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02 jun 2024
Editorial do Jornal Massas nº 716
Situação mundial sombria
Os Estados Unidos decidiram liberar ataques da Ucrânia em território russo. Biden justificou que não se trata de bombardeios generalizados. As armas norte-americanas vão atingir alvos militares que se encontram nas fronteiras com a Ucrânia. Segundo informação, a França, Alemanha e Inglaterra haviam incentivado os Estados Unidos a darem a autorização. O secretário-geral da OTAN, Jeans Stoltenberg, declarou: “especialmente agora, quando muitos dos combates estão ocorrendo em Kharkiv, perto da fronteira, negar a Ucrânia a possibilidade de usar essas armas contra alvos militares legítimos em território russo dificulta muito a defesa do país”. Anterior a essa decisão, a Inglaterra havia se pronunciado pelo “direito de usar armas para atingir alvos na Rússia”. A intensão da França era a de enviar soldados. Caberá, como não poderia deixar de ser, ao Pentágono determinar “as diretrizes exatas sobre o que a Ucrânia poderá atacar”. Os seis membros da OTAN que têm fronteiras com a Rússia – Lituânia, Estônia, Letônia, Polônia, Finlândia e Noruega – revelaram que está constituindo um “muro de drones” para conter a Rússia. Está previsto, portanto, um rearmamento mais poderoso da Ucrânia.
Essa articulação se dá quando a Rússia avança para a segunda maior cidade da Ucrânia Kharkiv. As forças armadas ucranianas indicam estar exaustas. Escasseiam os materiais bélicos e Zelenski não está conseguindo arregimentar a juventude para as frentes de combate. De conjunto, são sinais de que a Ucrânia caminha para uma derrota. O que coloca a questão de um acordo de cessar fogo ou de uma paz.
A guerra na Faixa de Gaza desfocou o confronto na Ucrânia que já entrou no terceiro ano. Os Estados Unidos tiveram de dedicar atenção ao apoio financeiro e militar a Israel. A disputa eleitoral entre Biden e Trump retardou um acordo em torno a um projeto de sustentação da guerra na Faixa de Gaza e na Ucrânia, incluindo recursos para armar Taiwan contra a China. Superadas as divergências entre democratas e republicanos e administrado o choque no Oriente Médio, o imperialismo norte-americano voltou-se ao objetivo de prolongar a guerra na Ucrânia e apertar o cerco da OTAN à Rússia.
Depois do fracasso da contraofensiva planejada pelo governo ucraniano e com o avanço da Rússia na conquista de parte do território do Sul e do Leste, essa é a maior movimentação posta em curso pelos Estados Unidos e aliados europeus. A autorização de ataques no território russo é uma mudança significativa. Pode desencadear uma escalada da guerra e recolocar os perigos de transbordar para toda a Europa.
Está prevista uma conferência internacional na Suíça, que seria uma cúpula para discutir a paz, para os dias 15 e 16 de junho. Essa iniciativa ocorre em meio à ofensiva do imperialismo de rearme da Ucrânia. Não contará com a presença da Rússia e de seus aliados. De forma que não será uma cúpula para discutir a paz, mas para manter e prolongar a guerra. As informações dizem que Zelensky retomará sua proposta de acordo de paz que tem como condição prévia a retirada das tropas russas e a devolução da Crimeia, incorporada pela Rússia em 2014. Os Estados Unidos também sediarão uma cúpula da OTAN em que se celebrará os 75 anos desse braço armado que hoje, mais do que nunca, põe em perigo a humanidade.
O Brasil e a China fixaram recentemente uma posição em favor de uma cúpula que coloque Rússia e Ucrânia frente a frente. Com essa posição, não participarão da cúpula da Suíça. No seu pronunciamento, Brasil e China afirmam que “apoiam uma conferência internacional de paz que seja reconhecida tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia, com participação igualitária de todas as partes relevantes, além de uma discussão justa de todos os planos de paz”. Está aí uma diferença importante, uma vez que não se impõe condições prévias para se discutir um acordo de paz e garante a apresentação dos planos já existentes.
A exigência da Ucrânia, ou seja, dos Estados Unidos e aliados, de que se sentem à mesa de negociação após a retirada das tropas russas e a recomposição das fronteiras de 1991, é um ultimato de rendição da Rússia. Zelensky reclamou que não entende “por que o Brasil está do lado do agressor”, referindo-se a não participação de Lula na cúpula da Suíça.
Somente as forças completamente alinhadas ao imperialismo e, em particular, subordinadas aos Estados Unidos, iriam numa cúpula que impõe à Rússia condições de capitulação. Tanto a China quanto o Brasil, por outro lado, não podem ser consequentes, uma vez que procuram mediar com o pacifismo hipócrita um acordo de paz. Os motivos dessa guerra se encontram na época de dominação imperialista e têm suas particularidades na derrocada da URSS. Todos acobertam que a Ucrânia passou a servir de instrumento do imperialismo norte-americano e europeu contra a Rússia nos marcos da restauração capitalista. O recrudescimento do cerco da OTAN à Rússia fez parte e é continuidade do cerco que sofreu a URSS durante todo o período da “Guerra Fria”. As forças que restauraram o capitalismo na URSS colocaram a Rússia no centro da crise mundial do capitalismo e que, por suas condições continentais e econômicas, se tornou objeto da colonização imperialista.
O conflito entre a China e Taiwan tende a se agravar. Lai Ching-te, no seu discurso de posse como presidente, afirmou o objetivo de independizar Taiwan. Anunciou que fará uma modernização das forças de defesa. O novo presidente foi mais ousado que a sua antecessora Tsai Ing-Wen ao declarar que seu governo está pela independência e soberania da ilha. Mas, na prática, Tsai agiu como serviçal do imperialismo norte-americano. As forças majoritárias da burguesia taiwanense vêm se preparando militarmente para um confronto com a China, contando com o envolvimento dos Estados Unidos, que em palavras reconhecem que Taiwan é parte da China, mas que em ação fustigam a oligarquia capitalista a separar a ilha do continente chinês. Esse é um problema histórico que vem desde a Revolução Chinesa de 1949. A ameaça de Pequim com o envio de navios de guerra às imediações de Taiwan e de aviões é mais um sinal de que estão germinando as sementes da guerra. Os Estados Unidos jogam com Taiwan em sua disputa comercial com a China.
A guerra na Faixa de Gaza, que completa oito meses no dia 7 de junho, chegou a extremo de superar o número de 36 mil mortos e a previsão do Estado sionista é de estendê-la até o final do ano. Rafah está sob bombardeios. As forças israelenses chegaram até as fronteiras com o Egito. Netanyahu desconhece a resolução da Corte Internacional de Justiça que determinou um cessar fogo. As autoridades israelenses zombam da decisão de condenação de Netanyahu e outros membros pelo Tribunal Penal Internacional da ONU. O imperialismo agora procura desviar a atenção do genocídio na Faixa de Gaza para a guerra na Ucrânia. É nesse marco que Biden deu publicidade à possibilidade de um acordo com três fases. Os Estados Unidos têm como prioridade combater a Rússia. Um acordo de cessar fogo na Faixa de Gaza é parte desse cálculo estratégico.
É sintomático que a França se viu diante de um levante na Nova Caledônia, território de domínio francês no Pacífico, motivado por uma mudança no sistema eleitoral. Os nativos, indígenas, se revoltaram porque a alteração ditada pela França tira-lhes força política. Esse fato mostrou a existência de resquícios do velho colonialismo. Há pouco, o Níger se rebelou contra a dominação e o saque de suas riquezas naturais pela França. Embora esse acontecimento na Caledônia não tenha transcendência em comparação aos demais conflitos, expõe a questão da opressão nacional que se manifesta nas guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza.
A retomada do imperialismo em rearmar a Ucrânia, o avanço da ocupação militar do Estado sionista na Faixa de Gaza, a operação militar da China no estreito de Taiwan e o conflito na Caledônia, entre outros como as manifestações na Geórgia, evidenciam o agravamento da crise mundial. Uma atmosfera sombria paira sobre o mundo. Em sua base se encontram a disputa dos Estados Unidos com a China, a necessidade dos Estados Unidos manterem pela força das armas a sua hegemonia e o recrudescimento da opressão nacional. São manifestações do choque das forças produtivas altamente desenvolvidas com as relações de produção e as fronteiras nacionais. Eis por que a atmosfera sombria indica os perigos de uma nova guerra mundial.
O movimento das massas contra o genocídio na Faixa de Gaza, as greves e as revoltas nas nações oprimidas configuram a resistência às guerras de dominação. É preciso reconhecer que a resistência operária e popular não está mais avançada e organizada devido à crise de direção. Somente o programa da classe operária contém a resposta ao conjunto desses confrontos alimentados pelo imperialismo. O que se passa na Ucrânia, na Faixa de Gaza, em Taiwan e na Caledônia são parte do mesmo fenômeno de esgotamento e decomposição do capitalismo mundial. A vanguarda com consciência de classe, ainda ultraminoritária, cumpre um papel de ordem histórica combatendo as guerras de dominação sob o programa da revolução social e do internacionalismo proletário.