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26 mar 2021
Declaração do Partido Operário Revolucionário
300 mil mortos!
A burguesia e seus governantes se mostram incapazes de conter o avanço da pandemia
É preciso que os sindicatos e centrais rompam imediatamente com a política de conciliação de classes
25 de março de 2021
O flagelo nacional recai quase que inteiramente sobre a maioria oprimida. A classe operária e demais explorados pagam caro pelo capitalismo em desintegração. Capitalismo da fase imperialista, do domínio dos monopólios, e do parasitismo do capital financeiro. As 300 mil mortes são de responsabilidade da burguesia, de seu Estado e de seus governantes.
Não podemos permitir que as divergências e os atritos entre os governantes ocultem o rosto do grande capital, dos banqueiros, dos capitães da indústria, dos latifundiários, dos chefes do agronegócio e dos poderosos comerciantes. Não podemos deixar que se dilua, em nuvens de fumaça, o rosto frio e calculista do imperialismo, dos Estados Unidos, das potências europeias e do Japão. Enfim, não podemos deixar que o governo, as autoridades científicas, e seus capatazes da imprensa, enganem a maioria oprimida, com a propaganda de que a pandemia não tem rosto de classe, que atinge a todos indistintamente, como se não houvesse diferença entre a maioria pobre e miserável, e a minoria rica e luxuosa. Não, absolutamente não! O fenômeno natural da pandemia se manifesta, atinge as massas e se alastra mundialmente nas condições históricas e sociais do capitalismo em desintegração.
A devastadora consequência econômica e humana obrigou as instituições e governos mundiais a darem uma resposta comum. O único meio disponível, inicialmente, foi a aplicação do distanciamento social, acompanhado de medidas de prevenção. Coube à Organização Mundial da Saúde (OMS) expedir e centralizar essa diretriz mundial. Logo surgiram divergências em torno à amplitude, ao alcance, à durabilidade, e às repercussões econômicas. As experiências com o isolamento social – o lockdown é a sua forma mais radical –, em realidades com distintas particularidades, se mostraram limitadas e incapazes de estancar a disseminação do Covid-19 entre as massas. Os sistemas de saúde – também muito diferenciados de país a país – se revelaram estreitos, diante do caudal da contaminação. Os organismos mais frágeis e debilitados da população – igualmente diferenciados de país a país – foram perecendo, em grande quantidade e velocidade.
A burguesia, seus governantes e seus cientistas sabiam perfeitamente que os pobres e famintos mundiais seriam as maiores vítimas da pandemia. Sabiam que seus sistemas de saúde, condicionados pelos interesses privados, não suportariam o tsunami de doentes. Não falta muito para chegar aos 3 milhões de mortos. No Brasil, ontem, dia 24 de março, pouco dias depois da pandemia completar um ano, estampou o bárbaro número de 300 mil mortos. O isolamento social pôde interferir, em alguns momentos, na marcha da pandemia, mas apenas como um recurso para os governantes administrarem minimamente a voracidade da contaminação, e a falência do sistema público de saúde.
A concepção do isolamento social era simples, no entanto, a sua aplicação era complexa. Diminuir ao máximo o contato coletivo, reduziria a probabilidade da transmissão do vírus. Qualquer pessoa entenderia esse princípio. Ao colocar em prática, o isolamento atingiu os negócios e interesses dos capitalistas. Os mais poderosos podiam suportar, por mais tempo, a queda geral da economia. Os mais fracos se viram diante do precipício da falência. Inevitavelmente, tais condições abririam sérios conflitos de interesses particulares, que não poderiam se sujeitar às necessidades coletivas da população. O choque desses interesses privados, como não poderia deixar de ser, se refletiu no poder do Estado, entre os governantes e as instituições burguesas da chamada “sociedade civil”. Cabia ao Estado dirigir o isolamento social, o que implicava garantir os interesses gerais da burguesia, e, em particular, do grande, médio e pequeno capitalista. O problema não parava aí. Cabia também equacionar o agravamento da crise social. Essas contradições se mostravam insolúveis, independentemente de qualquer diretriz política e caminho científico, que respondessem ao aprofundamento da crise econômica e social.
