• 18 jan 2025

    Acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza

Estado sionista de Israel não abandonará o objetivo de anexação do que resta do território palestino
Está posta a unidade da maioria oprimida árabe para derrotar a dominação imperialista e o colonialismo sionista
O fim da guerra e a conquista da autodeterminação do povo palestino se darão sob o programa dos Estados Unidos Socialistas do Oriente Médio

O anunciado acordo de cessar-fogo entre o Estado de Israel e o Hamas foi traçado pelos Estados Unidos e apoiado pelos governos árabes, tendo à frente a diplomacia do Catar e do Egito. Ocorre no momento de transição do governo democrata de Biden para o do republicano Trump. O fundamental está em que o cessar-fogo, caso a previsão das três etapas seja cumprida, se realizará sobre uma montanha de cadáveres palestinos, mutilados, desaparecidos e deslocados, bem como sobre uma vasta destruição das cidades e quebra quase total da vida econômica. As milhares de crianças, adolescentes, mulheres e velhos abatidos pelos bombardeios retratam a barbárie das guerras de dominação da época do capitalismo imperialista.
Os conflitos originados desde a decisão da Inglaterra de dar curso ao movimento sionista de incursão na Palestina, na Primeira Guerra Mundial, e as guerras desencadeadas pela criação do Estado sionista de Israel em 1948, após a Segunda Guerra, não atingiram o nível de destruição e carnificina como a que teve início em outubro de 2023, com a invasão das Forças de Segurança de Israel na Faixa de Gaza. Até mesmo organismos do imperialismo, como a ONU e seus Tribunais, foram obrigados a reconhecer que o Estado sionista recorreu ao genocídio. O Primeiro Ministro, Netanyahu, e seu auxiliar, o ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, foram condenados por “crimes de guerra e de humanidade”, pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).
O principal responsável pelos quinze meses de intervenção militar na Faixa de Gaza, incursões assassinas na Cisjordânia, bombardeios no Líbano e ataques na Síria, no Irã e no Iêmen são os Estados Unidos. Certamente, o imperialismo norte-americano contou com aliados europeus e com Estados serviçais do próprio Oriente Médio. É obrigatório lembrar que os Estados Unidos vetaram todas as tentativas de cessar-fogo e de estabelecer um marco de discussão sobre o fim da guerra.
Imediatamente ao anúncio dos termos do acordo negociado no Catar, as Forças de Defesa de Israel realizaram mais um dos ataques fulminantes, deixando 87 mortos, entre eles 21 crianças e 25 mulheres. Esse foi o sinal do Estado sionista sobre as condições do cessar-fogo, combinado com os Estados Unidos e seus sabujos do Oriente Médio. Estimam-se, assim, 46.876 mortos.
A destruição da Faixa de Gaza chegou ao ponto de os Estados Unidos reconhecerem o fracasso estratégico do governo de união nacional israelense de liquidar o Hamas e impor ao movimento de resistência a rendição. As suas lideranças foram assassinadas e milhares de seus militantes, mortos em combate, mas novos líderes substituíram os abatidos e se recrutaram milhares de combatentes. As massas palestinas sacrificadas não cederam aos invasores genocidas.
Para uma fração do governo de Netanyahu, a obra estaria inacabada e, portanto, a carnificina teria de ir às últimas consequências. Somente assim o Hamas seria varrido da Faixa de Gaza e Israel passaria a governar os palestinos revoltosos. Essa é a posição do ministro da Segurança, Itamar Ben-Gvir, do partido Otzma Yehudit (Poder Judeu), e do ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, do partido Sionismo Religioso, que expressam as forças políticas mais radicais do sionismo. Netanyahu do Partido Likud (Consolidação), caracterizado de centro-direita, contou com a aliança da ultradireita para formar seu governo. Há um risco de cair se o Poder Judeu e o Sionismo Religioso cumprirem a promessa de romper a aliança. A oposição minoritária, Yair Lapid, do partido Yesh Atid (Há Futuro), ofereceu apoio ao Likud no Parlamento para que o acordo de cessar-fogo fosse levado adiante.
Trump, que participou das negociações no Catar por meio de seu representante, Steve Witkoff, tem interesse em administrar a guerra que extrapolou a intervenção na Faixa de Gaza, avançou sobre o Líbano e ampliou o seu
raio de ação para a Síria e o Irã. Pode, assim, virar-se contra a Rússia e concentrar-se nos objetivos econômicos e militares diante da China. Uma suspensão da guerra na Faixa de Gaza, ainda que difícil de se concretizar, permitirá a Trump retomar sua política de esmagamento do Irã. A derrubada do governo Assad e a perda de influência da Rússia na Síria foram providenciais para reforçar a presença norte-americana no Oriente Médio. Está nos cálculos de Trump a retomada do Acordo de Abraão com a Arábia Saudita que implica maior proteção ao Estado sionista, melhores condições para armar o cerco ao Irã e fechar passagem à penetração da China no Oriente Médio.
A questão da Faixa de Gaza entra no cálculo geral dos interesses norte-americanos na região. Eis por que o Acordo do Catar deve ser tomado nesse marco mais amplo. Certamente, a instabilidade na Faixa de Gaza continuará prevalecendo. Não há garantia de que o Estado sionista irá cumpri-lo.
O Hamas se viu forçado a chegar a um acordo que não garante a total e imediata retirada das Forças de Defesa de Israel. Os 15 meses de bombardeios diários e o sofrimento imensurável do povo palestino não tinham como deixar de ser o fator que mais pesou na balança das negociações no Catar. O Hamas continuará sendo a força política na Faixa de Gaza, uma vez que não se rendeu. No entanto, seu enfraquecimento facilitará aos Estados Unidos imporem as condições do cessar-fogo, de forma que se tiver êxito a governabilidade da Faixa de Gaza contará com a intervenção econômica dos Estados Unidos e dos aliados do Oriente Médio. Não por acaso, já se fazem cálculos dos bilhões de dólares necessários para reerguer minimamente a vida econômica e social na Faixa de Gaza.
Faz parte desse objetivo colocar no centro da reconstrução a Cisjordânia e, portanto, a Autoridade Palestina, que é serviçal dos Estados Unidos e conivente com o Estado sionista. Esse é um antigo plano que vem sendo recauchutado pelos Estados Unidos sob a farsa da constituição de dois Estados na Palestina. Essa carta foi posta na mesa pelo governo de Biden, como uma bandeira distracionista para ocultar o genocídio e o avanço do colonialismo sionista.
É imperativo reconhecer que não há uma definição precisa do caminho que está tomando a guerra de dominação na Faixa de Gaza. Neste momento, o fundamental está em que o imperialismo norte-americano fortaleceu sua presença no Oriente Médio e tem como tomar as rédeas dos choques a partir da queda do regime de Assad, recuo do Irã e da Rússia e fragilização do Hezbollah no Líbano.
A substituição do desgastado governo Biden por Trump permitiu que se armasse o Acordo do Catar. A recomendação do Gabinete de Segurança e Política de Israel, reunido em 17 de janeiro, foi aceita pelo Gabinete de Governo, no mesmo dia. Essa decisão atesta a influência de Trump, que passou a ditar as ordens à burguesia sionista em continuidade a Biden.
É preciso ter claro que o Acordo do Catar mantém a subordinação da Faixa de Gaza e da Cisjordânia aos ditames de Israel. A divergência sobre o Corredor Filadélfia e a passagem fronteiriça de Rafah são indicadores de que Israel pretende controlar parte do estreito território da Faixa de Gaza. O teste começará no domingo, dia 19, com a troca de prisioneiros. Durante 45 dias, nessa primeira fase, não haverá mais bombardeio. Caso seja cumprido, na segunda fase se espera um acordo de cessar-fogo definitivo, quando todos os prisioneiros contabilizados serão trocados. Na terceira e última fase, o Hamas entregaria os corpos dos israelenses mortos e assim se discutiria a reconstrução da Faixa de Gaza.
Basta essa forma do acordo para suscitar mais dúvida do que certeza de que a intervenção sionista não recuará nos objetivos anexionistas. Trata-se de uma necessidade econômica de um Estado limitado e que pode se expandir incorporando toda a Palestina. É bem conhecido que nas imediações da Faixa de Gaza, no Mar Mediterrâneo, existe uma valiosa reserva petrolífera.
Qualquer ilusão nesse acordo, como sendo favorável aos palestinos, poderá ser fatal para a sua resistência. Pode-se entender a declaração do Hamas de que foi uma vitória no sentido que os Estados Unidos tiveram de reconhecer que a resistência não havia sido definitivamente quebrada. Mas, não se deve afirmar que foi um acordo progressivo, uma vez que foi imposto pelos opressores e as concessões foram minúsculas. A vantagem para os palestinos está em poder respirar por algum tempo, enquanto durar a primeira fase. Não se pode ter a certeza de que se cumprirão as duas últimas. E, se cumpridas, o principal algoz do povo palestino, que são os Estados Unidos, exercerá maiores poderes na Faixa de Gaza e no Oriente Médio.
É dever revolucionário admitir que o Hamas se viu obrigado a aceitar esse tipo de acordo. Não poderia dizer não ao plano de Biden, lançado desde maio. Não tinha capacidade para propor e lutar por um acordo de imediata retirada das Forças de Defesa de Israel e garantir a independência dos palestinos na reconstrução da Faixa de Gaza. Essa capacidade somente poderia ser alcançada se as massas árabes, unidas às persas, se sublevassem em defesa da autodeterminação da nação oprimida e levantassem uma barreira anti-imperialista aos Estados Unidos e aliados. O resultado foi que o apoio do Irã, do Iêmen – a Síria nada pôde fazer – e do Hezbollah libanês se mostraram frágeis por não expressarem um movimento revolucionário.
O Hamas e, em certa medida, o Hezbollah, sofreram com os ataques mortíferos de Israel, munido de armas e farto financiamento norte-americanos. E, de fato, os Estados Unidos entraram na guerra cercando o Irã e bombardeando o Iêmen. Esses acontecimentos e fatores objetivos da guerra no Oriente Médio indicam que a possibilidade do acordo do Catar se realizar é pequena. E se se realizar, será sob a vigilância de Trump e as imposições colonialistas do Estado sionista.
A tarefa continua sendo a de a vanguarda revolucionária continuar combatendo pela autodeterminação do povo palestino e pela união dos oprimidos do Oriente Médio sob a estratégia programática dos Estados Unidos Socialistas do Oriente Médio e, como parte desse objetivo histórico, unir palestinos e judeus sob uma República Socialista da Palestina.