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26 maio 2021
Terceira Carta do Partido Operário Revolucionário
Aos trabalhadores e à juventude oprimida
Como combater a fome e a miséria
Por onde começar
25 de maio de 2021
A barbárie capitalista avançou a tal ponto, que instituições da burguesia estão obrigadas a expor a gravidade da situação. As direções sindicais, movimentos e correntes de esquerda foram embalados pela repercussão da miséria e fome multiplicadas no último período, principalmente nesse um ano e três meses de pandemia. Abriu-se uma discussão institucional no Congresso Nacional. A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara foi acionada. Estiveram presentes capitalistas, como o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), e representantes do movimento dos pequenos agricultores.
O interesse pelo problema da fome foi despertado pelos “Dados do Inquérito Nacional sobre a Insegurança Alimentar em Contexto de Covid”. Teve grande repercussão a publicação do estudo “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”. A imprensa o repercutiu, expondo os assombrosos dados e a conclusão de que a miséria e a fome cresceram enormemente ao longo da pandemia. O Congresso Nacional e a imprensa tiveram de reconhecer a explosão do desemprego e subemprego, bem como a alta dos preços dos produtos da cesta-básica. Desemprego, subemprego e inflação formam uma combinação catastrófica.
Como um país pode suportar a diminuição da força de trabalho empregada de 93,7 milhões para 85,9 milhões; o aumento de 78,3 milhões para 90,9 milhões de pessoas sem trabalho? Como pode a maioria assalariada e o gigantesco contingente de desempregados e subempregados suportarem o aumento de 57% e 51%, no arroz e feijão, respectivamente? O desemprego e subemprego sobem, a renda do trabalho cai e a inflação alimentar dá um salto às alturas.
Eis as primeiras evidências do aumento da miséria e fome. Eis as primeiras explicações do fato de “116,8 milhões de brasileiros conviverem com algum grau de insegurança alimentar e 19 milhões enfrentarem a fome, no último trimestre de 2020”. Os analistas e politiqueiros da burguesia vão até onde a constatação é demonstrada pela estatística. Como não podem ir ao fundo das causas, procuram justificativas que se limitam à política econômica e social do governo burguês de plantão. O fundamental do problema estaria nas “políticas públicas”. O que, certamente, não deixa de ter interferência no curso do empobrecimento generalizado das massas e no ritmo acelerado do crescimento da miséria e fome. Um exemplo discutido é o do auxílio emergencial, todos ficaram contentes com os R$ 600,00, que alcançaram 66 milhões de brasileiros, inclusive as direções sindicais que o consideraram uma vitória. É claro que a sua diminuição – primeiro, para R$ 300,00 e depois para uma média de R$ 230,00, abrangendo 39 milhões de brasileiros – impacta sobre uma massa humana desempregada e subempregada. Se um governo é pródigo em programas assistenciais, é claro que comparece como mais preocupado com a miséria e a fome do que aquele que diminui o seu espaço no orçamento. Pode-se ainda considerar o peso da situação econômica. Se há um crescimento considerável, diminuem o desemprego e subemprego, o que por si só possibilita mais famílias terem o que comer, mesmo que insuficiente. Se houver um crescimento econômico e uma inflação estável, essa incidência será mais palpável ainda. No caso da queda econômica e das pressões inflacionárias, a pobreza e a miséria avançam. É o que está se passando no momento.
A posição do governo e do Congresso Nacional de reduzir a margem do assistencialismo social contribuiu para o agravamento da miserabilidade. Mas não é a causa. Nesse mesmo sentido, sob o governo de Lula, e em parte o de Dilma Rousseff, os indicadores de pobreza, miséria e insegurança alimentar foram reduzidos, ao ponto da ONU retirar o Brasil do Mapa da Fome. O que não significou ir à raiz da causa. O reformismo criou a ilusão de que se estaria a caminho da eliminação gradativa da fome. Não por acaso, esse argumento ganha força política em meio aos desastres dos governos Temer e Bolsonaro. O reformismo não pode admitir que, nas condições de crise profunda da economia, nenhum governo burguês pode sustentar um gasto considerado elevado – segundo o critério da administração burguesa – destinado ao assistencialismo. Basta ver a mudança ocorrida no segundo mandato de Dilma Rousseff.