No Brasil, o governo federal se viu extremamente limitado, uma vez que procurava andar com as contrarreformas, que ajudariam a aliviar, momentaneamente, o peso da dívida pública, e as pressões do grande capital, para garantir a continuidade da lucratividade e do parasitismo financeiro, nas condições de avanço da desintegração econômica, que persistia desde a quebra de 2015-2016. É sobre essa base que se ergueu o “negacionismo” de Bolsonaro. A sua resistência política foi de grande importância, para restringir a ação dos governadores, que abraçaram a tese do isolamento social. A contraposição do governo federal ao governador de São Paulo e seus aliados contou com o apoio de milhões de pequenos e médios capitalistas, e de negociantes de classe média. Mesmo setores do capital nacional, com maior capacidade de suportar as consequências do isolamento social, estiveram e estão do lado de Bolsonaro. No início de maio de 2020, promoveram uma manifestação, encabeçada pelo presidente da República, no STF, para pressionar os seus ministros e governadores a não irem longe com o isolamento social. Não se pode desconhecer que houve uma divisão no interior da própria burguesia sobre a magnitude e a eficácia do isolamento social. Os ânimos políticos pareciam se arrefecer, no momento em que Doria decidiu “flexibilizar” o isolamento social, sob o argumento de que a pandemia tendia a perder força, isso quando em junho ainda estava em alta. O seu descenso a partir dos meses setembro e outubro criou a ilusão de que se poderia continuar com a flexibilização.
Em janeiro deste ano, uma nova onda se ergueu, impulsionada por mutações do vírus, atingindo níveis de contaminação e mortes muito superiores aos de julho do ano passado. Não tendo outro recurso, uma vez que a vacinação apenas se iniciava e era lenta, a frente de governadores e prefeitos, sob a direção do estado de São Paulo, teve de recorrer ao distanciamento. Os conflitos interburgueses se elevaram. Dessa vez, acrescidos do problema da vacina. Bolsonaro se viu obrigado a demitir o general Eduardo Pazuello do ministério da Saúde, e trazer para seu lugar um médico francamente bolsonarista. Acuado pelas críticas, não só da oposição, mas também das vozes de sua hoste política, Bolsonaro reuniu os presidentes do Senado e da Câmara de Deputados, e governadores aliados, para fazer frente ao governador de São Paulo. Pretendeu, também, disciplinar o STF, que, via de regra, vem dando causa aos governadores oposicionistas. Essa manobra objetiva estancar as tendências centrífugas, que se potenciaram no interior do Estado e da política burguesia, com a pandemia. É bem provável que irá fracassar, já que dificilmente obterá um alinhamento dos governadores, sob a batuta dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tem a missão de dar um salto à frente no plano nacional de imunização. Sem que a vacina chegue à maioria da população, a pandemia continuará deixando um rastro de mortes, de norte a sul do país. Banqueiros e grandes industriais deram um ultimato a Bolsonaro, para que destrave o processo de imunização, não só adquirindo as vacinas, como também auxiliando grupos econômicos, interessados em explorar o rico mercado da saúde. Até mesmo a agroindústria se propôs a converter suas plantas em produtoras de vacinas.
O capítulo da imunização é distinto do capítulo do isolamento social. O alinhamento de setores da burguesia com Bolsonaro, para limitar a capacidade dos governadores e prefeitos de aplicarem o distanciamento social, não poderia se manter, no caso da resistência de Bolsonaro de unir as forças políticas em torno à ampla e rápida imunização. Diferentemente do caso do distanciamento social, as dificuldades do presidente da República de impulsionar a vacinação dizem mais respeito ao fator ideológico do que econômico, se bem que a compra de vacinas é dispendiosa. Os banqueiros deram ordem para que Bolsonaro colocasse de lado os dogmas religiosos, e mergulhasse na onda mundial da vacinação. Hasteou-se a bandeira de que, sem a massiva imunização, não será possível reduzir o impacto da pandemia na vida social e na economia. Isso depois de o presidente e bolsonaristas, encastelados nas instituições, principalmente na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), terem combatido abertamente o acordo entre a China e o estado São Paulo, a Sinovac e o Butantan, para produzir a vacina Coronavac no Brasil. O que retardou o início da vacinação. O acordo do governo federal com a Inglaterra, envolvendo a Oxford-AstraZeneca e a Fiocruz, somente agora começou a caminhar.
Os obstáculos à vacinação em massa, na realidade, não se limitam ao obscurantismo de Bolsonaro. É preciso apontar o dedo para os grandes responsáveis. Os explorados assistem atônitos ao desencadeamento da guerra comercial entre as potências. Os Estados Unidos e a Inglaterra lideram o movimento monopolista dos laboratórios e da indústria químico-farmacêutica de seus países, contra projeção da China e, por decorrência da Rússia. Uma vez descoberta a fórmula da vacina, a sua produção é o menor dos problemas. Quase ao mesmo tempo, foram anunciadas e testadas várias vacinas. Ao invés desse progresso dar lugar a uma corrida dos governos para implementar a vacinação em grande escala, o que exigiria conversões industriais e expansão das plantas já existentes, os monopólios estabeleceram um ritmo muito aquém das necessidades e das possibilidades. As potências se apossaram da maior parte da produção, e vagarosamente vão permitindo o acesso aos países semicoloniais. Uma significativa parcela desses países sequer pode comprar a valiosa e milagrosa mercadoria.
