• 23 jul 2022

    Declaração do CERQUI – Cinco meses de guerra

Declaração do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI)

Ucrânia

Cinco meses de guerra

Sem a unidade revolucionária da classe operária europeia e mundial para pôr fim à guerra, não haverá uma solução e paz progressivas, e cresce o perigo de uma guerra generalizada, uma terceira guerra mundial

24 de julho de 2022

Não há nenhuma dúvida de que os Estados Unidos, apoiados pelas potências da União Europeia, usaram e vêm usando a Ucrânia como bucha de canhão, em seu objetivo de cercar econômico e militarmente a Rússia, com o objetivo de derrotá-la, desarmá-la e saquear suas enormes riquezas. Não há nenhuma dúvida de que a autodefesa da Rússia se faz por meio da opressão nacional sobre a Ucrânia. E não há nenhuma dúvida de que se trata de uma guerra de dominação típica do capitalismo em decomposição da época imperialista, portanto, distinta das guerras civis de emancipação encarnadas pelo proletariado, e guerras de libertação nacional travadas pela nação oprimida contra a nação opressora. Eis por que o Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional estabeleceu um conjunto de bandeiras e tarefas interligadas, voltadas a acabar com a guerra e impor uma paz progressiva. Bandeiras e tarefas que somente o proletariado e os demais trabalhadores unidos têm como traduzir na forma da luta de classes contra a burguesia, o imperialismo, a burocracia restauracionista, a oligarquia burguesa e os governos opressores.

O ponto de partida da luta pelo fim da guerra começa pela defesa do desmantelamento da OTAN e das bases militares norte-americanas; e da revogação das sanções econômicas à Rússia. Faz parte dessas bandeiras a resposta proletária contra a entrada da Finlândia e Suécia na OTAN. Em resumo, os explorados devem se unir pela imediata suspensão e eliminação do cerco militar e econômico à Rússia. Esse ponto de partida se completa com a defesa da autodeterminação da Ucrânia e integralidade territorial. O que implica a retirada das tropas russas da Ucrânia.

A classe operária ucraniana e russa, que é uma só e faz parte do proletariado mundial, tem interesse comum em combater a ofensiva militar dos Estados Unidos e aliados ocidentais, não somente na Europa, como em todo o mundo. Mas, esse mesmo interesse leva os explorados ucranianos e russos a rejeitarem e a combaterem a opressão nacional exercida pela Rússia sobre as ex-repúblicas soviéticas. O objetivo urgente é o de levantar a classe operária europeia, tendo à frente os explorados e oprimidos ucranianos e russos, mais diretamente envolvidos e atingidos pela guerra. Uma ação inicial de unidade revolucionária do proletariado abre caminho para pôr fim à guerra e alcançar uma paz sem a imposição do imperialismo norte-americano e europeu, e sem a opressão nacional praticada pelo poder russo.

Tudo indica que esse passo está longe de se viabilizar. A classe operária ucraniana e russa se acha submetida aos Estados em guerra. Em particular, os explorados ucranianos se encontram subordinados aos condicionamentos do imperialismo, por meio do governo de Zelensky e da oligarquia burguesa, interessada em submeter a Ucrânia à União Europeia, e, portanto, ao braço armado dos Estados Unidos, que é a OTAN.

O estilhaçamento da classe operária e dos demais explorados ucranianos e russos dão a exata dimensão da crise de direção mundial, que há muito atingiu as suas capacidades de resistir à decomposição do capitalismo, à liquidação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ao brutal avanço da restauração capitalista, às inúmeras guerras de intervenção imperialista do pós Segunda Guerra Mundial, e à projeção da miséria e fome. É preciso considerar como parte do problema a inércia do proletariado das ex-“repúblicas populares” do Leste Europeu. Encontra-se profundamente condicionado pela situação de países párias das potências europeias, e controlado pelos governos pró-norte-americanos e pró-OTAN. A regressão organizativa, política e ideológica, causada pela dominação da burocracia estalinista, incapacitou a classe operária de reagir às forças contrarrevolucionárias restauracionistas. Eis por que o proletariado russo e os demais trabalhadores não se levantaram contra o cerco imperialista dos Estados Unidos, e contra a opressão nacional exercida pela Rússia. O programa e as tradições revolucionárias fundados na Revolução de Outubro de 1917 foram varridos ao longo do domínio do termidor estalinista, apesar de nunca ter cessado o descontentamento e a resistência instintiva do proletariado.

Sem os partidos revolucionários, sem as organizações de massa independente e sem a tradição dos combates ocorridos entre o período das duas Guerras Mundiais, a nova geração proletária se ressente do tolhimento de seus instintos de revolta contra a exploração capitalista, e a dominação das potências europeias e norte-americana. É o que explica por que o proletariado polonês, húngaro, romeno, checo, etc. não reagem às imposições da OTAN, à instalação de bases militares dos Estados Unidos e ao franco cerco montado pelas forças do imperialismo à Rússia. Essa mesma explicação, resguardadas as particularidades da situação estratégica, pode ser aplicada ao proletariado Russo.

A guerra, a sua longa duração e a ausência de uma perspectiva de solução progressiva, bem como as tendências de agravamento da crise mundial, mostram sem atenuantes que a tarefa revolucionária começa pela luta da vanguarda por despertar a consciência dos explorados para a marcha ascendente da guerra comercial e da escalada militar, que perfilam as potências imperialistas contra a Rússia e a China. A tarefa começa, assim, por unir suas forças dispersas e divididas pelo fim da guerra na Ucrânia e pela sua organização independente, em torno às necessidades mais urgentes e ao programa da revolução proletária, dos Estados Unidos Socialistas da Europa e do internacionalismo marxista-leninista-trotskista.