A gigantesca dívida pública e a pesada carga de juros comprometem boa parte do Orçamento. Os tentáculos desse polvo é parte do bloqueio das forças produtivas e, consequentemente, da extensa miserabilidade da maioria oprimida. Nenhum dos críticos de Bolsonaro ousa atacar a sangria do Tesouro Nacional, provocada pela dívida pública. O peso da dívida pública na política econômica resulta, em grau distinto, em meio ao crescimento ou à queda econômica. Para comparar governos e políticas econômicas, é preciso considerar os fatores de conjunto, nas condições particulares do momento. Principalmente, no que diz respeito à pobreza, miséria e fome. Os dados demonstram, sem dúvida, que a política antinacional e antipopular de Bolsonaro é um fator de agravamento das condições de existência da maioria oprimida, golpeada pela pandemia, demissões e rebaixamento salarial. O que deve ser questionado é o argumento de que basta mudar a orientação governamental das denominadas políticas públicas, para então enfrentar as chagas mais mutiladoras e mortais, que vitimam os explorados. Esse uso eleitoral tem de ser desmascarado, denunciado e combatido, perante o proletariado e demais trabalhadores.
A CUT, em sua convocatória à manifestação do dia 29 de maio, recorre a essa explicação, afirmando que “a população enfrenta alta taxa de desemprego e o drama de ter nosso país retornando ao Mapa da Fome da ONU, depois de termos conseguido sair deste triste quadro em governos anteriores, que adotaram políticas públicas de inclusão social”. A ONU pode ter tirado o Brasil do Mapa da Fome, mas isso não significa que, na realidade, a fome deixou de mutilar vastas camadas da população. Esse jogo propagandístico eleitoral não tem como esconder que o aumento ou diminuição da fome expressam, antes de tudo, a situação econômica do momento e as condições da exploração e acumulação de capital. Em 2013, as estatísticas indicavam que 23% dos lares se debatiam com “insegurança alimentar”. Esse indicador, que já era alto, saltou para 37%, entre 2017-2018. Não há dúvida de que a queda econômica de 2014 e a recessão de 2015-2016 deram início à volta do Brasil ao Mapa da Fome. Repetimos, as políticas públicas podem amenizar mais ou menos, mas não podem resolver o problema. A experiência indica que os emplastos colocados sobre as profundas chagas funcionam como uma máscara à tragédia vivida no dia a dia pelas famílias operárias e camponesas.
Em 1946, Josué de Castro apresentou um estudo aprofundado no livro “Geografia da Fome” e, em 1957, o completou com a obra “Geopolítica da Fome”, quando era deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro. Foi cassado em 1964, por suas posições nacionalistas. O seu mérito se deveu à demonstração de que havia causas sociais para a fome, derrubando a tese das condições climáticas e rejeitando absurdos como o comportamento ocioso dos trabalhadores, entre outras críticas. Estabeleceu, no entanto, a conclusão equivocada de que a miséria e a fome poderiam ser combatidas por meio da distribuição de riquezas, que se achavam extremamente concentradas. Defendeu a reforma agrária, como uma via de se alcançar uma distribuição alimentar necessária à solução do problema da fome. Como nacionalista, não pôde entender que a burguesia não tinha como realizar a tarefa democrática da reforma agrária. No mesmo sentido, nenhum governo burguês poderia levar o Estado a promover uma ampla distribuição de riqueza, pela via de políticas públicas. Os reformistas, de nossos dias, praticamente abandonaram a bandeira da reforma agrária. Restou a tese da distribuição de riquezas, que serve às imposturas políticas eleitorais.
A fome faz parte da história econômica e social do país. É, portanto, estrutural. Reflete a condição de país semicolonial, cujas forças produtivas internas estão entrelaçadas e condicionadas pelas forças produtivas mundiais, chefiadas pelo imperialismo. Não por acaso, essa é a realidade da América Latina e dos demais continentes, em que predominam os países de economia atrasada, como apontou Josué de Castro no livro Geopolítica da Fome. Por ser estrutural, não há política pública capaz de erradicá-la. A posição de amenizar a fome serve à burguesia e à manutenção do capitalismo. Em certo sentido, continua válida a tese da reforma agrária, desde que seja parte e produto da revolução proletária. A liquidação do poder latifundiário e a transformação da avançada agroindústria em produção socialista no campo permitiriam resolver rapidamente a miséria do camponês. A revolução agrária é uma tarefa democrática burguesa, que somente o programa da classe operária corresponde às condições históricas para o seu cumprimento.
A expropriação da burguesia e a transformação da propriedade privada dos meios de produção são o ponto de partida para iniciar a erradicação da pobreza, miséria e fome. É obrigatório desenvolver no interior das lutas a estratégia de poder do proletariado e a forma de governo a ser implantada pela revolução social. A necessidade do proletariado unir a maioria oprimida, para potenciar as forças transformadoras, dá lugar à luta por um governo operário e camponês, expressão governamental da ditadura da maioria oprimida sobre a minoria opressora. É com esse programa que se torna viável a erradicação da fome. Evidentemente, para a classe operária e os demais explorados convergirem seus instintos de revolta com esse programa têm de passar por inúmeras etapas no processo único de materialização de sua estratégia de poder.
