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27 out 2022
Declaração do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI)
Oito meses de guerra na Ucrânia, sem perspectiva de solução
O imperialismo alimenta a sua continuidade
Pelo fim da guerra sem os ditames dos Estados Unidos, das potências europeias e da OTAN, por uma paz sem anexação
27 de outubro de 2022
É obrigatório não perder de vista os motivos fundamentais que levaram a Rússia a ocupar militarmente a Ucrânia e sustentar uma guerra que chegou aos oito meses e que tem tudo para se prolongar ainda mais.
Desde a crise de 2014, quando a Rússia perdeu o seu governo aliado e os Estados Unidos passaram a controlar o poder em Kiev, foi posta a questão do ingresso do País na União Europeia (UE) e da sua adesão à OTAN. O que colocaria a Ucrânia na condição de um Estado vassalo e, nesse sentido, anexado às forças econômicas e militares do imperialismo norte-americano e europeu. É necessário considerar, porém, que a ruptura no poder do Estado ucraniano, que se agravou após a crise de 2014, resultou do processo anterior de desmoronamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas URSS), em dezembro de 1991. Portanto, uma guerra que eclodiu 31 anos depois dessa grande catástrofe, que interrompeu a transição do capitalismo ao socialismo.
Há que acrescentar ainda que as vitórias da contrarrevolução no Leste Europeu, que desviaram as revoltas das massas em luta contra a burocracia, foram um importante passo no sentido de reconstituir o poder da burguesia e a dominação imperialista. A subordinação das ex-Repúblicas Populares aos ditames dos Estados Unidos e de seu braço armado na Europa, a OTAN, faria parte de um grande movimento de restauração capitalista. Esses acontecimentos profundamente regressivos antecederam e fizeram parte da derrocada da URSS.
O cerco econômico e militar do imperialismo à URSS – montado logo após o fim da Segunda Guerra, guiado pela “Guerra Fria”, sustentado pela poderosa aliança militar da OTAN e embasado economicamente no Plano Marshall – viria a se fortalecer na medida em que a contrarrevolução restauracionista avançasse e atingisse a URSS – o principal alvo do imperialismo. Assim ocorreu com a sua desintegração e a diáspora das quinze repúblicas soviéticas.
A quebra dos vínculos econômicos, políticos e administrativos, que se originaram da Revolução de Outubro e que permitiram a realização da autodeterminação das nacionalidades oprimidas pelo Grã-Império Russo, foi decisiva para o imperialismo avançar em seu objetivo de penetração na região da Eurásia, sobre a qual se edificou a URSS, a cidadela avançada do proletariado europeu e mundial. A subordinação das três ex-repúblicas do Báltico – Lituânia, Letônia e Estônia – ao imperialismo configurou-se em uma anexação econômica e militar, embora conservem formalmente suas independências políticas. Aí estão os exemplos que fatalmente se reproduziriam com qualquer uma das ex-repúblicas soviéticas, principalmente a Ucrânia, devido ao seu lugar estratégico para o imperialismo na Eurásia. A constituição da Comunidade de Estados Independentes (CEI), como se pode constatar, não teve como resguardar o fundamental das conquistas revolucionárias, que romperam as fronteiras nacionais e estabeleceram uma grande unidade soviética, voltada a impulsionar a transição do capitalismo ao socialismo. E a Rússia, inevitavelmente, se ergueu como um Estado que exerce a opressão nacional. Essa é a contradição de fundo que se expressa na guerra da Ucrânia, premida pelo imperialismo, de um lado, e pelo Estado russo restauracionista, de outro. Em geral, está posto o desmembramento do País. E, em particular, estão postos os interesses econômicos das potências e da Rússia.
O retrocesso ao capitalismo, que envolveu e envolve todas as ex-repúblicas soviéticas, recolocou as relações de opressão nacional em um patamar muito mais elevado, se comparado com o período de vigência da ditadura burocrática de Stalin. A Federação Russa necessariamente teve de se impor econômico e militarmente sobre as ex-repúblicas soviéticas, estando ou não filiadas à CEI.
Essa condição não se deveu apenas às necessidades internas de afirmar a restauração capitalista, mas também externas, diante da retomada pelo imperialismo do controle do Leste Europeu e da sua investida sobre as ex-repúblicas soviéticas. É bom lembrar de passagem a influência dos Estados Unidos sobre a sangrenta guerra da Chechênia, cuja durabilidade foi enorme e cujo esmagamento dos chechenos se finalizou sob o governo de Putin. O confronto militar da Rússia com a Geórgia, que assinalou o caminho de uma guerra, por sua vez, também contou com a presença do imperialismo. Não há conflito entre as ex-repúblicas soviéticas que não seja incentivado pela infiltração das potências imperialistas na região da Eurásia.
