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03 ago 2021
Nota sobre as manifestações bolsonaristas
2 de agosto de 2021
Partidários de Bolsonaro voltam às ruas, depois de quatro manifestações da Campanha Nacional Fora Bolsonaro. É certo que o presidente ultradireitista realizou passeatas de motoqueiros em vários estados, mas é distinto o fato de se organizar atos em várias cidades por uma bandeira bem definida. Bolsonaro e sua cúpula militar fincaram o pé na ameaça de que não haverá eleições em 2022, caso o Congresso Nacional e a Justiça Eleitoral não substituam as urnas eletrônicas pelo voto impresso. Essa foi a principal bandeira verde e amarela desfraldada no Masp, em São Paulo, e em cerca de 20 capitais.
Desta vez, os bolsonaristas não se esmeraram em agitar a bandeira de golpe militar e a atacar o Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, a ameaça é mais grave ainda, uma vez que o ministro da Defesa, general Braga Neto, apoiado pelos comandantes das três forças militares, tinham, há poucos dias, pressionado o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, a fazer de tudo para garantir a aprovação da PEC do voto impresso, que se encontra na Comissão Especial da Câmara. Aumentou o desespero de Bolsonaro e de sua camarilha governamental, diante da reação contrária no Congresso Nacional. Isso se deve ao avanço da decomposição de seu governo, a perda de popularidade e, sobretudo, à projeção da candidatura de Lula.
No dia 1º de agosto, os bolsonaristas foram às ruas. No dia seguinte, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) instaurou um inquérito administrativo contra o presidente da República, e entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal para que o incluísse no processo das fake news. Assim, paira sobre Bolsonaro a ameaça de impedimento do registro de candidatura à reeleição. Os ataques ao presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, de que estaria insistindo na manutenção da urna eletrônica, para favorecer Lula, obrigaram uma contraofensiva, caso contrário seria uma vergonhosa desmoralização do Judiciário. Há que se observar se haverá espaço de manobra para uma acomodação institucional. Esse conflito, sem dúvida, aprofunda a crise política.
O cerco da CPI da Covid não tem sido capaz de possibilitar a abertura de um processo de impeachment, mesmo que o presidente venha sendo fustigado pela sequência de manifestações, que se abriram em 29 de maio. A abertura de um processo no STF contra as ameaças golpistas de Bolsonaro tem tudo para ampliar as acusações de responsabilidade administrativa contra o Presidente. Escorado nas Forças Armadas e nos partidos do “Centrão”, Bolsonaro tem garantido, não apenas a sobrevida, como procurado reorganizar seus partidos para um contra-ataque. Está claro que somente a militarização, e o apoio de setores agrários e comerciais, bem como de uma camada rica da classe média, têm mantido em pé esse governo reacionário em toda a linha.
O equilíbrio obtido com o concurso dos militares e do “Centrão” no Congresso Nacional se assenta nos interesses materiais da alta classe média e de setores da burguesia nacional, mais arraigadamente vinculados às particularidades internas da economia. Esse equilíbrio se fragilizou com os impactos da Pandemia, queda do crescimento, explosão da taxa de desemprego, volta da inflação e impulso da miséria. Se não fosse a política de colaboração de classes que bloqueou o movimento operário e popular, durante um ano e três meses, o governo fascistizante poderia ter caído, ou então se encontrar em um estado tal de esgotamento que não seria capaz de ameaçar a realização das eleições do próximo ano.
Foi fundamental, para a sobrevivência do governo antinacional e antipopular, a aprovação, pelo Congresso Nacional, do plano emergencial de Bolsonaro, voltado a proteger os grandes capitalistas, de um lado, e o apoio das direções sindicais e políticas à MP 936, que vinha acoplada do auxílio emergencial de R$ 600, menos da metade do salário mínimo de fome, de outro. A total passividade diante das demissões em massa e os acordos com a Ford e LG, que fecharam fábricas, serviram à linha das direções de evitar mobilizações, que poderiam colocar em marcha um movimento mais amplo de resistência à política burguesa de descarregar a crise econômica sobre as costas da maioria oprimida. As direções sindicais e políticas, a maioria ligada ao PT, decidiram por se alinhar à frente de governadores, liderada por João Doria, que se chocou com a posição de Bolsonaro, contrário às medidas de isolamento social, que acabariam por derrubar o crescimento econômico, e potenciar a crise social. O alinhamento do “fique em casa” implicou fechar as portas dos sindicatos, limitar as greves, barrar manifestações de rua, e realizar acordos virtuais de demissões, redução de salários e suspensão de contratos de trabalho. Amortecida a luta de classes, os governadores puderam levar adiante os conflitos com Bolsonaro, colocando-os na perspectiva da disputa eleitoral, embora distante de outubro de 2022.