Objetivamente, o movimento operário, camponês e popular se encontra em grande atraso diante do capitalismo que se desintegra e de suas nefastas consequências sociais. O problema está em ir superando esse atraso nas condições objetivas, cujas premissas, para a revolução proletária, estão mais do que amadurecidas. Nenhum radicalismo verbal serve para cumprir esse objetivo. Ao contrário, atrapalha, dificulta a fusão da vanguarda revolucionária com o proletariado. O fato dos explorados suportarem um ano e três meses da fulminante pandemia, do desemprego crescente, da perda salarial, da destruição de direitos e do avanço da fome, sem explodir em movimentos radicais de massa, põe à luz do dia a profunda crise de direção revolucionária.
Somente uma aliança da burocracia sindical com uma fração governamental dos capitalistas poderia bloquear tão poderosamente os instintos de revolta dos pobres e famintos. Essa mesma burocracia e seus mentores partidários – PT, PCdoB, PDT, PSB, principalmente – agora dizem que chegou o momento de voltar às ruas, para substituir o governo burguês de Bolsonaro, militarista e fascistizante, por um governo burguês democratizante e supostamente capaz de reverter os retrocessos da política pública. Durante tanto tempo, com a pandemia matando diariamente e os capitalistas fechando fábricas e demitindo, essas direções não fizeram senão barrar a luta e substituí-la por campanhas filantrópicas. Campanhas essas orquestradas por poderosos grupos econômicos e pela maior fonte de obscurantismo, que são as igrejas. Os burocratas e reformistas derramam lágrimas sobre as 450 mil mortes pelo Covid. Lamentam o crescimento da pobreza, fome e miséria. E exortam os explorados a trocarem um burguês maldito por um governo burguês bendito. Isso, ocultando para as massas o caráter de classe dos governos e a sua função de sustentar a propriedade privada dos meios de produção, redigida pelos monopólios e capital financeiro. É um imperativo combater essa barreira ideológica, política e organizativa, para abrir caminho à luta contra a fome. Obrigatoriamente, o ponto de partida dessa luta está na defesa do emprego, do salário e das conquistas trabalhistas.
A burocracia se nega a unir os empregados e desempregados em um amplo movimento em defesa da força de trabalho. Sabe que convocar assembleias, organizar greves, preparar ocupações e ganhar as ruas pelos empregos e salários levam os explorados a se chocarem com os seus exploradores, a reconhecerem a dominação burguesa como a fonte originária da pobreza, miséria e fome. Assim, desvia a luta de classes para o caminho da farsa das políticas públicas, da distribuição de renda e do assistencialismo. O problema fundamental das direções traidoras está em como evitar que a revolta instintiva das massas tome a forma da luta de classes, por suas reivindicações próprias, como são os empregos, salários e direitos trabalhistas.
A esquerda centrista, que, como tal, se debate na contradição entre o reformismo e o marxismo, tem evidenciado a sua mais completa impotência. O PSTU e PSOL seguiram passo a passo as pressões da burocracia encasteladas nas centrais sindicais, ajudando-as a bloquear qualquer iniciativa que desse lugar ao movimento de massa. Por força das circunstâncias, a central dirigida pelo PSTU, a CSP-Conlutas, teve de mobilizar restritamente os metalúrgicos que perderam seus empregos com o fechamento da LG. Agora, vem dizer que chegou o momento de voltar às ruas. Não há hipocrisia mais grosseira que essa. No 1º de Maio todas as centrais, sem exceção, e quase todos os partidos de esquerda se negaram a realizar manifestações presenciais. Poucas semanas depois, dizem que, agora sim, é preciso combater com manifestações o governo de Bolsonaro. Requentam a bandeira do “Fora Bolsonaro”, que tem por conteúdo o impeachment ou eleição presidencial. As duas variantes são burguesas, uma vez que não são as massas que golpeiam o governo da burguesia com seus métodos e organizações próprias. Essas direções de conjunto devem ser rechaçadas pela classe operária, pelos camponeses pobres e pela juventude oprimida. Não têm nenhuma moral revolucionária, para condenar a fome que avança, já que são responsáveis pelo bloqueio da luta de classes, única via possível de combater o desemprego e o subemprego.
É com essa linha e com o programa de emergência próprio dos explorados, que a vanguarda com consciência de classe deve organizar e intervir nas manifestações de 29 de maio.