O capitalismo da época imperialista é pródigo em jogar uma nação ou um povo oprimido contra outro. Esse fenômeno bárbaro serve à dominação de um punhado de potências sobre o restante do mundo. O processo de restauração capitalista passou a reproduzir essa lei histórica, que vinha sendo respondida pelas revoluções proletárias e, sobretudo, pela origem e edificação da URSS, sob a direção de Lênin. Desde os anos de 1970, as forças restauracionistas se impuseram, não apenas arrastando o Leste Europeu e liquidando a URSS, como também afetando profundamente a China.
Eis por que é preciso ter claro que a guerra que se desenvolve em solo ucraniano concentra e expressa de conjunto essa regressão histórica. Embora ainda contida nos marcos da Ucrânia, não há como não reconhecer as raízes dos grandes choques internacionais, impulsionados pelo imperialismo, cujo carro chefe são os Estados Unidos.
Com o recrudescimento e o prolongamento da guerra, se despontaram alguns sinais típicos de pré-guerra mundial. Não por acaso, a Rússia e a China, que protagonizaram as revoluções que abalaram os alicerces do capitalismo imperialista, se encontram no centro dos choques mundiais, potenciados pelos Estados Unidos e aliados, amparados pela OTAN e pelas suas próprias forças bélicas. Não se deve desconsiderar os perigos que sinalizam as ameaças de enfrentamento nuclear. Certamente, há importantes distinções em relação ao que se passou com as duas grandes guerras. Não é, evidentemente, o caso de entrar aqui em detalhes. O que importa é assinalar a lei geral que levou e leva o imperialismo às guerras recorrentes. O que se passa na Ucrânia e na Europa Central está determinado pelas contradições do capitalismo da época imperialista, que é de guerras, revoluções e contrarrevoluções.
Essa caracterização geral é decisiva para a compreensão das condições particulares da crise mundial, que se ergueu a um patamar mais elevado após a Segunda Guerra. As guerras e contrarrevoluções têm se sobrepostas às revoluções. A restauração capitalista favoreceu a abertura de uma fase predominantemente marcada por retrocessos das conquistas revolucionárias do proletariado mundial. Uma das conquistas fundamentais atingidas foi a do avanço da luta democrática pela autodeterminação das nações oprimidas e do direito à separação pacífica. Fez parte dessa tarefa, estabelecida pelo programa da revolução proletária, o combate às anexações, que violam a autodeterminação e o direito de separação. Sua vigência permanece enriquecida pelas experiências da Revolução Russa, que colocou as nacionalidades oprimidas na condição de repúblicas soviéticas, possibilitando a edificação da URSS, e, assim, rompendo a camisa de força das fronteiras nacionais, próprias da estrutura mundial do capitalismo.
As forças produtivas altamente desenvolvidas estão em flagrante choque com as relações capitalistas de produção e com as fronteiras dos Estados nacionais. As duas grandes guerras mundiais emergiram dessa contradição, que é histórica. A Segunda Guerra superou a Primeira em destruição de forças produtivas. Sobre essa base, se realizou a partilha do mundo, se estabeleceu a nova ordem internacional, imposta pelas potências imperialistas vencedoras, sob a égide dos Estados Unidos. Esse processo chega aos dias de hoje esgotado.
A guerra na Ucrânia é um dos sintomas mais contundentes da contradição entre as forças produtivas e as relações de produção na sua forma monopolista. A via da restauração capitalista e a destruição da URSS, como parte da decomposição geral do capitalismo, não resolveram e nem poderiam resolver essa contradição, apenas serviram, provisoriamente, de válvula de escape às necessidades do imperialismo. A ofensiva das potências, voltada a anexar a Ucrânia e a diminuir a capacidade da Rússia em controlar a região outrora sovietizada, é uma manifestação da necessidade de uma nova partilha do mundo, que resulta em um amplo movimento de anexações. Eis por que o cerco imperialista, que aperta cada vez mais em torno à China, na disputa pelo controle de Taiwan, é parte do que se passa na Eurásia.
Os oito meses de guerra na Ucrânia passaram por várias etapas. Neste último mês, agravaram-se os movimentos de contraofensiva das forças ucranianas e de ofensiva das russas. Os Estados Unidos e aliados, gradativamente, foram potenciando a capacidade de defesa e de ofensiva das Forças Armadas comandadas pelo serviçal Zelensky. Os acirrados combates na região de Donbass, que, em grande medida, havia sido controlada pelas forças russas, afastaram ainda mais a possiblidade de uma solução negociada. A antecipação da decisão de Putin em anexar Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhya expôs a enorme dificuldade de pôr fim à guerra.
