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22 abr 2021
Caminhos da crise
Massas 634, 18 de abril de 2021
Está claro que o governo militarista-fascistizante de Bolsonaro está esgotado para importantes setores da burguesia. Pesou sua orientação de negar a virulência da pandemia e promover um dos mais sérios conflitos federativos, desde as dissenções interburguesas da década de 1930. Pesou também a derrota de Trump nos Estados Unidos, desmoronando o alinhamento dos bolsonaristas com a administração dos republicanos. No primeiro caso, Bolsonaro dá um passo para se adaptar às pressões da frente de governadores e setores parlamentares de sua própria base e retrocede dois passos. No segundo, vem cedendo, forçosamente, às exigências do vitorioso Biden, não tendo muito campo de manobra diante do novo regente do imperialismo.
Bolsonaro conta ainda com apoio de amplas camadas da classe média, principalmente de pequenos e médios negociantes e produtores rurais. Os militares sofreram uma trinca, mas não ao ponto de se afastarem dos mais de seis mil cargos que ocupam na administração do Estado. E a base parlamentar de Bolsonaro se mantém coesa, apesar de poderosas forças centrifugas forçarem passagem. A heterogênea oposição não tem conseguido superar o raquítico número de 130 deputados mais fieis. A compra de partidos, de deputados e senadores pelo governo federal continua sendo a moeda forte da supremacia governista. De maneira que o presidente pôde passar pela defenestração do ministro da Defesa e dos três comandantes das Forças Armadas, sem que a oposição burguesa passasse a constituir um perigo ao governo. Perigo imediato que somente poderia vir do Congresso Nacional.
Uma enorme quantidade de pedidos de impeachment dorme na gaveta dos presidentes da Câmara e do Senado. Os rumores crescem com a instalação da CPI da Covid-19, em meio a um choque entre o Executivo e o Judiciário. O entusiasmo da parte da oposição que compõe a sua ala esquerda não passa de fogos de artifícios. Não houve substancial mudança nas relações de força entre as quatro paredes do Congresso Nacional e na ostensiva presença de militares no governo federal.
O enfraquecimento de Bolsonaro diz respeito ao aumento das dificuldades para tomar a iniciativa política no quadro da pandemia, estancar a dispersão federativa e dar ordens aos governadores insubordinados. A CPI, caso funcione, não fará senão reunir provas institucionais dos crimes de Bolsonaro, que resultaram de sua resistência à aplicação do isolamento social, à compra de vacinas, a um Plano Nacional de Vacinação, à garantia de medicamentos e insumos básicos às UTIs. Esse quadro que responsabiliza o presidente da República da tragédia nacional está à vista da população. No entanto, os governadores e partidos da oposição – de direita, centro e esquerda – se guiaram por não colocar as massas nas ruas. Assim, ficaram estabelecidos dois campos. De um lado, a oposição, amparada em uma parcela dos governadores, tendo à frente o govenador de São Paulo, praticando o vai e vem do isolamento. O que implicou evitar qualquer revolta popular. De outro, o governo federal agindo o tempo todo para reduzir o máximo possível o uso do isolamento. O que deu lugar a pequenas e controladas manifestações de bolsonaristas nas ruas. As pressões contrárias às mobilizações prevaleceram sobre as massas. Eis por que a bandeira do impeachment adormeceu na gaveta do Congresso Nacional e não causou pesadelo em Bolsonaro e sua renque de militares.
Os discursos de “Fora Bolsonaro” e impeachment da esquerda oposicionista – independente de suas nuances partidárias – ficou na prateleira da propaganda. Toda a esquerda, tendo na liderança o PT, que foi em sua prateleira em busca do impeachment e do fora Bolsonaro – com ou sem Mourão – teve de recolocar essa bandeira na prateleira, podendo voltar a evocá-la a qualquer momento. O problema permaneceu igual a todos os antibolsonaristas: manterem-se fieis à política burguesa do isolamento social.
Da negativa em organizar o movimento nacional, sobreveio a impotência política diante de um governo que se desmancha por conta própria. Os esquerdistas verbais apregoam uma “greve sanitária nacional” e “Fora Bolsonaro e Mourão”, mas são contra até mesmo realizar um Primeiro de Maio presencial. Está absolutamente claro que, se não for posto em marcha um movimento nacional pelo impeachment, Bolsonaro continuará zombando com suas ameaças de golpe.