É nessas condições e no curso dos acontecimentos da luta de classes que a crise de direção será posta concretamente no seio dos explorados como um problema de primeira ordem. As tradições marxistas e as conquistas práticas do programa da revolução social e do internacionalismo proletário serão recuperadas e potenciadas com a luta pela reconstrução do Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional. Esse é o mais importante e principal fator que emerge da guerra na Ucrânia, e que vinha despontando desde a Segunda Guerra e, desde o período posterior de combate do imperialismo contra as conquistas do proletariado mundial, dirigido pelos Estados Unidos, e pela derrocada do Leste Europeu, Balcãs, URSS, China, Coreia do Norte, Vietnã e Cuba.

A recente reunião de Biden com o governo da Arábia Saudita e de Israel teve como resposta um encontro de Vladimir Putin e Recep Tayyp Erdogan (da Turquia) com Ebrahim Raisi, presidente do Irã. Biden pôs de lado sua condenação ao príncipe Mohammed bin Salman, por ter mandado assassinar barbaramente o jornalista Jamall Khashoggi, para tratar de negócios petrolíferos e militares. O fato de as sanções econômico-financeiras não terem atingido a capacidade militar da Rússia, como se esperava, e de terem agravado a crise econômica mundial, deu motivo para os Estados Unidos superarem a desavença com a Arábia Saudita, que é fundamental para a política do imperialismo no Oriente Médio. O uso da OPEP em favor das sanções seria um trunfo, nas condições em que os próprios aliados dos Estados Unidos enfrentam uma elevada inflação, motivada pela escalada do preço do petróleo e do gás. Mas os objetivos de Biden são mais amplos.

A guerra da Ucrânia vem provocando um reordenamento das forças do imperialismo, para preparar uma ofensiva mais ampla contra a Rússia e a China. Foi o que se evidenciou na Cúpula de Madri, realizada pouco antes da “visita” de Biden ao Oriente Médio. O centro das preocupações do imperialismo norte-americano na região se encontra no Irã. Desde a ruptura do acordo de Barack Obama com o governo iraniano de limitação do uso da energia nuclear, levada a cabo por Donald Trump, em 2018, os Estados Unidos vêm impulsionando as alianças militares que incluem Israel e antigos adversários árabes, à espera de uma conflagração contra o Irã. A superação do isolamento do Estado sionista, no Oriente Médio, corresponde à necessidade do imperialismo, de enfraquecer o nacionalismo iraniano e submeter o país aos interesses gerais dos Estados Unidos na região. O Irã se tem aliado à Rússia e à China. O que é motivo de recrudescimento do cerco norte-americano e israelense ao país. A guerra civil e o intervencionismo imperialista na Síria, depois de mais de uma década de conflagração, ainda continua como motivo de choque do Irã e Rússia com os Estados Unidos. A longa guerra no Iêmen aprofundou o fosso entre o Irã e a Arábia Saudita.

Biden espera ter conseguido criar as condições para estreitar a ampla aliança anti-Irã, que, de certa forma, está planejada para funcionar contra a Rússia e a China. A imprensa chegou a afirmar que “a ambição americana é criar uma espécie de OTAN no Oriente Médio”. Trump, ao romper o acordo com o Irã, passou a pressionar os aliados a montar uma “rede de radares”, que seria alimentado pela tecnologia israelense e norte-americana. A cúpula de Putin, Erdogan e Raisi tratou de como burlar as sanções dos Estados Unidos contra a Rússia. O interesse do presidente da Turquia, que faz jogo duplo entre Estados Unidos e Rússia, é o de esmagar o movimento separatista dos curdos, e ampliar seu controle sobre o Kurdistão sírio. Assim, negociam-se acordos de conveniência, de autodefesa, sobre a base da opressão nacional. O “Novo Conceito Estratégico da OTAN, exposto na cúpula de Madri, prevê uma escalada militar, não só na Europa, como também na Ásia. E certamente virá acompanhada de ações norte-americanas no Oriente Médio.

Esse quadro dá sinais de que a guerra da Ucrânia irradia um movimento mais amplo dos Estados Unidos, para confrontos com a China, Rússia e Irã. Em sua base, se encontra o esgotamento da partilha do mundo oriunda da Segunda Guerra, e a recomposição do choque entre as forças produtivas altamente desenvolvidas e as relações capitalistas de produção. A destruição da URSS, a recuperação do Leste Europeu, a absorção da Alemanha, a liquidação da Iugoslávia, a perda de influência da Rússia sobre boa parte das ex-repúblicas soviéticas, a subordinação das repúblicas bálticas à União Europeia, a ampla penetração do capital monopolista na base econômica da China e a dinamização das reformas pró-capitalistas em Cuba não foram suficientes para desafogar as forças produtivas mundiais, represadas pelas fronteiras nacionais e pelas envelhecidas e decompostas relações capitalistas de produção e distribuição. O imperialismo necessita que, de conjunto, se convertam em semicolônias servis, em uma ordem mundial hegemonizada pelos Estados Unidos.

É nesse marco que os explorados suportam a carga do desemprego, subemprego, miséria e fome. Não há outra via e meio de responder à decomposição do capitalismo e da barbárie, a não ser com o programa da revolução e do internacionalismo proletário. Cabe à vanguarda com consciência de classe, em cada país, trabalhar sistematicamente pela organização dos combates e pela construção do Partido Mundial da Revolução Socialista. A campanha do CERQUI pelo fim da guerra e pela estratégia do internacionalismo marxista-leninista-trotskista é uma arma indispensável para dar os primeiros passos na unidade e na organização revolucionária do proletariado.