No caso do proletariado e dos demais oprimidos ucranianos não se unirem e se levantarem contra a ofensiva do imperialismo e contra os objetivos econômicos e estratégicos da Rússia, que implicam oprimir as ex-repúblicas soviéticas, corre-se o risco de a guerra extrapolar seus limites atuais, ou então se chegar a um acordo que resulte em desmembramento da Ucrânia. Somente a classe operária em luta e sob o programa revolucionário pode alterar esse caminho determinado pelo imperialismo.
Os Estados Unidos estão empenhados em usar o povo ucraniano como bucha de canhão até às últimas consequências. E a oligarquia burguesa, comandada pelo governo de Zelensky, amparada pelas poderosas armas entregues pelas potências, tem conseguido manter as massas ucranianas submissas à política de guerra pró-imperialista. A anexação de Donbass não fortalecerá a capacidade da Rússia de vencer a guerra. Ou seja, evitar que a Ucrânia permaneça sob a égide do imperialismo e passe inteiramente para a sua própria égide. Esse ponto a que chegou a guerra nesses oito meses indica que não apenas o imperialismo exerce a opressão nacional sobre a Ucrânia, mas também o governo e a oligarquia burguesa russos. É evidente que a Rússia se vale da opressão nacional sobre as ex-repúblicas soviéticas, para a defesa e garantia de sua hegemonia regional, diante da ofensiva dos Estados Unidos e aliados.
Essa contradição e os acontecimentos confirmam plenamente que se trata de uma guerra de dominação, portanto, fomentada nas entranhas da crise mundial capitalista e dirigida para objetivos econômicos e históricos burgueses. A anexação promovida pelo Estado russo não corresponde às necessidades e aos objetivos históricos do proletariado. Essa é a razão pela qual o imperialismo conta com uma maior divisão do proletariado e demais explorados ucranianos, russos e europeus. Com a política, os meios e os métodos da opressão nacional, Putin, sua burocracia e seus oligarcas não farão senão enfraquecer ainda mais a Rússia diante do cerco norte-americano e europeu.
O imperialismo sempre ocultou os reais motivos de suas guerras sob a bandeira da democracia, da liberdade e da harmonia entre os povos. Não há, portanto, nada de novo no fato de recorrer à farsa da independência e da integralidade territorial da Ucrânia. A condenação da Rússia na ONU foi recebida pelos explorados do mundo todo com indiferença. A farsa das potências, que oprimem os povos nos quatro cantos do mundo, não passou de justificativa para enviar mais armas e recursos para Zelensky continuar a enganar seu próprio povo.
O fato concreto está em que, qualquer que seja o motivo da opressão nacional e da consequente anexação, acaba em última instância servindo à dominação burguesa. Esse conteúdo de classe da guerra deve ser nitidamente demonstrado pelas organizações que se empenham verdadeiramente pelo fim imediato da guerra.
As manifestações e greves, como as da França, Alemanha e Inglaterra, ainda permanecem no terreno da luta econômica. Na República Checa, entre as reivindicações econômicas, se levantou a bandeira “Essa não é nossa guerra”. Certamente, uma posição pacifista e de neutralidade. Mas, a importância está em que expressa a necessidade de um posicionamento dos explorados diante da guerra e sua barbárie. A crise de direção é profunda. A classe operária terá de percorrer um caminho de confrontação com a guerra e suas consequências sociais, para avançar no sentido de resolver a crise de direção.
É nesse marco que se destaca a importância estratégica do fortalecimento do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI), ainda embrionário. O CERQUI não se furtou a desenvolver uma posição internacionalista. O que o obrigou a responder a cada momento em que a guerra exigia. É o que se passa, agora, com a contraofensiva imperialista e a anexação realizada pela Rússia. A luta pelo fim da guerra corresponde a um conteúdo de classe proletário e aos objetivos da revolução socialista.
Uma paz sem os Estados Unidos, sem a União Europeia e sem a OTAN, uma paz sem anexação depende da luta do proletariado organizado e unido. É parte desse objetivo a luta pela independência e integridade territorial da Ucrânia, por sua autodeterminação. Objetivos que somente podem ser alcançados sob o programa da revolução e do internacionalismo proletários, cuja estratégia se concretiza na luta pelos Estados Unidos Socialistas da Europa. As bandeiras interligadas de fim da guerra, desmantelamento da OTAN e das bases militares norte-americanas, revogação de todas as sanções econômico-financeira à Rússia; autodeterminação, integralidade e retirada das tropas russas da Ucrânia se mostram cada vez mais imperativas, diante dos oito meses de guerra e da ameaça de se generalizar com a intervenção direta das forças militares do imperialismo.