Lula é a esperança do PT e de maior parte das esquerdas. Essa é a variante real que a oposição como um todo espera vingar. A oposição de centro-direita também precisa responde à decomposição do governo Bolsonaro, sem que os explorados estejam nas ruas se autodefendendo do flagelo da pandemia e do desastre da crise econômica. A situação mais favorável e sensata para Lula é que tudo caminhe pacificamente para as eleições.
A política do reformismo necessita das ilusões democráticas das massas, de que podem eleger um novo e melhor governo, sem precisar lutar pelas suas próprias necessidades, com suas próprias forças, e sem precisar ter a consciência de que o novo governo eleito pelo voto dos explorados servirá aos interesses dos exploradores.
Tanto as forças da esquerda adaptada ao capitalismo, quanto as do centro-direita preparam-se para se desfazer do governo Bolsonaro. Preparam para arregimentarem as massas, e para mantê-las passivas e submissas, diante da hecatombe da pandemia e do avanço da barbárie social. As direções sindicais têm se perfilado por trás dessa linha. A bandeira do impeachment é secundária, eventual, para os reformistas. A esquerda socialista verbal que se enfileirou em torno ao impeachment terá de seguir a trajetória de Lula, principalmente se sua candidatura ascender ainda mais. Não falta o argumento de que, se for para livrar o país de Bolsonaro, se devem fechar as narinas e ficar com Lula e o PT. Ou que as massas populares estão com Lula, então é preciso ficar com as massas. Passa-se uma borracha na experiência de quatorze anos de governo petista, como se fosse possível ocultar que Lula e Dilma serviram à burguesia. Essa particular circunstância política reflete a profunda desorganização do proletariado e a quase inexistente consciência de classe, que, por sua vez, reflete a grave crise histórica de direção revolucionária.
Não apenas as esquerdas, mas também vozes da oposição burguesa de centro-direita acusam Bolsonaro de genocida. No entanto, nada fizeram para levantar as massas contra o genocida. O máximo de “ação” foi discursarem, indignados, pelo impeachment. Vimos que Doria e seus aliados, entre eles os governadores do PT e PCdoB, tiveram de contar com o STF para se livrarem das imposições de Bolsonaro. E vimos que as centrais, sindicatos e movimentos se recolheram detrás dos governadores. Não poderiam organizar manifestações, se haviam abraçado a política dos governadores dissidentes e críticos do negacionismo de Bolsonaro. Tornou-se facílimo aos reformistas e ao seu braço sindical denunciar o negacionismo do reacionário, e, ao mesmo tempo, negar a necessidade imperiosa de organizar as massas em defesa própria. E sem se importarem em revelar o negacionismo dos monopólios que controlam as vacinas e dos governos imperialistas que passaram a usar o milagroso medicamento para fins de guerra comercial.
Observando os fatos como um todo, nota-se que há mais de um negacionismo e mais de um responsável pela montanha de mortos. Não se pode desvincular os caminhos da crise dessas complexas relações, que se formaram no interior da burguesia internacional e nacional. E que emaranharam e arrastaram as organizações operárias e populares, rigidamente controladas pela burocracia sindical. Somente os interesseiros, desonestos ou estúpidos, politicamente, podem fingir que as direções sindicais e os partidos a elas ligados não têm nenhuma responsabilidade diante do fracasso do isolamento social, da escassez de vacina, do descontrole da pandemia, da mortandade, da onda de demissões, do fechamento de centenas de fábricas, do miserável auxílio emergencial e da dissiminação da fome endêmica. É certo que há uma escala de responsabilidade. O poder está nas mãos de Bolsonaro e dos governadores. Esse é o nível de responsabilidade da classe dominante, que é a burguesia. Mas, há a responsabilidade das direções, que controlam as organizações das massas e que as sujeitaram ao nível superior da responsabilidade dos governos burgueses.
A tarefa revolucionária se concentra na luta por libertar os explorados dos caminhos da crise determinados pelas condições particulares da crise capitalista, potenciada pela pandemia. A bandeira que guia a vanguarda com consciência de classe é a de recuperar as forças sociais da classe operária e dos demais trabalhadores. O que virá pelas próprias necessidades objetivas das massas, pelo desenvolvimento da política de independência diante das forças burguesas, pela defesa de um programa próprio dos explorados e pelo paciente trabalho em torno à estratégia da revolução proletária.