A progressiva perda de terreno da ultradireita bolsonarista indicou à burguesia que já não era possível compatibilizar seus interesses com a desastrosa administração federal. A ruptura da unidade patronal, que se formou para eleger Bolsonaro no segundo turno, e evitar a volta do PT, foi muito importante para que o STF restituísse os direitos políticos de Lula, reconhecendo que houve um processo manipulado pelos agentes da Operação Lava Jato. O PT e Lula continuam sendo um instrumento necessário para promover a política de conciliação de classes, sob a máscara de reformas populares, nas condições de agravamento da crise política, agravamento esse que resultou, inclusive, no impeachment de Dilma Rousseff, na instabilidade da ditadura civil de Temer e, agora, nos impasses do governo Bolsonaro.
A burguesia e o imperialismo puderam contabilizar a importância do reformismo que, diante do mergulho do país na crise sanitária, os sindicatos e as centrais foram alinhados no sentido de não reagirem ao fechamento de fábricas, às demissões e ao avanço da miséria. Partidos como o PSDB, MDB, DEM, PSD e a horda do Centrão somente podem combater a revolta dos explorados por meio da polícia, das Forças Armadas e da Justiça. Não têm, portanto, raízes no meio operário e popular. Ao contrário, o PT, muito mais que o PDT ou o PSB, reúne força política para canalizar o descontentamento dos explorados, e bloquear as tendências de luta do proletariado, uma vez que controla a CUT e maioria dos sindicatos e movimentos. É o partido com maior capacidade de desenvolver a política e colaboração de classes. O controle dos principais sindicatos e da CUT o coloca como espinha dorsal de uma frente, que congregou as mais distintas centrais, movimentos e partidos, reformistas, semi reformistas e centristas, em torno ao alinhamento com os governadores e à oposição institucional a Bolsonaro. O que permitiu constituir a Campanha Nacional do Fora Bolsonaro.
Essas direções ergueram o bloqueio às lutas por um ano e três meses, e o rebaixaram parcialmente na manifestação de 29 de maio, não com o objetivo de organizar os explorados em defesa de seu programa próprio, mas sim o de canalizá-los para a estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro”. Estratégia burguesa porque objetiva substituir um governo burguês, que se esfacela, por outro governo burguês, que terá a função de estabilizar o regime político. Isso explica por que a classe operária não comparece organizada nas manifestações, e não constitui a força motriz do combate ao governo Bolsonaro e à burguesia. Cada vez ficou mais visível que a bandeira do “Fora Bolsonaro” está vinculada ao afastamento do presidente pelo impeachment ou pela derrota eleitoral. A variante da esquerda oportunista, que acredita que a bandeira do “Fora Bolsonaro” possibilitará a sua derrubada revolucionária, é puramente especulativa, servindo de máscara à sua adaptação ao movimento, cuja estratégia é burguesa, e a composição social, majoritariamente, pequeno-burguesa.
É nessas condições que Bolsonaro e sua camarilha de generais se sentem confortáveis em ameaçar as eleições, e em desprezar a potencialidade da luta de massa nas ruas contra o seu governo. E se dá ao luxo de convocar manifestações pela imposição do voto impresso, que não passa de uma manobra para combater a candidatura de Lula. Esse é o ponto chave da crise política, que tende a se agravar.
Bolsonaro conta com o apoio de uma fração burguesa, da alta classe média e da maioria da oficialidade militar, que admitem a entrega do poder a qualquer candidato, desde que não seja o do PT, pior ainda sendo Lula, cuja volta à presidência representaria desmoralização e profunda derrota eleitoral da ultradireita. As ameaças de Bolsonaro e seus generais indicam a possibilidade de um golpe, ainda que aventureiro. O problema está em que, quanto mais o movimento do “Fora Bolsonaro” se mostrar incapaz de impor a abertura do impeachment, maior dificuldade terá em se ampliar, sob a perspectiva eleitoral. Tudo indica que o PSDB pressionará ainda mais os demais partidos da burguesia a constituir uma candidatura anti-bolsonarista e anti-petista. A bandeira do impeachment implica ampliar a frente, e abrir caminho para maior participação dos partidos burgueses, ou de suas frações, na Campanha Nacional do Fora Bolsonaro, que foi incorporada, inclusive, por Doria. Caso contrário, as divisões partidárias se manifestarão na forma de candidaturas e corrida eleitoral.
A reconstituição do ministério do Trabalho, o remanejamento de peças no tabuleiro do governo, e o fortalecimento do partido malufista, hoje denominado Progressista, no aparato do Estado, são a resposta mais recente de Bolsonaro, para conter a sua desintegração, e resistir à ofensiva da oposição, cuja principal trincheira é a CPI da Covid, e as manifestações lideradas pelo PT e aliados. Agora, acrescenta-se a crise entre o Executivo e o Judiciário, desencadeada pelos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral.
Esse jogo, por si só, não modifica substancialmente o quadro da crise de governabilidade, mas tem tudo para ser agravado. A possibilidade da volta do crescimento, depois de uma queda de pouco mais de 4% no ano passado, e reabertura de postos de trabalho, servirão para os governistas melhor se defenderem da ofensiva opositora. A privatização da Eletrobrás e, agora, dos Correios é o trunfo que Bolsonaro oferece ao grande capital, tendo a seu favor o fato de o PSDB ser a ponta de lança do privatismo, e o PT não ir além de protestos verbais contra as privatizações. É bem provável que, se Bolsonaro conseguir estancar a hemorragia, possibilitará armar, junto à oposição de direita, um dique contra a candidatura de Lula.
