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22 ago 2024
Em 20 de agosto de 1940, em Coyoacán, México, Trotsky foi assassinado por um agente da GPU, a mando de Stalin. A ditadura burocrática pretendia tirar do seu caminho o mais bem formado marxista–leninista, acabando com a sua vida. Mas teria de aguardar uma situação que fosse melhor para evitar repercussões no proletariado internacional e mesmo no interior dos partidos comunistas. A sua destituição do Comitê Central, expulsão do partido, confinamento em Alma–Ata, expulsão da União Soviética, exílio na Turquia, França, Noruega e, finalmente, México, não foram suficientes para impossibilitar a luta do revolucionário contra o termidor e a ditadura bonapartista comandada por Stalin.
Trotsky – excetuando algumas situações de enfermidade – trabalhou incessantemente pela defesa das conquistas da Revolução de Outubro de 1917, pelo avanço da transição do capitalismo ao socialismo, pela continuidade programática das formulações dos Primeiros Quatro Congressos da Internacional Comunista, pela projeção do internacionalismo proletário, pela vitória das revoluções que se ergueram na Europa e em outras partes do mundo, como na China, e pela construção da IV Internacional, quando se tornaram comprovadas as revisões e as traições montadas pelos estalinistas, a exemplo da revolução espanhola.
Trotsky se valeu da rica experiência da Revolução Russa – inclusive da correção de seus erros anteriores a 1917 – para compreender o fenômeno da burocratização do Estado soviético, da degeneração do Partido Bolchevique depois da morte de Lênin em 1924 e do percurso revisionista que faria a camarilha burocrática. Seu combate à tese estalinista da possibilidade de construir o “socialismo em um só país”, portanto, à margem e à despeito da revolução mundial, se mostrou correta e indispensável como evidenciou o percurso da contrarrevolução restauracionista.
A tese do “socialismo em um só país” conduziu ao beco sem saída da política de “coexistência pacífica” com o imperialismo, que contou com as derrotas das revoluções e dos levantes das massas oprimidas em todo o mundo, para preparar o caminho da Segunda Guerra Mundial. O imperialismo pôde dar origem ao nazifascismo como último recurso diante do processo revolucionário mundial, que teve o seu ponto de partida a tomada do poder pelo proletariado na Rússia, expropriação dos meios de produção, criação dos gérmens socialistas da propriedade social, nacionalização, economia planificada, monopólio do comércio exterior e direito de autodeterminação das nações oprimidas. A edificação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) resultou na conquista mais avançada da luta pelo socialismo, não só porque uniu inúmeros povos sob o objetivo de construir as forças produtivas socialistas, como também ergueu uma trincheira do internacionalismo proletário.
A luta de Trotsky contra a apropriação da camarilha estalinista do Partido Comunista Russo e eliminação de qualquer vestígio da democracia partidária e sua transformação em instrumento da ditadura burocrática, que se elevou por cima da classe operária e demais trabalhadores, se guiou firme e claramente pelos fundamentos, princípios e experiências da Revolução Russa, que, por sua vez, se assentaram no socialismo cientifico de Marx e Engels e no patrimônio prático da luta de classes do passado.
As contribuições de Trotsky para a Revolução de Outubro foram inúmeras. Destacou–se como presidente do soviete de Petrogrado e na organização da insurreição do proletariado. Sob a direção de Lênin, se tornou um dos mais importantes organizadores do Estado soviético, sendo destacado para estruturar e comandar o Exército Vermelho. Seus escritos sobre o período revolucionário de 1905 e suas formulações em torno à teoria da revolução permanente conservaram sua importância para o marxismo. Em particular, a revolução permanente é reconhecida por ter raízes na elaboração de Marx e Engels, de forma que expressa as leis da revolução social e do internacionalismo proletário. Stalin e seus sequazes não se cansaram de detratar a teoria da revolução permanente como antimarxista e antileninista. Os acontecimentos históricos se encarregaram de enterrar as falsificações estalinistas e elevar as formulações da revolução permanente como parte das conquistas programáticas e teóricas do marxismo–leninismo.
O próprio Trotsky rejeitou a qualificação de suas posições como “trotskismo”. Isso por que foi a forma dos estalinistas procurarem separar e opor toda trajetória de Trotsky ao leninismo. As divergências e incompreensões de Trotsky no período anterior à revolução quanto à natureza do partido e à constituição do bolchevismo em contraposição ao menchevismo ficaram para traz. Trotsky refez sua posição à luz da revolução e do lugar do bolchevismo como direção da insurreição, tomada do poder e expropriação da burguesia. Eis por que ingressou no Partido Bolchevique e passou a ocupar uma posição de direção do processo revolucionário ao lado de Lênin.
