agravarão.
É reconhecido que a pandemia não gestou a crise econômica, apenas a dinamizou e a colocou em um patamar mais elevado. No Brasil, desmoronaram as tentativas da burguesia e seu governo de retomarem o crescimento, depois da mais profunda recessão de 2015-2016. As quebras generalizadas na indústria, comércio e serviço resultaram em regressão das forças produtivas, e mutilação da força de trabalho. A classe operária e demais explorados, assim, foram atingidos pela violência destrutiva das crises econômica e sanitária. Esse curso está em pleno desenvolvimento. E a burguesia não tem outra via, a não ser continuar protegendo o grande capital, e sacrificando as condições de existência da maioria oprimida.
A crise de direção é tão profunda que a necessidade e o programa da revolução proletária parecem distantes, senão utópicos. Um posicionamento classista elementar não esteve presente nos sindicatos e movimentos, de onde poderiam emergir uma resistência à política burguesa, em geral, e às suas variantes, em particular. A adaptação das direções que controlam o movimento sindical, popular e camponês à orientação burguesa do isolamento social, como se estivessem combatendo o “negacionismo” de Bolsonaro, em favor da proteção das massas, resultou em desorganização e estancamento da luta de classes, jamais vistos, desde o fim da ditadura militar. A ampla intervenção das direções pró-capitalistas em favor da política burguesa do isolamento social foi e tem sido fundamental para os governantes e burguesia afastarem do horizonte a luta revolucionária do proletariado. Em outras palavras, a luta pela tomada do poder, estabelecimento do governo operário e camponês e transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade socialista.
As centrais, sindicatos, organizações estudantis, movimentos de sem-teto e camponês, de conjunto, aceitaram tacitamente que, “para proteger vidas” contra a pandemia, era inevitável acatar as terríveis consequências econômicas, que recaíam sobre a maioria oprimida e, em particular, colaborar com a aplicação de medidas antioperárias, como a MP 936, que suspendeu os contratos e reduziu os salários. Desde 18 de março de 2020, quando as centrais cancelaram o Dia Nacional de Luta, assimilando a orientação do Estado burguês, de acabar com toda atividade coletiva das massas, se abriu um período de colaboração de classes, cujo conteúdo era e é o de assumir o isolamento social, como se fosse uma tarefa do proletariado e demais trabalhadores. Durante um ano de pandemia, cresceu a onda de demissões, o desemprego e subemprego se elevaram, a pobreza e a fome se ampliaram, e as mortes provocadas pelo coronavírus continuaram em ascensão.
Na contracorrente desse destrutivo processo, ocorreram greves, como as dos metalúrgicos da Renault e dos trabalhadores dos Correios, que permaneceram isoladas, e foram derrotadas. A Mercedes fechou uma de suas unidades, e a Ford encerrou suas atividades no Brasil. As direções sindicais e políticas, que se reivindicam dos trabalhadores, não fizeram absolutamente nada para mobilizar e organizar um movimento contra o fechamento de fábricas. A Volkswagen impôs um acordo de demissão de 5 mil operários, com a clara conivência da direção do sindicato metalúrgico do ABC. O plano de demissão de 5 mil bancários do Banco do Brasil e, agora, as demissões em função da venda de refinarias da Petrobrás, fazem parte desse quadro de grande opressão da burguesia sobre os assalariados. Não há como ocultar ou obscurecer que o ataque generalizado aos explorados e, em especial, ao proletariado fabril, pelos capitalistas, contou com a colaboração das direções, que se subordinaram à política burguesa do isolamento social, e se refugiaram no mundo virtual.
Partidos reformistas, tendo à frente o PT e os burocratas sindicais, se utilizaram do miserável auxílio de emergência, negociado entre Bolsonaro e o Congresso Nacional, para darem uma satisfação às massas, diante de sua conduta colaboracionista e traidora. Sabemos que a classe operária e demais explorados não alcançaram compreender, que não só se debatiam com a virulência da pandemia, mas também com a violência da crise econômica, sem que pudessem contar com uma direção classista, que fizesse o possível e o impossível para impulsionar a luta de classes, e organizar um movimento de independência política, frente à burguesia e seus governantes. O desarme ideológico, político e organizativo foi tão vasto, que expôs em detalhes a crise de direção revolucionária. Praticamente, o conjunto das forças de esquerda – do reformismo ao centrismo – se submeteu às condições ditadas pela burguesia, e assim se arrastou por trás das divisões interburguesas, cujos reflexos políticos e ideológicos serviram para confundir e esmagar o instinto coletivo de revolta da maioria oprimida. Inviabilizou-se a tarefa de pôr em pé um movimento sobre a base de um programa de emergência, próprio da classe operária. Sem que se contrapusessem as reivindicações das massas ao programa de emergência do governo, não havia alternativa, a não ser a de se submeter à condução burguesa da crise sanitária e econômica.
Nesse preciso momento, quando se agrava a crise sanitária, e o conflito dos governadores com o Bolsonaro se eleva, a CUT e movimentos sociais convocam um “lockdown dos trabalhadores em defesa da vida”, para o dia 24 de março, cuja orientação é a de ficar em casa e “refletir sobre o que acontece no Brasil”. Afirmam que o objetivo não é apenas o de realizar o isolamento social, mas também o de reivindicar a vacinação a todos. Dizem que assim se estará lutando pelos empregos, contra a carestia, privatizações, e pelo “Fora Bolsonaro”. Os burocratas da CUT advertem que o “lockdown” não é uma greve geral. Isso porque a “greve geral pressupõe atos, manifestações, piquetes, o que no momento seriam atos irresponsáveis, por causa da pandemia”. Não há melhor testemunho de seguidismo ao governo Doria e aliados, e de impotência diante da política catastrófica de Bolsonaro. O “lockdown” e o “fique em casa” das direções sindicais espelham, de corpo inteiro, a política de conciliação de classes e de estatização das organizações sindicais.
