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18 mar 2025
Multipolaridade da crise
Construir a unidade da classe operária internacional sob o programa da revolução socialista
Nas últimas semanas, afloraram inúmeros sintomas da crise mundial. Observam-se os acontecimentos da desagregação política na Alemanha com a derrota de Olaf Scholz do Partido Social-Democrata (SPD) para Friedrich Merz do União Democrata Cristã (CDU); em Portugal a queda do 1º Ministro Luís Montenegro do Partido Social Democrata (PSD), na Romênia, a cassação da candidatura independente de Calin Georgescu; no Canadá, a renúncia do 1º Ministro Justin Trudeau do Partido Liberal (PL), dando lugar à ascensão de Mark Carney, do mesmo partido; na Geórgia, o prolongamento das manifestações contestando os resultados das eleições de outubro de 2024, radicalizando-se em janeiro de 2025; na Coreia do Sul, o avanço da crise governamental iniciada em dezembro com a prisão do presidente Yoon Suk-yeol do Partido do Poder Popular; nas Filipinas, a prisão do ex-presidente Rodrigo Duterte pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) causou divisões na população. Na África, o mais recente conflito armado vem abalando o Congo. A região do Sahel tem sido pródiga em guerras civis. Na América Latina, cresce a instabilidade nos governos da Argentina, Bolívia, Venezuela, Colômbia, Peru, El Salvador e Haiti.
A eleição de Trump, nos Estados Unidos, certamente, foi o acontecimento mais significativo que expressa os terremotos que vêm abalando o capitalismo mundial desde as décadas de 1970 e 1980. O declínio dos Estados Unidos e a ascensão da China estão no centro dos acontecimentos do último período aberto pela crise econômica, que explodiu nos Estados Unidos em 2008.
A multiplicidade e amplitude internacional dos choques econômicos, sociais e militares indicam o avanço do processo de desintegração da ordem capitalista estabelecida desde o final da Segunda Guerra Mundial e regida pelo imperialismo norte-americano.
A guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, superou os marcos anteriores, que foram definidos pela guerra do Vietnam concluída em 1975 e a guerra no Iraque de 2003 a 2011. A particularidade está em que envolve a aliança dos Estados Unidos e potências europeias contra a Rússia em torno à Ucrânia. Sua transcendência corresponde a um confronto entre potências nucleares. Esse foi o fator que dissuadiu uma intervenção direta da OTAN contra a Rússia. A aliança imperialista, sem dúvida, é mais poderosa do ponto de vista econômico e militar. Eis por que a sombra de uma guerra envolvendo os mais poderosos detentores do armamento nuclear trouxe o espectro de uma terceira guerra mundial, cujas consequências para a Europa e o mundo foram medidas pela experiência de Hiroshima e Nagasaki.
Para agravar os choques entre as forças econômicas e militares, que têm emergido da desintegração do capitalismo, sobreveio a intervenção do Estado sionista de Israel com o apoio dos Estados Unidos na Faixa de Gaza. A possibilidade de a guerra se generalizar no Oriente Médio, colocando frente a frente Estados Unidos, Israel e Irã, confluiu com os perigos do alastramento para a Europa da guerra que se desenvolve na Ucrânia. Desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos estiveram presentes em todas as guerras, ora diretamente, ora indiretamente.
A Faixa de Gaza foi destruída, a Cisjordânia submetida mais duramente à intervenção anexadora, o Líbano atacado, o Iêmen, Irã e Síria bombardeados. Em particular, o governo da Síria foi derrubado pelas forças favoráveis à reação pró-imperialista. A guerra de Israel contra o povo palestino tem modificado as relações internas no Oriente Médio em favor do domínio norte-americano. Está ainda em pé o objetivo de guerra contra o Irã.
A derrota e o enfraquecimento da resistência antissionista na Faixa de Gaza, Cisjordânia, Líbano e Síria favorece o cerco dos Estados Unidos ao regime nacionalista iraniano, que por razões conjunturais se aproximou da Rússia e da China.
A derrota de Biden ocorreu sob a perspectiva da burguesia norte-americana realizar uma mudança drástica na política externa. Trump não surpreendeu com o recrudescimento da guerra comercial, que no governo Biden se limitava à China e Rússia. Também deixou claro que iria mudar a diretriz do apoio à guerra na Ucrânia e da relação com a Rússia. Quanto ao Oriente Médio, foi mais incisivo ainda no apoio ao Estado sionista de Israel e no objetivo de apertar o cerco ao Irã. O novo chefe do imperialismo aproveitou a destruição da Faixa de Gaza e a mortandade dos palestinos para impor um acordo de cessar fogo, que tem por objetivo anexar definitivamente tanto a Faixa de Gaza quanto a Cisjordânia.
