-
09 nov 2024
Editorial do Jornal Massas nº 727
Vitória de Trump
Expressão da decomposição do capitalismo e da democracia burguesa
Donald Trump derrotou Kamala Harris na maior parte dos estados. Obteve um número significativo de delegados ao Colégio Eleitoral. Ganhou, também, em quantidade geral de votos. Os dois indicadores autorizam a afirmar de que se tratou de uma grande vitória dos republicanos. Trump governará tendo a seu favor o controle do Congresso Nacional e da Corte Suprema.
A derrota dos democratas foi humilhante. Primeiro, Joe Biden teve de ser afastado como candidato em meio à corrida eleitoral. A cúpula do Partido Democrata admitiu que não estava com equilíbrio necessário de suas faculdades mentais. Segundo, improvisou a sua substituição por Kamala Harris. Em seguida, arrecadou um gigantesco fundo eleitoral, superior ao de Trump, e sua máquina de propaganda indicava uma disputa apertada, acenando com a possibilidade até mesmo de vitória. O resultado final retratou a derrocada dos democratas, que não só deixam a presidência como se alijam do controle do Senado e da Câmara de Deputados.
Se a economia estava bem quanto à taxa de crescimento e desemprego, então, por que a maioria dos americanos deram uma vitória estrondosa ao ultradireitista Trump? O segredo desaparece quando se identifica os baixos salários, a precarização das relações de trabalho e o empobrecimento tanto da classe operária quanto de amplas camadas da classe média. Nota-se que as diretrizes econômicas dos democratas, sob o governo Biden, descarregaram a crise do capitalismo sobre as massas. Os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres. Manteve-se elevada a ultraconcentração de riqueza nas mãos de uma oligarquia financeira minoritária.
Baseado nessa realidade social, o bilionário Trump explorou o afastamento de um enorme contingente da população que elegeu Biden em 2020. Uma boa quantidade de votos de latino-americanos e porto-riquenhos se deslocou surpreendentemente para o carrasco Trump. Esse fenômeno incluiu uma parcela representativa da população negra. Trump pôde, assim, se valer da orientação republicana anti-imigração. Os imigrantes naturalizados e os mais oprimidos fecharam os olhos e seguiram as promessas de Trump de reerguer a economia e os empregos industriais. Os aparatos da ultradireita, incluindo os de parte das igrejas, derrubaram o arcabouço ideológico dos democratas, intitulado “valores identitários”. De fato, muito antes das eleições ganhava terreno a reação contrária à “igualdade de gênero”, ao aborto, à “união homoafetiva”, às “ações afirmativas” e ao controle de armas. As conquistas progressivas alcançadas pelos movimentos da classe média não só estão ameaçadas como, em grande medida, retrocedidas.
O governo democrata se mostrou incapaz de realizar reformas que de fato elevassem as condições de existência das amplas camadas sociais mais pobres e evitassem a degradação da gigantesca classe média norte-americana. Isso porque o capitalismo entrou em uma fase de decomposição que em lugar das reformas ganham corpo as contrarreformas. As panaceias ideológicas dos democratas se desmancham em choque com a divisão de classes e se despencam no abismo cavado pela alta concentração de riqueza e propriedade. A ultradireita que se enfileirou por trás de Trump se apoia e se nutre do fracasso do governo dos democratas.
Trump tem, agora, em suas mãos duas guerras para resolver – a da Ucrânia e da Faixa de Gaza – e dar continuidade à guerra comercial com a China. Prometeu em sua campanha pôr fim às guerras, bem como direcionar as forças do imperialismo norte-americano contra a China. Nenhum desses objetivos é fácil de levar adiante. A derrota dos democratas não elimina em si mesma as profundas divisões que vêm se desenvolvendo no interior da burguesia norte-americana, principalmente desde a crise econômica de 2008. As tendências bélicas em alta se gestam e avançam nas entranhas da guerra comercial. Trump encarna e recrudesce o protecionismo imperialista, o que obrigará os Estados Unidos a fortalecerem ainda mais a indústria armamentista e a impulsionarem a escalada bélica mundial.
