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31 mar 2021
Motivos do agravamento da crise política
Objetivos e tarefas do movimento operário e popular
30 de março de 2021
Nas últimas semanas, convergiram várias manifestações e acontecimentos, que indicam a aceleração e o aprofundamento da crise de governabilidade. Reascenderam os conflitos da ala de governadores, liderada por João Doria, com o presidente Jair Bolsonaro. A Carta Aberta de banqueiros, financistas e industriais, contra as diretrizes do governo federal, em relação à pandemia, por sua vez, indicou a mobilização do grande capital, em apoio às diretrizes de Doria. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara de Deputados, Arthur Lira, foram “aconselhados” a tomarem uma posição, já que chegaram ao mais alto cargo do Congresso Nacional com o apoio de Bolsonaro. O resultado foi a constituição do “Comitê Nacional de Combate à Pandemia”, que não contou com a presença de Doria e seus aliados. A bandeira de um “pacto nacional” foi erguida, sem que houvesse o arrefecimento dos choques de diretrizes. Precedeu a essa tentativa, a troca do ministro-general da Saúde, Eduardo Pazuello, pelo médico-empresário bolsonarista, Marcelo Queiroga.
Essas manifestações e acontecimentos se deram na situação em que Bolsonaro perdia no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 23 de março, a ação de inconstitucionalidade dos lockdowns, decretados pelos governos do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul. Os bolsonaristas já vinham reagindo, com manifestações e ameaças a Doria e a sua família. As ameaças se estenderam ao governador do Ceará, Camilo Santana, do Espírito Santo, Renato Casagrande, e outros. Nesse exato momento, no estado da Bahia, os bolsonaristas se valeram da morte de um policial, fulminado por outros policiais, que responderam aos tiros dados pelo referido policial, que se encontrava em estado psicótico. A deputada Bia Kicis (PSL), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados, exortou um motim contra o governador Rui Costa (PT). O presidente do PTB, Roberto Jefferson, responsabilizou o governador da Bahia, dizendo que o policial morreu por “descumprir as ordens do petista Rui Costa”. Observa-se uma fúria da ultradireita, que expressa o desespero de setores da classe média, que vêm sendo atingidos pelas medidas de isolamento social.
A decisão do ministro Edson Fachin, de anular o processo que levou à prisão e à cassação dos direitos políticos de Lula, bem como a decisão da 2ª turma do STF de considerar o ex-juiz Sérgio Moro como parcial, atiçaram a ultradireita e, em particular contrariaram os interesses políticos de Bolsonaro. Essa movimentação ocorreu quando a pandemia elevava o número de mortos, e recolocava o colapso do sistema de saúde. A derrota de Bolsonaro na ação movida contra o lockdown se somou à do início da crise sanitária, quando o presidente pretendia retirar o poder dos governadores e prefeitos, de decidirem sobre o isolamento social. De fato, criou-se no País uma espécie de governo paralelo informal, que resultou em uma das mais profundas crises federativas dos últimos tempos. Ao não poder centralizar e disciplinar autoritariamente os governadores, e não tendo, portanto, como alinhar o Congresso Nacional e o STF à orientação contrária às medidas do isolamento social, o governo, que pretendia originariamente instalar um regime bonapartista, se viu acuado e limitado em suas funções. Bolsonaro não teve êxito em utilizar os temores da classe média, para armar uma base social de sustentação de seu governo, que lhe desse condições para a centralização autoritária.
A estruturação de um governo – repleto de generais e de outras patentes no núcleo governamental e na máquina do Estado – foi concebida para instalar uma rígida centralização das forças políticas, de sorte que todas as esferas governamentais, administrativas e judiciais fossem regidas por um só maestro. A permanência da crise econômica, que se aprofundou, desde 2014, que havia dilacerado o governo o PT, e criado as condições para o golpe de Estado de 2016, dificultou a implantação do governo bonapartista, logo no início do mandato, e potenciou as tendências centrífugas da crise política. A eclosão da pandemia acabou por arrastar a caricatura do governo bonapartista para a borda do precipício.