O Brasil está entre os países semicoloniais que alcançaram um desenvolvimento econômico que, em princípio, o capacitam a comprar o número necessário de vacinas. No entanto, tem de concorrer no mercado controlado, e estabelecer relações com os países fornecedores, de maneira a aumentar a sua dependência. Chegou-se ao ponto de vozes pedirem ao presidente dos Estados Unidos, Biden, como foi o caso de Lula, para que influencie o G20, no sentido de que viabilize a chegada das vacinas aos mais necessitados. O servilismo das burguesias nacionais ao imperialismo e os alinhamentos provocados pela guerra comercial devem ser colocados na balança da hecatombe mundial, e de suas manifestações em cada país. No caso do Brasil, a subordinação de Bolsonaro aos Estados Unidos, por meio do alinhamento à política do governo de Trump, foi o ponto de partida de nosso desastre nacional. E, no momento, a subordinação permanece, sob o governo Biden. Não havia outra opção para o governo de São Paulo, a não ser se sujeitar à China, que se tornou o maior importador de commodities do Brasil. Nota-se que o País não teve como escapar à furiosa guerra comercial em torno às vacinas. A depreciação de Bolsonaro à Coronavac foi tão baixa, que obrigou os capitães da agroindústria a pedirem moderação.
Basta estabelecer o encadeamento desses elos para se obter a clareza necessária, quanto à responsabilidade geral da burguesia, e a particular dos governantes, diante das 300 mil mortes e das demais consequências sociais. Acima deles, o presidente da República e, acima de todos, a burguesia.
Resta ainda reconhecer e explicar a responsabilidade das direções, que controlam os sindicatos, as centrais e os movimentos. O que exige apurar a responsabilidade dos partidos que organizam e orientam essas direções. Não é possível apurar com propriedade e precisão a responsabilidade da burguesia, do Estado e dos governantes, abstraindo as relações de classe. Não basta reconhecer que a classe operária e demais explorados são vítimas, tanto da pandemia, quanto da incapacidade da burguesia de proteger a maioria oprimida. O fator decisivo de uma catástrofe coletiva se encontra na atitude das vítimas.
As massas foram surpreendidas pela pandemia e pelas respostas iniciais dos governantes. Mergulharam em uma profunda passividade, à espera de que as explicações e as medidas adotadas fossem inteiramente corretas, e expressassem o máximo que os governantes poderiam fazer para conter a contaminação. Assistiram às trocas de acusações entre o governo federal e parte dos governadores. O temor da contração da doença e das mortes explica, em parte, a passividade. Os oprimidos passaram pela experiência do isolamento social, viram que era parcial, e que não rompia a força da transmissão. Vivenciaram os seus fracassos. Mesmo assim, permaneceram à espera de que as soluções ditadas pelos governantes acabassem por vencer a pandemia. Mês a mês, durante um ano, a disseminação do vírus cresceu. Pouco adiantou a abertura dos hospitais emergenciais. A campanha pelo “fique em casa, se puder” caiu por terra. A agudização da crise sanitária nos estados – a que mais estarreceu foi a do Amazonas, Manaus, em que os doentes morriam até mesmo por falta de oxigênio – estremeceu os governos, e evidenciou a incapacidade da burguesia de usar todos os recursos materiais e científicos, para cercar de cuidados os pobres e miseráveis, denominados pela nomenclatura burguesa humanitária de “vulneráveis”. Mesmo diante do horror dos hospitais superlotados até os corredores, as mortes crescendo exponencialmente, e cadáveres sendo empilhados em contêineres, a passividade geral continuou imperando, apesar das manifestações nas ruas de Manaus. O país chegou, assim, ao número de 300 mil mortes, e tudo indica que, sem muita demora, chegará a 400 mil.