Biden se utilizou da Ucrânia como bucha de canhão para enfrentar a Rússia, que ainda controla parte das ex- repúblicas soviéticas, mantém sob seu poder vastas fontes de matérias-primas e exerce influência na Eurásia. A questão da quebra da independência da Rússia subsistirá a qualquer acordo que, por ventura, Trump venha a fazer com Putin. A guerra do Estado sionista de Israel contra o povo palestino é parte de um conflito mais amplo no Oriente Médio. Trump terá de potenciar o choque entre Israel e Irã. Seus movimentos serão calculados de acordo com a estratégia de cercear e derrubar a ascensão econômica mundial da China. À Europa está reservada uma maior subordinação aos interesses dos Estados Unidos, que se batem para retardar e limitar seu declínio. A União Europeia será obrigada a arcar com a antiga exigência de Trump sobre a sustentação financeira da OTAN. Essas são questões que dependem do desenvolvimento da crise mundial, das forças burguesas em conflito e, sobretudo, da luta de classes.
O segundo mandato de Trump se iniciará de frente com uma dívida pública superior a 120% do PIB e um deficit fiscal de mais de 6% do PIB. Tudo indica que a pequena recuperação econômica após a pandemia não tem como se estender por muito tempo. Esses componentes da crise norte-americana se interligam com a perda de capacidade comercial no mercado mundial, com a necessidade de recrudescer a exploração da força de trabalho e potenciar ainda mais o processo de precarização das relações trabalhistas.
Essas contradições não serão equacionadas com discursos nacionalistas fascistizantes. Para enfrentá-las, Trump terá de caminhar no sentido de um governo fascista. O que está de acordo com uma fração da burguesia mundial, que vem impulsionando os partidos de ultradireita. O que quer dizer que Trump atacará duramente os movimentos sociais e agirá contra as direções burocráticas vinculadas aos democratas dos sindicatos operários que ousarem contestar sua política reacionária.
É sintomático que, à exceção da cautela da China, os demais governos congratularam a vitória de Trump. Putin espera estabelecer uma relação com os Estados Unidos distinta da política ofensiva de Biden. Lula correu a mostrar disposição de boa vizinhança. Milei aguarda um abraço de Trump, que possa segurá-lo no poder, estando em confronto com os explorados argentinos. Macron e Scholz pretendem conservar as relações que mantinham com Biden. Os dois países que são pilares da União Europeia não conseguem romper a camisa de força da crise econômica e se batem diante das tendências de luta das massas cada vez mais expostas. É bem provável que, nesse concerto geral, Trump se lançará contra os governos que dificultem a guerra comercial contra a China. O BRICS, certamente, será um dos alvos dos ataques do governo republicano.
A eleição de Trump nas condições de avançada decomposição econômica do capitalismo, de desintegração da ordem mundial instituída após a Segunda Guerra e de guerras que tendem a se generalizar evidenciam que a situação internacional vem sendo marcada pela supremacia da escalada militar. Em seu interior, desenvolvem-se as tendências ultradireitistas e fascistas. Esse estágio somente não está mais avançado porque a burguesia não tem encontrado uma resistência das massas à altura da crise estrutural do capitalismo. A luta de classes vem se potenciando e terá de responder ao fracasso dos governos socialdemocratas e à ascensão dos governos ultradireitistas.
As contrarreformas e as guerras forçarão um posicionamento dos explorados. A sua canalização nos Estados Unidos pelo trumpismo logo evidenciará a necessidade da classe operária norte-americana de reagir à continuidade da destruição das condições elementares de trabalho e existência. Da crise estrutural do capitalismo, emerge contraditoriamente o programa da revolução social e a crise de direção. Trata-se de uma contradição que tende a ser solucionada pela luta de classes, pela construção dos partidos marxista-leninista-trotskistas e pela reconstrução do Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional.