• 27 jan 2023

    Em defesa do Partido Operário Revolucionário (POR)

Em defesa do Partido Operário Revolucionário (POR)

Às correntes que se reivindicam do socialismo e da revolução social

 

É bem provável que tenham recebido ou tido a notícia de que houve uma cisão no POR. A autoproclamada Fração Guillermo Lora publicou um “Comunicado à militância e à vanguarda”, dizendo que “torna então pública e formal a (sua) expulsão (…) do Partido Operário Revolucionário”. Afirma que houve a “cassação na prática do direito estatutário de divergência” e que “condicionou a permanência da oposição a uma autocrítica que legitimasse a violação dos estatutos pela mesma direção”.

Não há um pingo de verdade nessas duas acusações. A direção do partido fez uma concessão à Fração de enviar um representante à Conferência Regional do Nordeste, onde não havia conseguido convencer nenhum camarada. Em forma de ultimato, a Fração pretendia enviar mais quatro – a Fração se constituiu de um reduzido número participantes. O Comitê Central (CC) não aceitou a imposição. Estabeleceu-se uma dura discussão interna, que consta em atas da direção, em que o CC mostrava estatutariamente sua posição. A resolução foi a de que apenas o primeiro nome da Fração, que se auto indicou a ir à Conferência Nordeste, estava autorizado. Quando se ia constituir a mesa da Conferência, chegaram três membros da Fração. Haviam desconhecido a resolução da direção, atitude essa que violava a disciplina partidária, como consta nos Estatutos. Os dois não autorizados foram expulsos pela Conferência.

A Conferência ainda fez a concessão de manter a presença do membro da Fração autorizado, que fez a exposição das posições da Fração. Esse membro, pertencente à Regional Norte do POR, assim que recebeu o informe de que o CC havia excluído os dois membros que o haviam acompanhado à Conferência, enviou uma nota de desligamento do partido, não em nome da Fração, mas em seu próprio nome. Passados alguns dias, a Fração se decidiu pela ruptura final. Enviou o “Comunicado à militância e à vanguarda”, se passando de vítima de perseguição e de expulsão arbitrária.

Ocorre que o CC, discutindo a violação da disciplina, tomando por base o informe da Conferência e a Ata da Coordenação Nordeste, que assinala a quebra do centralismo democrático, reconheceu a responsabilidade da Fração, que orientou o seu representante autorizado a intervir na Conferência a levar consigo os dois membros não autorizados, mas, mesmo assim, decidiu por limitar a exclusão apenas aos dois que tentaram resistir ao pedido da direção regional para que deixassem a Conferência. O CC também considerou que o representante autorizado, ao permanecer na Conferência e apresentar as posições da Fração, acabou se valendo da concessão. Esse fato levou o CC a não excluí-lo, mas sem deixar de demonstrar que se tratava de admitir que houve uma concessão da Conferência.

O CC em hipótese alguma condicionou a permanência da Fração com a condição de que realizasse uma autocrítica, como consta em seu Comunicado de ruptura. Entendeu que a experiência com o processo de cisão movido pela Fração deveria ser esgotada de forma que não restasse dúvida alguma de sua posição liquidacionista. A Fração poderia ter permanecido, sem nenhuma exigência burocrática de autocrítica. O reingresso de seus dois membros excluídos dependia de uma severa autocrítica, quanto à indisciplina e violação do centralismo democrático. Ocorre que a Fração não poderia defendê-los, uma vez que era a responsável por tudo o que se passou.

A decisão de seu membro da Regional Norte de romper com o POR precipitou a posição da Fração de concluir a cisão, que já se encontrava em estado avançado. O embate já durava um ano. A divergência surgiu em torno à preparação do XVI Congresso do POR, realizado em 12 e 13 de fevereiro de 2022, sobre a formulação da tese 13 que afirma: “O desmoronamento da União Soviética, em 1991, representou uma vitória final do imperialismo sobre as mais avançadas conquistas históricas do proletariado russo e mundial”. Com a guerra da Ucrânia, a divergência tomou uma proporção internacional, que levou à realização do V Congresso do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV internacional (CERQUI), 10 e 11 de setembro de 2022. A resolução aprovada reconheceu que a restauração capitalista havia sido concluída e instaurado um Estado burguês na Rússia. A Fração apresentou uma resolução que afirmava a preservação do Estado Operário degenerado.

