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01 jun 2021
Quarta Carta do Partido Operário Revolucionário
Aos trabalhadores e à juventude oprimida
Dia 29 de maio
Um primeiro passo para superar a passividade
É preciso pôr em pé um movimento nacional pelos empregos, salários, direitos trabalhistas e vacinação universal
31 de maio de 2021
O Dia de Mobilização Nacional pôs nas ruas do país milhares de manifestantes. Estima-se que 80 mil pessoas ocuparam a Av. Paulista, realizando uma marcha massiva até o centro da cidade. Em Recife, a polícia desfechou uma brutal repressão, sob as vistas do governador e do prefeito, ambos do PSB. As concentrações e marchas em várias capitais assinalaram a disposição de luta, que tende a crescer, depois dessa demonstração, e diante da continuidade do flagelo capitalista, que recai sobre a maioria oprimida. É obrigatório indicar, no entanto, que, durante um ano e três meses, as centrais, sindicatos, movimentos e partidos reformistas bloquearam a ação coletiva dos explorados.
O abandono da posição de que a ação coletiva contrariava a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), aplicada pela maioria dos governadores, certamente, tem seus motivos. No transcurso de um ano e três meses, a Pandemia se mostrou persistente, as respostas dos governadores não conseguiam conter a escalada das mortes, a vacinação se realizava lentamente, as atitudes políticas do governo federal se tornavam insustentáveis, retornava-se à quase normalidade das atividades econômicas, e agravava-se a crise social, tudo isso, de conjunto, explica, agora, por que as direções sindicais e políticas não puderam manter o freio ao descontentamento acumulado nas entranhas da população.
Embora de maneira indireta, a revolta na Colômbia, principalmente, demarcou, na América Latina, um curso de resistência, cujos reflexos se fizeram sentir no Brasil. As manifestações nos Estados Unidos, em resposta ao assassinato de George Floyd pela polícia, foi o primeiro sinal, por sua contundência, de que o único meio de os explorados se defenderem contra qualquer efeito do capitalismo em decomposição é o da luta coletiva, dos métodos próprios do proletariado. As direções sindicais e políticas não tiveram como utilizar o argumento da Pandemia, para condenar a mobilização das massas negras contra mais um ato bárbaro de racismo. No entanto, essa lição não foi suficiente para quebrar a passividade dos burocratas e reformistas, não só no Brasil, como na América Latina. A política de conciliação de classes funcionou, também na Pandemia, como uma argamassa, que engessou as organizações operárias, camponesas e populares.
Não demorou muito para que se tornasse patente que a Pandemia não seria controlada rapidamente. Todos assistiam diariamente o número ascendente de contaminações e mortes. As centrais decidiram, no entanto, romper a passividade, quando o país atingia a marca de 460 mil mortes. Ninguém duvidava do realismo da previsão de que logo se chegariam aos 500 mil. E ninguém podia duvidar da possibilidade dos 600 mil. Diante de nossos olhos, vimos em câmara lenta os governadores se mostrarem impotentes, apesar de assumirem a orientação da OMS.
Apesar das evidências de que somente a classe operária organizada, tomando a frente dos explorados, poderia combater por um programa de emergência próprio, e garantir a independência política diante dos governantes e da burguesia, as direções se colocaram abertamente pela bandeira burguesa do “fique em casa”. E a forma de expressar essa diretriz foi a de se limitarem aos chamados “panelaços”, “atos simbólicos”, “lives” e, quando muito, carreatas de ativistas. Esses meios passivos serviram para ocultar a barreira política e organizativa interposta entre as massas e a burguesia, bem como entre elas e os governantes. A demonstração mais contundente dessa conduta derrotista foi a negação explícita de que não se deveria realizar o 1º de Maio presencial. Armou-se uma frente ampla por reduzir o 1º de Maio a discursos virtuais, hipócritas e cínicos, sobre as desgraças da Pandemia. Nenhuma voz entre as centrais contestou e rompeu com essa franca posição capituladora.
A plenária das centrais, de 11 de maio, portanto 10 dias após o Dia Internacional dos Trabalhadores, decidiu o 29 de maio, como dia de mobilização, precedido por um ato no dia 26, em Brasília, para entregar a “Agenda Legislativa das Centrais Sindicais para a Classe Trabalhadora” à presidência da Câmara dos Deputados e do Senado. E o pedido do auxílio emergencial de R$ 600,00 e a vacinação. Nem bem foi realizada a teatralização em frente ao Congresso Nacional, a CUT emitiu um nota, no dia 28, explicando que seguia as recomendações da OMS. Orientou as direções a “não provocarem aglomerações e exporem nossos militantes e trabalhadores e trabalhadoras das nossas entidades ao risco de contrair Covid-19”. Os cínicos colaboracionistas concluíram a nota dizendo precisar “de todos vivos para vencermos todas as batalhas que ainda serão travadas”. Essa recomendação da direção da CUT demonstrou que aceitou, contra a sua vontade, a convocação do dia 29, e que pretendia apenas um ato simbólico em frente ao Congresso Nacional.
A nota do dia 28 foi uma forma de dar satisfação à burguesia e aos governadores, de que a CUT estava contra romper a passividade, que não estariam fazendo o mesmo que os bolsonaristas, que usaram fartamente as ruas no 1º de Maio. É bem provável que a crítica do vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá, à convocação do dia 29, tenha contado com o apoio de uma importante parcela do partido. Diz o petista que era incoerente com a linha adotada até o momento, de não romper o isolamento social, quando a Pandemia continuava a matar. Chegou ao cúmulo de denunciar que as manifestações seguiriam a conduta dos bolsonaristas. A CUT, de fato, não se empenhou em convocar e organizar as manifestações. O boicote não declarado influenciou as demais centrais, à exceção da CSP-Conlutas, que rompeu com a passividade, depois de mais de um ano se arrastar por trás da frente burocrática das centrais. Eis por que os burocratas ficaram surpresos com a ocupação massiva da Av. Paulista, e a realização de atos e marchas em inúmeras cidades do país.
O entusiasmo despertado, depois de a mobilização repercutir nacionalmente, e comparecer como oposição ao governo Bolsonaro, é daqueles que viram que, ao final das contas, as manifestações estiveram sob o controle da política dos reformistas e da própria burocracia sindical. Não poderiam admitir – nem mesmo a CSP-Conlutas – de que se tratava de uma ruptura da passividade e da demonstração do quanto nociva foi a política burguesa do “fique em casa”.
O conteúdo político do dia 29 se concentrou na bandeira do “Fora Bolsonaro”. Evitou-se, porém, vinculá-la ostensivamente à bandeira conexa do impeachment. A frente que convocou as manifestações preferiu manter a ambiguidade do “Fora Bolsonaro”, bandeira que serve aos reformistas, esquerdistas pseudo-socialistas e, até mesmo, a alguns setores conservadores da burguesia. A posição majoritária do PT não esconde que, depois do ascenso da candidatura de Lula, o melhor caminho não é o de pressionar o Congresso Nacional para a abertura do impeachment. Não interessa aos estrategistas do reformismo agravar a crise política, quando o governo Bolsonaro naufraga nas águas da própria política burguesa. Eis por que se fala na tática de avançar no desgaste do presidente ultradireitista, negacionista e genocida. De forma que a bandeira do “Fora Bolsonaro” não passava de uma propaganda sem consequências práticas. Isso por que dependia da bandeira do impeachment. Uma vez que o conteúdo real da bandeira “Fora Bolsonaro” ficou oculto, os esquerdistas não precisavam se preocupar. O PSTU, que dirige a CSP-Conlutas, reclamou, apenas, da posição que objetiva desgastar eleitoralmente Bolsonaro, deixando-o “sangrar até 2022”. Os pseudo-socialistas, que, por mais de um ano, ficaram agarrados na saia da burocracia, seguidora da política burguesa do isolamento social, passam, agora, a dizer que “o verdadeiro caminho para derrotar Bolsonaro-Mourão (…) é o da ação direta”. Procuram, assim, requentar a panaceia da “greve geral sanitária”.
As reivindicações de auxílio emergencial de R$ 600,00 e aceleração da vacinação a todos não passaram de estofo para a bandeira do “Fora Bolsonaro”. No caso do auxílio emergencial, R$ 600,00 são uma migalha. E a pergunta é por que as centrais não convocaram as massas a saírem às ruas, quando Bolsonaro e o Congresso Nacional discutiam a redução de seu valor? E isso ocorreu já em setembro, quando o auxílio foi cortado pela metade. As centrais optaram pela passividade, tendo claro que milhões não mais contariam nem com as migalhas aprovadas por meio de um acordo entre Bolsonaro e Congresso Nacional. É bom lembrar que toda essa gente se encontrava mergulhada na campanha eleitoral para as prefeituras. No caso da vacinação, em meados de 2020, abria-se um conflito do governador Doria e da frente de governadores com Bolsonaro. A vacinação somente se iniciou no final de janeiro de 2021. Durante quatro meses, a vacinação foi a conta-gotas. Somente agora, as centrais decidiram reivindicar a sua aceleração. Somente os impostores, os mal-intencionados e os cegos não veem que o “Fora Bolsonaro” e as reivindicações de auxílio emergencial e vacinação são demagógicos. Não há nenhuma pretensão séria de organizar um poderoso movimento para golpear a política reacionária de Bolsonaro e criar as condições para derrubá-lo pela via da ação direta das massas. O mesmo diz respeito às demais reivindicações. Não é do interesse da oposição burguesa de esquerda e das burocracias sindicais abrirem caminho para potenciar um movimento que dê um primeiro passo na luta coletiva.
As avaliações exitistas do inesperado dia 29 passam por cima do bloqueio que as direções montaram durante um ano e três meses. Ao contrário, é necessária uma justa e sóbria avaliação desse importante acontecimento. A mobilização de milhares de manifestantes, em mais de duzentas cidades do país, reflete uma tendência de ascenso dos explorados, que já suportaram por muito tempo as consequências brutais da Pandemia e da crise econômica. O dia 29 de maio serviu de válvula de escape à torrente de descontentamento e revolta gestada no seio da maioria oprimida. A sua composição social evidenciou que uma camada da pequena burguesia e da juventude empobrecida tomou a dianteira da ruptura da passividade.
A classe operária não esteve presente, como deveria estar. Esse é um ponto decisivo do balanço crítico do dia 29. A burocracia sindical continuou ditando a política da passividade ao proletariado. Isso explica por que os desempregados, subempregados, pobres, miseráveis e famintos não se lançaram às ruas. Bolsonaro e bolsonaristas puderam desdenhar da mobilização, justamente porque não sentiram o chão estremecer sob os seus pés. Identificaram a bandeira do “Fora Bolsonaro”, como parte da disputa eleitoral, que se iniciou desde o momento em que o Supremo Tribunal Federal restituiu os direitos políticos de Lula. Não viram motivo de alerta quanto às reivindicações do auxílio emergencial e da vacinação. Parte da grande imprensa mirou com bons olhos a contestação a Bolsonaro, enquadrada nos limites das disputas interburguesas, que se vêm processando antes mesmo da Pandemia.