Bolsonaro, volta e meia, ameaça com o “estado de sítio”, reclamando que não lhe permitem governar. Se fosse por sua vontade, já teria recorrido a uma aventura golpista. Mas, seus próprios generais e parte das forças políticas a que está ligado não lhe deram autorização. A pressão da crise sanitária e a incapacidade de submeter a diretriz dos governadores acuaram a tal ponto Bolsonaro, que acabou afetando a relação entre a presidência da República e o alto comando das Forças Armadas. A demissão do general Fernando Azevedo e Silva do ministério da Defesa concluiu com a entrega dos cargos dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Tudo indica que a crise interna ao governo transbordou no momento em que o ministro da Defesa se negou a destituir o comandante do Exército, Edson Pujol, por não ter acatado a ordem de Bolsonaro, de se pronunciar contra a anulação do processo de Lula, a exemplo do que fez o general Eduardo Villas Bôas, em 2018, diante do julgamento do habeas corpus ao ex-presidente petista. Certamente, esse motivo, se confirmado, não foi o único, para que o general Fernando Azevedo e Silva se indispusesse com Bolsonaro.
As tentativas de envolver as Forças Armadas, como instrumento de contenção do avanço da oposição dos governadores, na situação cada vez mais difícil de controlar a pandemia, foram fracassando, uma após outra, e aumentando as críticas, de que não se poderiam confundir as Forças Armadas, como instituição de Estado, com o governo. Embora esse princípio constitucional não passe de uma formalidade, a denúncia, de que Bolsonaro procurava desviar suas funções, refletiu os limites do objetivo de se constituir um governo de caráter bonapartista.
Um acontecimento de muita importância foi a derrota de Donald Trump, para Joe Biden, nos Estados Unidos. Interrompeu-se o alinhamento de Bolsonaro com a política do republicano. Bolsonaro teria de realizar uma drástica mudança, e se colocar sob as asas do novo presidente democrata. As Forças Armadas brasileiras, por meio de seus generais, guardam uma dependência história com o imperialismo norte-americano. Bolsonaro, ao se definir por Trump, alterou a política da diplomacia brasileira, de permanecer o mais distante possível das disputas eleitorais, na maior potência. Bolsonaro demorou para destituir o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tendo de se render, agora, perante um ultimato da própria base de apoio do governo no Congresso Nacional.
Bolsonaro tem sido obrigado a fazer constantes mudanças nas pastas ministeriais. Destacam-se a crise gerada pela renúncia do ex-juiz, ex-chefe da Lava Jato, Sérgio Moro, do ministério da Justiça, e a destituição do ministro Saúde, Luiz Henrique Mandetta. No primeiro caso, ocorreu uma divisão nas fileiras dos bolsonaristas; e, no segundo, não enfraqueceu a oposição dos governadores, como pretendia o presidente. Resta em pé, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mas sensivelmente debilitado. Bolsonaro não tem como se insurgir contra as pressões de Biden em torno à Amazônia. A queda de José Levi, da Advocacia Geral da União, também é sintomática, uma vez que se opôs a assinar a ação do governo contra o lockdown em três estados.
É visível o enfraquecimento progressivo de Bolsonaro, acelerado pela divisão interburguesa, em torno ao isolamento social e ao plano nacional de vacinação. As inúmeras proposições de impeachment o obrigaram a recorrer aos partidos do “Centrão”, para estancar a hemorragia, que extravasa pelos poros de sua fracassada política. A confiança de Bolsonaro, de que está seguro no poder, se deve ao esteio das Forças Armadas, aos interesses dos partidos do “Centrão”, e ao apoio de uma vasta camada de classe média, principalmente de comerciantes, caminhoneiros e setores de serviços, duramente afetados pelas idas e vindas do isolamento social. Tudo indica que a destituição do ministro da Defesa e a renúncia dos comandantes das três armas constituem na maior fissura na base de seu governo. A oposição espera que essa ruptura leve a um afastamento das Forças Armadas da política bolsonarista. O que aproximará a espada de Dâmocles do impeachment sobre a cabeça de Bolsonaro.