O problema não estava em divergir sobre até onde havia chegado a restauração, mas sim na acusação da Fração de que a maioria havia se colocado no campo do revisionismo antimarxista e de que havia renunciado ao programa da revolução política. Em seu mecanicismo, os opositores não admitiram o prognóstico de Trotsky de que, se o proletariado não derrubasse a burocracia estalinista e reconstituísse o sistema soviético, fatalmente as forças restauracionistas acabariam por se impor. O ponto alto do processo de restauração se manifestou com o desmoronamento da URSS, no final de 1991.

Não se trata de expor o desenvolvimento da divergência. A Resolução do V Congresso do CERQUI está publicada no livro “Guerra na Ucrânia. Posição e Resposta do Internacionalismo Proletário”. A Fração agora está livre para publicar a sua Resolução, que obteve apenas o voto de seu único delegado. Isso para efeito externo, uma vez que os militantes poristas participaram intensamente em todo o percurso da dissenção e da preparação do V Congresso do CERQUI, desenvolvidas por meio de inúmeros Boletins Internos. O rechaço à acusação da Fração de que o POR e o CERQUI havia realizado um revisionismo antimarxista foi completo, de forma que o isolamento da autoproclamada Fração Internacional resultou de sua própria artificiosa origem e existência.

O leitor lerá no seu Comunicado a acusação de que “boa parte da militância revelou não ter assimilado minimamente os fundamentos programáticos que foram colocados abaixo pelo revisionismo burocrático, assumindo-o passivamente e, assim, provando não possuir as condições para a defesa desse programa junto às demais correntes políticas e às massas”. Nesse palavreado, está graficamente expressa a pretensa superioridade do pequeníssimo núcleo de intelectuais da Fração, que, do alto de seu pretenso domínio do programa e da teoria, julga depreciativamente a militância que rechaçou seus ataques faccionais à direção do POR do Brasil e da Bolívia. Ao contrário do que diz a Fração, as discussões internas na seção brasileira foram extraordinariamente complexas, apaixonadas e voltadas à compreensão necessária, para divisar as diferenças de formulações e de conduta político-organizativa.

A Fração foi se isolando na medida em que se evidenciava como falsa a sua proposição de que a militância tinha de decidir entre revisionistas e antirrevisionistas. Não demorou para clarear o terreno do conflito real, que consistia em conhecer as transformações pelas quais a Rússia passou no processo de derrocada e pós-derrocada da URSS, para se verificar se as premissas da revolução política ainda permaneciam ou se já se colocavam as da revolução social, como havia formulado Trotsky.

Houve uma grande elevação da compreensão da militância, se se considerar a profunda ignorância em que o POR e o CERQUI estavam quanto à evolução dos acontecimentos posteriores à quebra da URSS. Certamente, não nos referimos a uma homogeneidade da militância. Em ritmos diferentes, os poristas foram caminhando para a assimilação dos aspectos fundamentais da divergência, podendo separar o que era real do que era artificial no embate criado e alimentado pela Fração. Essa clareza permitiu à imensa maioria rejeitar e reagir aos ataques sem princípio à posição da direção do POR.

Os inúmeros Boletins Internos testemunham a mais ampla liberdade de discussão por meio dos organismos partidários. Tomado o percurso em seu conjunto, observamos que a Fração se valeu da ilimitada liberdade de publicação dos BI, para transformar o partido em clube de discussão, ao ponto de as células sentirem dificuldades de combinar as tarefas práticas do partido com as discussões em torno às divergências.

A tentativa da Fração de desmerecer o envolvimento e a capacidade de compreensão da maioria da militância se choca com a realidade interna vivida pelo partido durante mais de um ano de enfrentamento.

A acusação de que a direção se colocou por “calar os que se levantem contra o revisionismo e seus métodos” é vergonhosa e difamadora. Todos os organismos e toda a militância receberam os inúmeros Boletins Internos, escritos uns após os outros. Nossas forças para responder a tantos ataques seguidos se esgotavam, quando a Fração tinha todo o tempo livre para redigir a saraivada de Boletins. Mas, em nenhum momento a direção deixou de cumprir seu dever de publicar e responder. Eis por que é vergonhoso afirmar que procuramos “calar os que se levantem contra o revisionismo e seus métodos”.

Os métodos da Fração foram os do liquidacionismo: falsa caracterização de revisionismo, ruptura das relações organizativas, difamação e ataques sem princípios. Em seu comunicado, oculta precisamente a sua trajetória desintegradora do partido: realização de plenárias paralelas à estrutura partidária, transmissão semipresencial via internet e ações desde fora dos organismos para atrair militantes para as reuniões da Fração.

A decisão de passar por cima da resolução da direção sobre a Conferência Regional do Nordeste foi consequência lógica de todas as concessões que a direção fez às transgressões organizativas levadas a cabo pela Fração. A exclusão de dois de seus membros, por sua vez, resultou da impossibilidade de a direção fazer uma concessão inadmissível em um partido leninista, centralista-democrático.

Por se tratar de uma experiência nova – nos seus 33 anos de existência, o POR nunca se viu diante de uma cisão fracional, embora tenham ocorrido duras divergências -, procuramos ser o mais flexível possível do ponto de vista organizativo, e o mais inflexível do ponto de vista do embate ideológico e programático. Admitimos que a Fração se reunisse por fora da estrutura partidária, assinalando que se tratava de uma concessão, como se encontra documentado em atas do CC.

Acusações levianas, como a de que as posições do POR e do CERQUI, diante da guerra da Ucrânia, os levou a “fazer bloco com a OTAN”, se encontram disseminadas nos Boletins Internos da Fração. As críticas incorretas à posição do POR, que levantou a bandeira de “Abaixo o Golpe”, diante do movimento golpista dos bolsonaristas, como se fosse capitulação diante do governo Lula, foram livremente discutidas por meio dos Boletins Internos.

Essa liberdade é garantida pelo direito de constituição de Fração. Os liquidacionistas puderam se valer desse direito sem nenhum obstáculo organizativo, tão somente tiveram de enfrentar as respostas à altura. Mas a Fração não tem o direito de violar a disciplina, ao ponto de desconhecer e desrespeitar a resolução do CC, que autorizava apenas um de seus representantes a comparecer na Conferência do Nordeste. A exclusão de dois dos violadores da disciplina partidária foi absolutamente necessária.

A decisão do militante da Regional Norte de romper com o partido, e, em seguida, o anúncio da Fração de que rompia com o partido indicam que do arranhão inicial do XVI Congresso do POR se chegou à gangrena no V Congresso do CERQUI. Parafraseamos o documento de Trotsky “De um arranhão, ao perigo de gangrena”, que por sua vez parafraseou Lênin, devido a traços de semelhanças com o que se passou com o fracionamento do SWP (Partido Socialista dos Trabalhadores) norte-americano.

Um dos traços de semelhança nos leva à seguinte transcrição: “É necessário limitar um pouco este ponto: aqui não está só representado o defeito pessoal de Shachtman, como também o destino de toda uma geração revolucionária que, devido a uma conjuntura especial de condições históricas, cresceu à margem do movimento operário. Tive a ocasião, mais do que uma vez, de falar e escrever, no passado, sobre o perigo de que esses valiosos camaradas se degenerassem, apesar de sua dedicação à revolução. O que nos seus dias foi uma inevitável característica da adolescência, transformou-se em debilidade. A debilidade convida à doença. Se há um descuido, a doença pode ser fatal. Para escapar a este perigo, é necessário abrir conscientemente um novo capítulo no desenvolvimento do partido. Os propagandistas e jornalistas da IV Internacional devem iniciar um novo capítulo em sua própria consciência. É necessário rearmar-se. É necessário fazer uma rotação sobre o próprio eixo: voltar as costas aos intelectuais pequeno-burgueses e olhar para os operários”.

A cisão provocada pela autoproclamada Fração se passa nos marcos da profunda crise de direção mundial, que vivenciamos duramente no Brasil. Temos a vantagem de, nesses 33 anos de trabalho incessante por construir o Partido Operário Revolucionário (POR), a militância abnegada se ter armado do programa e aprimorado o funcionamento leninista da organização. E, no último período, conseguirmos voltar nossas forças para a tarefa de organizar o partido no seio do proletariado. A experiência expõe o profundo atraso político e organizativo da classe operária, o que dificulta e retarda a formação de células em seu interior. Ao mesmo tempo, porém, o POR tem conseguido aproximar-se dos problemas enfrentados pelos explorados, o que vem possibilitando alcançar um novo patamar de construção. O POR sofre com a cisão. Não temos dúvidas, porém, de que dessa dura experiência se levantará um POR mais forte, porque se torna ainda mais marxista-leninista-trotskista.

 

Comitê Central do Partido Operário Revolucionário

26 de janeiro de 2023