Cedo ou tarde, os governantes serão responsabilizados da catástrofe pelo proletariado. A direções colaboracionistas e oportunistas também não escaparão a esse julgamento histórico.
É preciso atentar para o fato de que o enorme refluxo dos explorados e a imensa liberdade que a burguesia, os governantes e as suas instituições de Estado tiveram e estão tendo, para determinar os caminhos do enfrentamento da pandemia e da desintegração econômica do país, não evitaram que a crise política continuasse avançando. O terceiro ministro da Saúde caiu. O general Pazzuelo bateu continência para as orientações do presidente da República, e está sendo responsabilizado por importantes setores da burguesia e da oposição parlamentar, por não ter conseguido resolver a questão vacina. A crise política não se circunscreve aos choques em torno ao isolamento social e à vacinação. A retomada das pressões inflacionárias, e a intervenção na direção da Petrobras acirraram os ânimos nas hostes do poder econômico. Bolsonaro somente não foi afastado, graças ao esteio militar de seu governo e, sobretudo, por contar com o profundo refluxo das massas, e com o freio imposto pela burocracia sindical. O fato de os bolsonaristas retomarem as manifestações contra os governadores de oposição, com métodos tipicamente fascistas, e procurarem reavivar a bandeira de golpe militar, expressa o desespero do presidente da República. Os bolsonaristas querem dar a entender que o seu chefe não faz só ameaça verbal de recorrer a uma aventura golpista. Esse é o clima político do momento, quando parecia ter ficado para trás, com os recuos táticos realizados pelo governo. A tendência é a de acelerar a degradação das relações políticas, e recrudescer os choques em torno à política econômica e às respostas à pandemia.
A decisão do ministro do STF, Edson Fachin, de anular as condenações de Lula e a disposição dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski de aprovar a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro entornaram um pote de fel nas instituições judiciais e anteciparam a guerra eleitoral. Isso em meio ao horror da pandemia e ao descarrilamento econômico no país. O problema fundamental é o mesmo que o do início da pandemia: as travas impostas ao movimento operário pela política de colaboração de classes. Com a diferença de que as massas foram ao fundo do precipício, e não têm outra via, a não ser se reabilitar, retomando a luta de classes. O PT e Lula sabem que ainda têm capacidade de disputa eleitoral, que é valiosa nas condições em que a burguesia necessita dos meios e métodos da política de conciliação de classes, para manter a governabilidade e conter as tendências desintegradoras da democracia burguesa.
As forças partidárias que controlam ou influenciam o controle do Estado esperam que a tormenta da pandemia vá sendo arrefecida com a vacinação. É daí que sairá o legado eleitoral mais importante, para o bem ou para o mal dos partidos em disputa. Há, no entanto, um caminho a percorrer sob o governo ditatorial e fascistizante, que tudo fará para não ser destituído do poder. Não será fácil desalojar os generais do comando governamental, e diminuir o espaço das Forças Armadas na condução da democracia oligárquica. A possibilidade de Lula se candidatar, e de o PT voltar à presidência da República, potenciará a crise política e a luta de classes. Os primeiros sinais se evidenciam no esforço dos bolsonaristas de reativar a classe média, em boa medida composta por comerciantes, para fazer frente a uma situação em que o proletariado e as camadas mais oprimidas da própria classe média passem a se defender com reivindicações próprias e os métodos da ação direta.
A luta da vanguarda com consciência de classe, para libertar os explorados da camisa de força da política colaboracionista das direções, continuará tendo por base a defesa do programa de emergência diante da pandemia. É parte fundamental desse programa defender os empregos e os salários; derrubar as contrarreformas antipopulares e antinacionais; expropriar os monopólios e não pagar a dívida pública; impor a vacinação universal, a começar pelos pobres e miseráveis. De maneira que os recursos do país sejam colocados a serviço das forças produtivas, dos empregos e da superação da pandemia. O que implica, certamente, romper com a dominação imperialista. Essa diretriz somente pode ser encarnada pela classe operária organizada, e capaz de ganhar a confiança da maioria oprimida. O desenvolvimento dessa política proletária é a condição para os explorados enfrentarem a nova etapa da crise política, que virá com a disputa eleitoral, principalmente no caso de se confirmar a possibilidade do PT, que foi destituído do poder por um golpe de Estado, de ser levado pela maioria à presidência da República.
A experiência desse um ano de pandemia pôs às claras as enormes dificuldades de superar a crise de direção. Ao mesmo tempo, evidenciou as premissas históricas da revolução proletária, nas novas condições objetivas de desintegração do capitalismo, no pós-segunda guerra mundial. É com o programa do internacionalismo proletário, aplicado às particularidades do país, que a vanguarda com consciência de classe auxiliará o proletariado a romper a camisa de força da crise de direção. Não há outra forma de construir o partido marxista-leninista-trotskista, a não ser respondendo a cada novo ataque da burguesia aos explorados com o programa da revolução e ditadura proletárias.