Trotsky se tornou o mais importante membro do bolchevismo ao resistir às maquinações burocráticas de Stalin, antes mesmo da morte de Lênin, quando este se achava acometido de uma enfermidade fatal. Lênin não aprovava – como está documentado em seu testamento – a condução de Stalin a secretário–geral do partido. Nesse momento de grande importância para os rumos que tomariam o partido, Trotsky havia se tornado um camarada de inteira confiança de Lênin. Confiança essa que se forjou no fogo da revolução, nos anos de guerra civil, na fundação da III Internacional e na edificação da URSS. Observa-se que uma fração burocrática e revisionista se despontava na luta de aparato em torno à sucessão de Lênin. Foi fatal para o partido e para o regime soviético o fato de importantes dirigentes, como Zinoviev, Kamenev e Bukharin, se alinharem a Stalin e seus consortes. Dirigentes estes que acabaram finalmente pagando com a vida, condenados pela farsa dos Processos de Moscou.
O isolamento de Trotsky, no entanto, não o impediu de organizar a Oposição de Esquerda, que como fração revolucionária iria ser perseguida e banida da URSS. A mais brutal perseguição não o tirou do caminho da defesa da URSS, diante de seus inimigos imperialistas e da própria burocracia totalitária. A sua compreensão de que havia se tornado um imperativo a construção de uma nova Internacional, após a ascensão de Hitler em 1933, resguardava e se apoiava nas experiências de decomposição da II Internacional, pela socialdemocracia chauvinista.
A liquidação da III Internacional do ponto de vista de seu programa, formulado nos seus Primeiros Quatro Congressos, correspondia à sedimentação da burocracia soviética e ao fortalecimento das tendências restauracionistas. A recuperação da III Internacional somente seria possível caso a classe operária se levantasse em defesa das conquistas da Revolução Russa e da democracia soviética. O destino da III Internacional estava condicionado à luta da Oposição de Esquerda. A sua derrota consubstanciada pela expulsão de Trotsky em 1929 teria de ser revertida com a organização de um movimento que golpeasse e interrompesse o processo do termidor instalado logo após a morte de Lênin.
De 1929 a 1933, a linha estabelecida por Trotsky foi a de lutar por uma reforma geral no partido e no Estado operário, o que incluía derrotar a direção estalinista da III Internacional. De 1933 a 1938, a orientação se concentrou na tarefa de construir a IV Internacional. Nestes cinco anos, o combate ao revisionismo estalinista se acirrou na medida em que a política de Stalin fortalecia as forças restauracionistas e colocava em perigo o regime social nascido da revolução. A derrota da Oposição de Esquerda russa inevitavelmente se refletia na luta pela organização do movimento internacional voltado finalmente à revolução política na URSS e à revolução social no plano internacional.
A defesa da URSS, nas condições da Segunda Guerra que se aproximava e que eclodiria em 1939, dependia do proletariado russo encarnar a revolução política e o proletariado mundial avançar no sentido da revolução social. A interdependência entre a revolução política e a revolução social consubstanciou a organização do movimento pela IV Internacional e sua fundação, tendo como base o Programa de Transição.
Três anos após o assassinato de Trotsky, Stalin em 1943 decidiu pela dissolução da III Internacional. Foi um golpe de misericórdia da ossificada e moribunda organização que entre 1919 e 1922 se edificou sobre a base da Revolução de Outubro e do avanço das forças revolucionárias em todo o mundo.
A IV Internacional ganhou a luz do dia nas condições de profunda e ampla crise de direção, como reconhece logo nas primeiras linhas o Programa de Transição. A sua fortaleza se expressou nas formulações programáticas da revolução política como parte da revolução internacional. A sua fraqueza se manifestou nas dificuldades da vanguarda compreendê-las em sua plenitude e traduzi-las no seio do proletariado, constituindo os partidos marxista-leninista-trotskistas como seções da IV Internacional. Quando Trotsky foi assassinado, as teses da IV Internacional se mostravam coerentes com a tarefa de derrubar a burocracia estalinista termidoriana por meio da revolução política e de combater a burguesia em todas as latitudes com o programa da revolução social.
A conclusão da Segunda Guerra refletiu taxativamente a justeza da orientação formulada por Trotsky. Stalin levou a URSS a compor uma aliança com os Estados Unidos e Inglaterra que implicaria uma nova partilha do mundo, contra a qual o bolchevismo sob a direção de Lênin combateu sem trégua. O lugar da URSS nessa nova divisão pareceu imediatamente como um ganho para o comunismo. A liquidação da III Internacional se deu nesse âmbito, expondo exatamente o contrário. As conquistas que o proletariado realizou no terreno da luta de classes nos marcos da guerra somente poderiam ser mantidas e vivificadas caso a revolução política se impusesse na URSS. As condições objetivas durante e após a Segunda Guerra eram favoráveis à revolução social, no entanto, faltavam as condições subjetivas que teriam de ser encarnadas pelos partidos revolucionários. A sedimentação da nova divisão do mundo daria uma gigantesca superioridade ao imperialismo em relação à URSS. De passagem, é preciso assinalar um fator decisivo para a hegemonia dos Estados Unidos, que foi a criação da OTAN em 1949.