A manifestação prevista para 7 de setembro será um teste para a Campanha Nacional do Fora Bolsonaro. Terá de ampliar em muito a participação dos explorados, para que não esgote a capacidade de contestar e fustigar o governo e o bolsonarismo. Até lá, vamos observar o resultado das mudanças realizadas pelo governo, a viabilidade da CPI avançar e a contestação contra as ameaças golpistas se imporem. A manifestação dos bolsonaristas se mostrou débil. As demonstrações dos motoqueiros não passaram de teatralização. No entanto, indicaram a disposição da camarilha bolsonarista de reagir, recorrendo às ruas.
A luta contra o governo Bolsonaro, ainda que condicionada pela estratégia burguesa, reflete necessidades objetivas dos explorados de se mobilizarem. Essas necessidades não têm sido, porém, o motivo principal das mobilizações. É urgente unir empregados e desempregados em defesa dos postos de trabalho, dos salários, que foram rebaixados, e dos direitos trabalhistas, que têm sido destruídos. É urgente combater com o programa próprio da classe operária o subemprego, a informalidade, a terceirização, a miséria e a fome. O objetivo imediato de defender as condições de existência da maioria oprimida, e a tarefa estratégica de enfrentar o capitalismo em decomposição, somente podem ser encarnados e levados adiante pela classe operária organizada no terreno da independência de classe.
É evidente que, depois do longo e brutal bloqueio das lutas e do flagelo sanitário que atingiu profundamente os pobres e miseráveis, era e é necessário que os sindicatos e centrais fizessem e façam uma mudança radical de sua política de submissão às disputas interburguesas em torno às respostas diante da Pandemia. O que não era e não é possível, devido à sua adaptação orgânica ao capitalismo e ao ordenamento político do Estado burguês. A ausência de uma força organizada capaz de romper esse bloqueio, apoiando-se nas necessidades vitais e no instinto de revolta dos oprimidos, reflete a principal contradição, que é a crise de direção revolucionária.
A vanguarda com consciência de classe tem de aproveitar a experiência, para compreender as particularidades da crise de direção, que é mundial, e avançar na tarefa de construir o partido marxista-leninista-trotskista. É em meio às mobilizações, que se encontram as condições mais favoráveis para defender o programa de reivindicações, os métodos de luta, a organização independente e a estratégia revolucionária.
Os acontecimentos vêm demonstrando o acerto e a importância de lutar contra o governo Bolsonaro e a burguesia, tendo por base as reivindicações vitais dos explorados, ao mesmo tempo em que está posta a tarefa de lutar contra a estratégia burguesa das direções do movimento. Não há como fugir das leis da política burguesa e das leis da luta de classes. A primeira indica que o reformismo é impotente para derrotar as tendências direitistas, autoritárias e fascistizantes da burguesia. E a segunda indica que somente o proletariado, organizado e mobilizado a partir de suas necessidades, tem como derrotar essas tendências e abrir caminho para a derrocada da burguesia por meio da revolução social.
O bolsonarismo e o militarismo são criaturas da burguesia e do imperialismo. Não por acaso, emergiram de corpo inteiro, depois de 21 anos de ditadura militar, e de três décadas de “democratização”. E não se pode desconhecer que o reformismo governou por 13 anos, e foi derrubado do poder sem oferecer resistência ao golpe de Estado, o que exigia recorrer à luta de classes. Esse passado explica por que o PT e sua frente dependem da bandeira do impeachment para fins eleitorais. E, para retornar ao poder por meio das eleições, dependem de uma aliança política com a direita liberal, para afastar a ameaça de golpe bolsonarista. É pura ilusão a avaliação de que a força do PT se encontra na capacidade de mobilizar as massas. Não o fez para se livrar do golpe em 2016, e não o fará sem uma aliança com os partidos burgueses de oposição, diante de um possível golpe aventureiro de Bolsonaro.
Somente um partido enraizado no proletariado, que encarne o programa de transformação socialista, pode levantar as massas contra as tendências reacionárias da burguesia e os complôs golpistas. É com essa compreensão e avaliação da situação política que o Partido Operário Revolucionário convoca as correntes que se reivindicam dos explorados a romperem com a estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro” e do impeachment. Convoca-as a constituírem uma frente única em defesa de uma Carta de Reivindicações, dirigida à burguesia e aos seus governantes. Convoca-as a exigirem das centrais a realização de um Dia Nacional de Luta em defesa da Carta de Reivindicações, com paralisações e bloqueios, preparado por meio de assembleias e constituição de comitês de base. Convoca-as a realizar uma ampla plenária para constituir a frente única, de acordo com essa linha de combate ao governo militarista e à estratégia burguesa oposicionista.