A pandemia tende a se alongar, o que aumenta as dificuldades da recuperação econômica e reativação do mercado de trabalho. O agigantamento da dívida pública, a alta inflacionária nas condições de baixo crescimento, e a elevação da taxa de juros da Selic, evidenciam um enorme desarranjo, que implicará violentas medidas contra as massas, já sacrificadas pelas consequências nefastas da pandemia. O naufrágio do governo Bolsonaro não terá como ser revertido. Essa é a maior probabilidade. As forças políticas da burguesia contam com essa tendência. Com muita antecedência, movimentam-se no sentido das eleições de 2022. A melhor variante para a superação dos impasses do governo Bolsonaro não é o impeachment, segundo os próprios porta-vozes do grande capital e dos homens fortes do Congresso Nacional. Essa via é o último recurso, mas pode se potenciar, no caso da presente crise ministerial não ser contida no próximo período. Uma forma de barrar a ascensão do PT, tendo Lula à frente, é a de destituir Bolsonaro e armar um novo bloco de poder. Essa possibilidade não entra na conta do PT e aliados, que propagandeiam a bandeira de “Fora Bolsonaro” e impeachment. A possibilidade, por sua vez, de um golpe de Estado é a mais improvável, embora não deixe de fazer parte do quadro de desintegração do governo e da democracia oligárquica. A própria ruptura entre o generalato diminui essa probabilidade. A principal via continua sendo a dos preparativos para as eleições, que serão traumáticas, caso Lula esteja apto a concorrer.
Esse conjunto de contradições, que explode no interior da política burguesa e das instituições do Estado, se processa nas condições em que a classe operária se encontra acuada, e a maioria oprimida, em grande medida, passiva. Essa ou aquela variante das tendências da crise política dependem, em última instância, da luta de classes. É aqui que se encontra o problema dos problemas. As organizações operárias e populares foram submetidas, por suas direções, à política burguesa do isolamento social, que resultou na renúncia de um programa de reivindicações próprias, do método da ação direta e da independência política. A crise do governo Bolsonaro dependeu, até agora, quase que estritamente, dos conflitos e divisões no seio da política burguesa e do Estado. Os explorados, em sua quase passividade, não puderam ser o fator de quebra do governo militarista, antinacional e antipopular. Uma solução progressiva para a crise depende, no entanto, da maioria oprimida em luta, sob a direção do proletariado.
Enquanto prevalecer a política de conciliação de classes da burocracia sindical – orientada pelo PT, Solidariedade, PCdoB, PDT e PSB, fundamentalmente – não se estruturará uma poderosa resposta progressiva e revolucionária, para a crise de governabilidade e de regime político. Eis por que a tarefa fundamental é a de travar a luta contra as ações reacionárias da burguesia, e contra as ações conciliadoras e pró-capitalistas da burocracia sindical.
A vanguarda com consciência de classe deve estar atenta a qualquer uma das variantes da crise de governabilidade. E a melhor forma para isso é lutar, no seio da classe operária e da maioria oprimida, por um programa de emergência, que defenda os empregos, os salários, as condições sanitárias, a vacinação universal, bem como as liberdades políticas, seriamente ameaçadas. Há que exigir, junto aos explorados, que as direções sindicais rompam com a política de conciliação de classes, reativem os sindicatos, convoquem as assembleias e organizem um movimento nacional de frente única pelo programa de emergência próprio dos explorados.
A vanguarda com consciência de classe conta a seu favor com a desintegração generalizada do capitalismo, e com a demonstração de que a burguesia e seus governos não têm nada de positivo a oferecer às massas, só têm a oferecer mais sacrifício e flagelo. O programa histórico da revolução proletária emerge em meio à barbárie, que se expande em todo o mundo, e, em especial, no Brasil. É imperativo, na luta pelo programa emergencial e defesa da organização independente do proletariado, expor, explicar e defender pacientemente a estratégia de poder, que tem como guia a bandeira do governo operário e camponês, expressão governamental do princípio histórico da ditadura do proletariado.