Não há pior catástrofe humana como aquela em que as vítimas não se levantem em sua própria defesa. As vítimas da pandemia pertencem às classes que compõem o capitalismo. Os ideólogos da burguesia se utilizam dessa constatação, para criarem a versão de que todas as pessoas, de todas as classes, são iguais perante a pandemia. E que, por isso mesmo, a melhor forma seria a união de todos para vencer esse inimigo que brotou da natureza (Trump tentou criar a versão de que poderia ser produto dos laboratórios chineses). Como a própria burguesia e seus governantes se dividiram, a versão ideológica foi e é a de que estava em confronto, acima das classes, a orientação anticientífica (negacionista) e a científica (afirmacionista). Não restaria, portanto, alternativa, senão se enfileirar por trás da política que encarnava a ciência e a defesa da vida. O que implicava, logicamente, derrotar a política “negacionista”. Ambas posições ocultaram que se tratava de variantes da política burguesa, que é de dominação de classe.
O resultado objetivo para as massas se encontra no flagelo dos hospitais, e nas 300 mil mortes. A passividade dos explorados se explica, não só pelo temor da contaminação, mas também pelo fato de terem assimilado e se submetido às variantes da política burguesa, sendo que o isolamento social tem sido uma delas. Diariamente, a imprensa repete ao cansaço as mesmas explicações e os mesmos argumentos, para convencer a população de que bastaria que o governo federal se dispusesse a unir o País, para que as medidas científicas pudessem ser postas em prática com toda a sua eficácia. Enquanto isso não ocorre, as massas, que são as vítimas, devem esperar que Bolsonaro e Doria resolvam as suas diferenças. Resultado: fracasso da política burguesa do isolamento social, atraso na vacinação, explosão da contaminação, e 300 mil mortos.
Evidentemente, o horror da pandemia, o domínio burguês dos meios materiais e a política vigente no momento da crise sanitária não explicam por si só a passividade das massas. É obrigatório identificar o lugar das direções sindicais e políticas vinculadas ao proletariado e aos demais trabalhadores. A contribuição fundamental das direções foi a de submeter as organizações operárias à política burguesa do isolamento social e às discórdias entre os governantes. Assumiram a bandeira “fique em casa”, como sendo a salvação dos explorados. E passaram a contribuir com o plano de emergência do Congresso Nacional, que aprovou a Medida Provisória de Bolsonaro/Guedes, a MP 936, que facultou aos empregadores suspenderem contratos, reduzirem jornada e salário. As portas dos sindicatos foram fechadas, e abolido o método da ação direta da classe operária. As demissões em massa passaram a ser uma contingência da pandemia e do isolamento social. O fechamento de inúmeras fábricas e de negócios do comércio e serviços não mereceram respostas, porque implicavam convocar assembleias presenciais, e organizar manifestações coletivas. A única exigência foi aquela que Bolsonaro, governadores e Congresso Nacional estavam dispostos a realizar, que foi o auxílio emergencial de R$ 600,00. Esse jogo montado entre o governo federal e o Congresso Nacional não dependeu absolutamente em nada da burocracia sindical, e dos partidos a ela vinculados. Apesar de ser essa a verdade, os burocratas e os partidos oposicionistas foram aos explorados dizer que foi uma vitória. O miserável valor inicial acabou sendo reduzido e, finalmente, extinto. Agora, com o furor da pandemia, os governantes negociaram a sua retomada, em piores condições. E os dirigentes sindicais, dessa vez, não puderam se contentar e apresentar como uma vitória.
O POR analisou e denunciou, passo a passo, o desarme da classe operária, promovido pela burocracia sindical. A consequência prática foi a de negar que o proletariado desse uma resposta própria, lutasse por um programa de emergência, reagisse ao fracasso do isolamento social, e saísse em defesa dos empregos, salários, saúde pública e vacinação universal, a começar pelos pobres e miseráveis. A consequência política e organizativa foi a de manter os explorados submetidos às iniciativas da burguesia. A consequência ideológica foi a de impossibilitar que as massas em luta compreendessem que estavam sendo vítimas do capitalismo em desintegração, da burguesia nacional decrépita, e do imperialismo saqueador. A consequência estratégica foi a de impedir que a classe operária desse um passo na luta pela derrocada da burguesia e pela constituição de um governo operário e camponês, expressão governamental da ditadura do proletariado.
É precisamente nas situações de crise mundial, como essa, que o capitalismo senil expõe suas leis históricas e econômicas, que indicam as premissas programáticas da revolução social, e do internacionalismo proletário. A tarefa de libertar as organizações e os movimentos das direções que propagam a política de conciliação de classes foi colocada de forma nua e crua. Essa tarefa depende do trabalho da vanguarda com consciência de classe, voltado a erguer o partido marxista-leninista-trotskista, e viabilizar a reconstrução do Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional.