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10 jul 2021
Agrava-se a crise política de governabilidade
Estratégia e tática da política do proletariado
Massas 642, Editorial, 11 de julho de 2021
As últimas apurações da CPI-Covid trouxeram à luz do dia o comprometimento de militares com o esquema de corrupção, montado a partir do Ministério da Saúde. O depoimento do deputado Luís Miranda (DEM) abriu caminho para a elucidação da existência de quadrilhas, que se aproveitaram da Pandemia para arranjar negócios lucrativos na compra da vacina indiana Covaxin. Também trouxe à luz a tentativa de obter propina sobre a compra da vacina da Astrazeneca. Um dos pivôs da negociata é, nada mais nada menos, que o líder de governo da Câmara de Deputados, Ricardo Barros (Progressista). Mas, a montagem de um acordo de compra superfaturada e realizada com uma quadrilha de atravessadores, com sede em paraíso fiscal, como foi revelado por Luís Miranda, se deu sob a sombra do presidente Jair Bolsonaro.
Diante da exposição de oficiais, o ministro da Defesa e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica acusaram a CPI de envolver as Forças Armadas. Com essa ameaça, exigiram que CPI deixasse de fora a rede de militares envolvida na corrupção, em cujo centro se encontram o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, e seu então Secretário Executivo, coronel Élcio Franco.
Desvendou-se o real conteúdo do “negacionismo” de Bolsonaro, que retardou a compra das vacinas, e combateu as iniciativas do governo de São Paulo, de agilizar a produção da Coronavac pelo Butantã. A desgraça de Bolsonaro foi ter bloqueado momentaneamente a entrada da Pfizer, que é o monopólio mais poderoso, e capaz de travar a guerra comercial com a China e Rússia. Não havia como o empresário brasileiro, Francisco Maximiano, proprietário da Precisa Medicamentos, montar um lobby, comprando homens do governo, sem que se chocasse com o monopólio da Pfizer e conexos. A tentativa de passar pela vigilância dos Estados Unidos sem ser flagrada se mostrou uma operação primária. Não por acaso, a denúncia a Bolsonaro partiu de um parlamentar de sua própria base aliada.
A valentia de Omar Aziz e Renan Calheiros se escora em costas largas. O governo Bolsonaro deu sinais de que afundaria mais rapidamente, depois da derrota de Donald Trump e vitória de Joe Biden, nos Estados Unidos. A montanha de brasileiros mortos pela Pandemia contrariou a avaliação dos estrategistas militares do governo. Bolsonaro arcou com toda a responsabilidade, embora, em última instância, a fonte do fracasso no combate à Pandemia se acha na burguesia, no grande capital e no imperialismo.
A forma de responsabilização do presidente da República é a de abrir os tumores apodrecidos nas entranhas do governo bolsonarista. Esse é o melhor caminho para ocultar o poder econômico, que esteve na base das decisões de Bolsonaro. Não se faz referência à marcha dos empresários, liderada pelo chefe da República, até o Supremo Tribunal Federal (STF), para exigir sua submissão à linha traçada no Planalto.
A corrupção é inerente ao Estado burguês. É, portanto, uma matéria prima valiosa para as disputas interburguesas. O impeachment de Fernando Collor de Mello e de Dilma Roussef foram precedidos de escândalos de corrupção. Sem esse combustível, não se derruba um governo pela via institucional, parlamentar, judicial e policial. A particularidade do caso Bolsonaro está em que a corrupção em torno à compra da vacina se associa a uma escalada de mortes, que logo chegarão a 600 mil. Um potente complicador se manifesta na recessão de 2020, na difícil retomada do crescimento econômico, na alta taxa de desemprego, e no avanço da miséria.
O empenho de uma fração parlamentar por rasgar a máscara de anticorrupção vestida por Bolsonaro e seus militares indica que não há como desviar o curso objetivo da crise política. O problema está em unir as frações mais poderosas da burguesia, e deslocar as Forças Armadas do centro da governabilidade, para criar as condições do impeachment. O STF não comparece como um empecilho. O apoio popular ao governo vem caindo vertiginosamente. É preciso resolver os termos negativos da equação, para se passar da propaganda do impeachment à movimentação parlamentar concreta, que está na dependência de o presidente da Câmara dos Deputados romper com Bolsonaro, e desengavetar o “Superpedido”, ou pela via da ação do STF. Caso contrário, o caminho previsto é o da polarização eleitoral entre Bolsonaro e Lula.
Esse ambiente da crise política se refletiu pesadamente nas manifestações de 3 de julho. As forças burguesas oposicionistas jogam com as duas variantes: impeachment e eleições. Há setores da oposição antipetista que veem no impeachment um meio de desfazer a polarização prevista. O PT e seus aliados agem segundo as duas hipóteses, sendo a melhor delas comparecer como encabeçadores do impeachment, para tirar melhor proveito eleitoral.
A bandeira do Fora Bolsonaro serve perfeitamente para essa estratégia e tática, que se desenvolvem no interior da política burguesa, e estão condicionadas pela crise de governabilidade. As esquerdas centristas e oportunistas seguem em ziguezague a condução do PT. Não têm como expressar uma estratégia e tática próprias. Eis por que o movimento tipicamente pequeno-burguês, iniciado em 29 de maio, se encontra condicionado e canalizado pela estratégia burguesa das duas variantes. De nada adianta a esquerda oportunista procurar uma tática distinta da implantada pelo reformismo.
Somente há uma possibilidade de mudar esse curso: a afluência massiva da classe operária, que permita colocar acima das disputas interburguesas o programa de reivindicações próprio dos explorados. A estratégia e a tática do reformismo impedem a intervenção do proletariado e projeção das necessidades vitais das massas, por onde se combaterá, no terreno da luta de classes, a burguesia e o seu governo, que, por hora, está nas mãos de Bolsonaro.
O POR responde à crise de governabilidade, se orientando pela estratégia da revolução proletária, e de sua forma governamental, que é o governo operário e camponês. O que se opõe à estratégia de trocar um governo burguês por outro. A classe operária tende a superar seu atraso provocado pelo domínio da política reformista, burocrática e corporativa. Mas, inevitavelmente, passará por levantes em defesa de sua força de trabalho, portanto, de suas reivindicações vitais de emprego, salário e direitos trabalhistas, que, por sua vez, colocarão a defesa de reivindicações democráticas, como direito de greve, etc. O POR, assim, convoca as esquerdas a assumirem em primeiro plano a luta pelo programa próprio dos explorados, e a romperem com a estratégia e tática do reformismo.