Os protestos advindos de camadas da classe média descontente são, via de regra, considerados democráticos. Isso, quando não levantam as reivindicações que opõem trabalho e capital. A defesa das reivindicações mais elementares da classe operária e dos demais trabalhadores escapa dos limites dos protestos políticos da classe média. A burocracia sindical, nesse sentido, exerce um poderoso controle das organizações classistas, e impõe cotidianamente obstáculos às tendências instintivas de revolta do proletariado. As manifestações do dia 29 somente foram admitidas por essas direções porque não levantavam a classe operária contra a burguesia e seus governantes. Basta observar as condições objetivas da maioria oprimida, para reconhecer que as suas necessidades e as suas reivindicações não estiveram na base do Dia de Mobilização Nacional. Nem sequer tiveram um mínimo de ressonância.
A Pandemia não é a única tragédia a ser enfrentada. Com ela, se agravaram o desemprego, subemprego, fome e miséria. De que adianta as direções protestarem verbalmente contra os 14,8 milhões de desempregados, 34 milhões de trabalhadores sem carteira assinada, 33,2 milhões de pessoas subutilizadas, enfim, protestarem contra o avanço da fome? De que adianta, se não organizam a classe operária e os demais assalariados, para defenderem os empregos e os salários? De que adianta estenderem enormes faixas de “Fora Bolsonaro”, se mal se vê em alguns cartazes a defesa do emprego? Nesse ponto reside a essência do balanço do dia 29.
O ponto de partida para combater o governo burguês ultradireitista, qualificado de negacionista e genocida, se encontra nas reivindicações que unificam os explorados em torno ao proletariado. Ao se retirar esse ponto de partida, o movimento se limitou ao democratismo pequeno-burguês. A omissão ou a utilização demagógica do desemprego, subemprego e queda salarial, nas condições em que os capitalistas descarregam pesadamente a crise econômica sobre a força de trabalho, correspondem à política de bloqueio ao proletariado e de amortecimento da luta de classes. Isso se passou durante um ano e três meses. E não porque a classe operária não tivesse necessidade de utilizar todos os seus meios para defender a si e ao conjunto dos explorados. Ao contrário, há muito não se tinha uma combinação tão desagregadora da força de trabalho como a que confluiu a Pandemia e a crise econômica, em um só processo, oposto às necessidades mais elementares da maioria oprimida. É sintomático que as direções, que organizaram as manifestações, se esmerassem por marginalizar as reivindicações mais sentidas dos explorados, e por privilegiar a bandeira eleitoral do “Fora Bolsonaro”. Lembremos que o fechamento de fábricas e as demissões em massa não mereceram das centrais a organização de um movimento nacional pelos empregos e salários. Os acordos de indenização foram a única saída proposta pelos burocratas, para amenizar momentaneamente a situação dos demitidos. Esse tipo de engano favoreceu o patronato, que ficou com as mãos livres para demitir. A passividade geral e o isolamento das lutas, que poderiam se generalizar, se refletiram na orientação política e na composição social das manifestações do dia 29.
O Partido Operário Revolucionário (POR), infelizmente, foi a única corrente política que trabalhou para que as mobilizações tivessem como coluna vertebral a luta pelos empregos, salários, direitos trabalhistas e vacinação universal, a começar pelos pobres e miseráveis. A política do proletariado, assim, esteve presente nos estados em que o POR está organizado, distinguindo-se da política burguesa e pequeno-burguesa. Devido ao seu desenvolvimento embrionário, não foi possível destacar o programa de reivindicações próprio dos explorados, bem como a estratégia revolucionária de poder.
Esse balanço, certamente, se diferenciará e se oporá aos dos burocratas, reformistas e centro-esquerdistas. Assim se passa porque o POR compareceu como uma força viva, encarnando a política do proletariado, embora este, fisicamente, não estivesse presente. O POR faz um chamado à vanguarda com consciência de classe a analisar e estudar em profundidade o conjunto das experiências do período de um ano e três meses de passividade e, agora, diante da mudança que se iniciou com as manifestações massivas do dia 29 de maio. Chama a vanguarda com consciência de classe a reunir forças em torno à defesa da convocação de um Dia Nacional de luta pelos empregos, salários, direitos trabalhistas e vacinação universal, impulsionado por assembleias, comitês de base e paralisações.