Terminada a guerra, a nova aliança imperialista estabeleceu a estratégia de destruir a URSS. O que veio a ocorrer em dezembro de 1991, com sua dissolução, portanto, 46 anos depois do acordo de Yalta. A burocracia herdeira do regime de Stalin se encarregaria de impulsionar o restabelecimento da propriedade privada dos meios de produção e da economia de mercado. As teses da IV Internacional e o conjunto de documentos deixados por Trotsky se confirmaram pela negativa, ou seja, de que uma revolução política recuperaria as conquistas da revolução, ou a burocracia termidoriana e seu regime bonapartista levariam à derrubada da URSS e à restauração capitalista. Uma vez que a revolução política não se impôs, o regime de Stalin se fortaleceu em contraposição às tarefas da construção do socialismo e da revolução mundial.
A IV Internacional se dissolveria entre os anos de 1950 e 1960, justamente porque a sua direção foi incapaz de assimilar o trotskismo como continuidade do marxismo-leninismo. Não suportou a investida mundial do estalinismo depois da Segunda Guerra. Se viu envolvida pelo fortalecimento provisório do regime de Stalin e de seus satélites no Leste Europeu, sobretudo.
A crise direção se ampliou ainda mais até os nossos dias. A tarefa de reconstruir a IV Internacional sobre a base do Programa de Transição pertence à vanguarda que se põe a assimilar e aplicar as conquistas programáticas e teóricas que sobrevieram com a luta da Oposição de Esquerda Russa e da constituição da IV Internacional.
Nesses 84 anos do assassinato de Trotsky, se condensa o percurso de sua luta em defesa da URSS e do avanço da revolução socialista mundial. O capitalismo retomou a marcha da desintegração, que parecia superada após a Segunda Guerra, a nova partilha do mundo, a reconstrução do Plano Marshall e o estabelecimento da hegemonia do imperialismo norte–americano. Aflorou potentemente a contradição entre as forças produtivas, as relações de produção capitalistas e as fronteiras nacionais.
A liquidação da URSS não trouxe a paz com a revogação formal pelos Estados Unidos e aliados da “Guerra Fria”. Em nossos dias, a invasão da Ucrânia pela Rússia, fevereiro de 2022, em resposta ao cerco da OTAN, reflete os retrocessos provocados pela restauração capitalista. Já dura dois anos e meio, e continua a trazer a sombra de uma guerra generalizada na Europa. A ocupação militar na Faixa de Gaza pelo Estado sionista e o genocídio do povo palestino, por sua vez, põem à luz do dia a partilha do mundo imposta pelos acordos de Yalta de 1945 e três anos depois a decisão colonialista da ONU, com apoio da URSS, ou seja, de Stalin, de criação do Estado de Israel.
Nesse quadro, emerge a guerra comercial dos Estados Unidos contra a China que seguiu o caminho da restauração capitalista. Não é indiferente ou secundário os laços que unem a derrocada da URSS e o processo de restauração estabelecido desde meados de 1970 pela burocracia chinesa do Partido Comunista. Esse entrelaçamento favoreceu e vem favorecendo a estratégia do imperialismo de soterrar até a última pedra as conquistas das revoluções proletárias do século XX. A classe operária mundial, os demais trabalhadores e os povos oprimidos vêm arcando com os recuos das revoluções e com a desintegração do capitalismo mundial. Das condições objetivas da decomposição econômica e social, bem como do impulso das tendências bélicas e da luta de classes, afloram o programa da revolução social e a tarefa de reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional.
Nesses 84 anos do assassinato de Trotsky, as contradições do capitalismo se agravaram. Nas suas entranhas, as burocracias dos Estados operários degenerados demonstraram que encarnavam a contrarrevolução restauracionista, contra a qual se insurgiu a Oposição de Esquerda Russa desde 1924 e o movimento pela IV Internacional desde 1933. Esse processo histórico está conduzindo o capitalismo a uma catástrofe cuja dimensão ainda está por se evidenciar. O proletariado em sua luta instintiva contra a sua própria desintegração e proliferação da pobreza e miséria caminha no sentido de recuperar o terreno de batalha perdido. É nessa marcha objetiva que a vanguarda com consciência de classe deve se empenhar por assimilar e materializar o Programa de Transição da IV Internacional e as enormes conquistas do marxismo-leninismo-trotskismo.
Memória Eterna ao dirigente da Revolução Russa e construtor da IV Internacional, Leon Trotsky!
Todo empenho em reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista!
20 de agosto de 2024