Trump ofereceu a Putin um acordo, segundo ele, para pôr fim à guerra na Ucrânia. Depois de três anos de confronto, alimentado pela aliança imperialista com dinheiro e armamento, a Ucrânia se acha arruinada e próxima da derrota. É nessas circunstâncias que Trump se utiliza da guerra montada por Biden para fazer da Ucrânia uma moeda de troca com a Rússia. Para isso, admitiu um acordo que incluísse a anexação do território ucraniano ocupado pelas tropas russas. E exigiu do Estado ucraniano a entrega das fontes minerais e das terras raras de alto valor estratégico. Sob o governo Trump, os Estados Unidos admitiram que a guerra estava perdida, que não poderia modificar esse curso porque implicaria a intervenção direta da OTAN e, assim, o início da terceira guerra mundial.
Essa mudança de posição levou à quebra da aliança europeia montada por Biden. A União Europeia e a Inglaterra se ressentiram por ficarem à margem das negociações de Trump com Putin. Chegou-se a aventar a possibilidade de dissolução da OTAN e o início de um novo período de rearmamento da Europa. É nesse ponto que se encontram as divergências na órbita do imperialismo. A guerra comercial estendida à Europa acentua as mudanças nas relações mundiais, que tendem a maiores confrontações. De forma que as tendências bélicas vêm se agigantando em razão das contradições econômicas do capitalismo em decomposição.
A reunião dos representantes norte-americanos com os ucranianos, na Arábia Saudita, em 11 de março, mostrou que haverá mais dificuldades do que facilidades para se chegar a um acordo de “paz” ditado pelos Estados Unidos. A Rússia, vencedora da guerra, não poderá sair como perdedora. E os Estados Unidos como avalista de uma guerra derrotada não poderão sair como perdedores. A Ucrânia terá de arcar com o peso de um acordo que lhe é imposto por cima. A Europa quer participar nas negociatas, de forma que possa também tirar algum proveito. Reclama a participação em nome da segurança europeia contra um suposto expansionismo russo. A indústria militar é a que mais vantagem tem obtido.
Não se sabe ainda até que ponto Trump poderá impor sua estratégia de defesa da hegemonia norte-americana, que implica uma confrontação aberta com a China. Esse adversário é o que pode oferecer maior capacidade de resistência econômica. Ampliou no último período seu poderio militar. Se os Estados Unidos equacionam a guerra da Ucrânia, terão como concentrar o esforço da guerra comercial e fortalecer a escalada militar no Indo-Pacífico. E alcançarão melhores condições para recrudescer o cerco ao Irã e permitir a Israel progredir em sua estratégia de anexação do território palestino. Trump acaba de ordenar ataques esmagadores ao Iêmen.
Com a queda do governo Bashar al-Assad, na Síria, reduziu-se enormemente a capacidade de resistência do Irã. O reflexo sobre o Líbano resultou em recuo do Hezbollah. A Rússia e a China se viram obrigadas a se colocar mais na condição de observadoras do que participantes da resistência encabeçada pelo Irã. É nesse marco que Trump se encontra engrandecido para impor um novo curso à guerra na Ucrânia.
O fundamental, porém, está em que a resposta da classe operária e da maioria oprimida ainda se encontra retraída. A luta de classes em toda a parte vem se potenciando, mas limitada às questões econômicas e às disputas interburguesas em torno ao poder do Estado. Em grande medida, essa retração reflete a profunda e ampla crise de direção revolucionária. Em outras palavras, a inexistência de partidos marxista-leninista-trotskistas enraizados no proletariado.
O que não quer dizer que a classe operária, como classe revolucionária, não tenha seu programa e sua política para as guerras. O seu fundamento programático, comprovado historicamente pelas duas guerras mundiais, é o da transformação das guerras de dominação em guerras de libertação. É por essa via que a classe operária e sua vanguarda consciente combate sob a estratégia da revolução social.
Diante da guerra travada pelo Estado sionista e pelos Estados Unidos contra o povo palestino e a resistência das nações oprimidas à dominação imperialista, se colocam a defesa da autodeterminação e o fim de toda a anexação. Nesse terreno, está posta a unidade dos explorados do Oriente Médio para varrer a dominação imperialista e acabar com o terror sionista.
Em particular, diante da guerra na Ucrânia está posta a bandeira de não à “paz” de Trump, e por uma paz sem anexação, que acabe com a guerra, impeça o cerco da OTAN à Rússia e garanta a autodeterminação e a unidade territorial da Ucrânia. Certamente, a luta por uma paz sem anexação implica unir a classe operária ucraniana, russa e europeia. Se assim não ocorrer, a maior probabilidade é a de que a paz resulte da barganha entre Trump e Putin, cujo resultado será o de partilha e saque da Ucrânia. Essa solução não eliminará as causas que levaram à guerra.
O Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI) se coloca frontalmente contra a paz imperialista e combate sob a bandeira da paz sem anexação.