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18 out 2018
18 de outubro de 2018
Está absolutamente claro que as eleições presidenciais serviram de canal ao movimento da ultradireita burguesa. Os fascistas, semifascistas e demais variantes autoritárias aproveitaram as grandes mobilizações de 2013, valeram-se das manifestações do impeachment de Dilma Rousseff, e abrigaram-se à sombra da ditadura civil de Temer. Apoiaram-se no ativismo da alta classe média.
Convergiram, assim, para o mesmo campo ideológico, toda sorte de hipócritas da moralidade burguesa e pequeno-burguesa. Alçaram-se como cerrado batalhão de combate à corrupção e pelo saneamento do Estado. Prometeram erradicar a política de igualdade de “gênero” e racial. Anunciaram eliminar do ensino tudo o que contraria os preceitos religiosos, que as igrejas determinam para a família, a educação e a vida social em geral. Almejam restaurar a “verdade histórica” da ditadura militar, que teria salvado a pátria do comunismo e da anarquia. Apontam como principais objetivos rever a legislação sobre a maioridade penal, o aborto, o estatuto do desarmamento, bem como estabelecer a garantia de defesa armada da propriedade (armamento dos fazendeiros) e a blindagem ao policial que mata bandido.
A lista é mais ampla, mas basta esse conjunto para se ter definido o ideário fascistizante, que vem ganhando terreno na política burguesa. Movimentos como “Escola Sem Partido” instauram a censura, a delação macartista, a perseguição política e a repressão. Atentam contra as liberdades democráticas elementares.
Nesse terreno, de conjunto, a promessa eleitoral de Bolsonaro é a de desmontar o pouco que o reformismo petista fez e enfrentar os movimentos que lhe servem de base política. A reação em toda linha conseguiu, pela primeira vez, desde o fim da ditadura militar, erguer a cabeça, amplificar nacionalmente sua voz cavernosa e arregimentar a maior parte dos eleitores. Esses pressupostos da fração mais reacionária da burguesia, bem entendido, são apenas a ponta do iceberg.
A ultradireita, no fundo, reflete a necessidade da classe capitalista e do imperialismo de retomar a centralização burocrático-autoritária desfeita com o fim da ditadura militar e com a emersão de forças centrífugas decorrentes da “redemocratização”. Diga-se, de passagem, que já haviam se manifestado, poderosamente, na crise dos anos 1950 e início de 1960. A desintegração econômica, que tomou corpo na década de 1980, foi equacionada provisoriamente pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, e relativamente estabilizada no governo de Lula. Retomaram-se as tendências desintegradoras a partir da crise mundial, aberta nos Estados Unidos, e logo internacionalizada.
A avalanche soterrou o governo de Dilma Rousseff. Por trás das primeiras “marolinhas”, sobreveio o maremoto. A burguesia nacional, liderada pelo capital financeiro, exigiu um governo capaz de impor ao País as diretrizes do imperialismo. O reformismo naufragou. Era a hora de um governo centralizador, que, com punho de ferro, desse as respostas à altura do processo de quebra de forças produtivas e de retomada dos profundos desequilíbrios “macro-econômicos”. Não havia como esperar mais dois anos para o término do mandato petista. Montou-se o movimento do impeachment baseado na classe média e no descrédito do PT diante da maioria da população. Não se pode ocultar, nem minimizar, o peso da traição do reformismo petista à classe operária, que esteve contida na luta pelas suas reivindicações.
A conclusão do golpe de Estado, em agosto de 2016, encerrou uma etapa da crise política. Mas, não a superou, apenas iniciou uma nova etapa. Evidenciou-se que a ditadura civil de Temer não tinha condições de afastar a Operação Lava Jato, que vinha da etapa anterior. A persistência da crise econômica, os choques de interesses interburgueses, as divisões na burocracia do Estado e a projeção do Judiciário como um poder político ativo inviabilizaram a estabilização da centralização autoritária, embora importantes passos tivessem sido dados nesse sentido. Entre eles, a militarização da política. Temer iniciou seu governo reorganizando o aparato da polícia política, e franqueando passagem aos generais a postos de governo.
A fração ultradireitista não teve como assumir o comando do golpe de Estado. Era minoritária e não contava com os mais influentes grupos econômicos. Apesar de ter um peso considerável desde as bancadas dos evangélicos, dos ruralistas e da segurança, não conseguiu impulsionar o objetivo de varrer o PT ou de trucidá-lo a ponto de liquidar a capacidade de exercer a oposição burguesa. A fração de centro-direita – a que comandou a “redemocratização” e a conduziu, tendo ao seu lado o PT como opositor democrático de esquerda– esteve à frente do golpe, comprometeu-se com Temer, bem como foi atingida pelos escândalos de corrupção, e, agora, portanto, foi rechaçada nas eleições. As massas a identificaram como responsável por suas desgraças e pelo envolvimento nas bandalheiras, tal qual o PT.
Não se pode confundir a ponta iceberg com o seu todo. A plataforma obscurantista sobre as mulheres, negros, homossexuais, educação, família, etc. se assenta na desintegração econômica do capitalismo e no avanço da barbárie social. O que leva à polarização objetiva entre a burguesia e o proletariado, entre a minoria exploradora e a maioria explorada. Nessas condições, torna-se infinitamente mais difícil a vigência do reformismo burguês e pequeno-burguês. As medidas governamentais deixam de ser uma escolha, e passam a ser um imperativo. Está aí por que o governo do PT caiu por meio do golpe de Estado, apesar de ter sido eleito com 54 milhões de votos. E a ditadura civil que o sucedeu passou, imediatamente, a impor as reformas antinacionais e antipopulares. A reforma trabalhista e a lei da terceirização resultaram em uma profunda alteração nas relações de trabalho, justamente quando crescem o desemprego, subemprego, a pobreza e a miséria estruturais.
Interessava à burguesia eleger um governo de centro-direita. Impor-se-ia uma derrota ao PT, e um controle à ultradireita. O isolamento do nacional-reformismo petista seria mais vantajoso à estabilização do regime. E o disciplinamento da direita fascistizante ajudaria a dar novos passos nas reformas antinacionais e antipopulares. Os aspectos da plataforma bolsonarista (das igrejas) seriam tratados como secundários. A ponta do iceberg seria limada, desbastada.
A necessidade da centralização autoritária não advém dos prejuízos religiosos. Não se levanta como grandes obstáculos estratégicos à burguesia até onde se pode ir com a legalização do aborto, das drogas, do estado civil dos homossexuais, bem como com a legislação de proteção à mulher contra a violência (assassinatos, estupros, etc.) e ao negro contra o racismo. Sem dúvida, são questões que envolvem o funcionamento da sociedade de classes, em cuja base está a opressão no seio da família. Aspectos dessas relações, não obstante, podem ser negociados, atendendo às pressões da pequena-burguesia. O fundamental, e, portanto, inegociável, é a urgência de ir adiante com a reforma da previdência, com as privatizações, com a quebra de direitos trabalhistas, com a reordenação da distribuição orçamentária da União, com a abertura das fronteiras nacionais à invasão do capital imperialista. No centro da crise econômica, se levanta a gigantesca dívida pública, que deve ser sustentada a todo o custo.
Nas atuais circunstâncias, era mais conveniente aos interesses da burguesia e do próprio imperialismo a eleição de Geraldo Alckmin. Mas, o que é conveniente está determinado pelas relações de força, e essas expressam o vínculo dos partidos e das demais instituições do Estado (parlamento, judiciário, etc.) com as massas. A grande maioria rechaçou o governo de Temer, não viu no golpe de Estado senão mais desgraças, e assistiu os escândalos de corrupção a colocarem no mesmo saco o PT, PSDB, MDB e uma centena de parlamentares. As eleições se encarregaram de potenciar a ultradireita, abrindo caminho para as igrejas evangélicas, corporações policiais e militares, grupos econômicos e movimentos reacionários voltados à classe média.
As massas, divididas pela disputa interburguesa, penderam para uma força até então adormecida e desconhecida. Foram arrastadas desde a ponta do iceberg. A fração de centro-direita foi varrida. E a esquerda reformista, pode dizer-se de “centro-esquerda”, não teve como conter a gigantesca virada, embora conservasse a ascendência sobre milhões de miseráveis e pobres, por meio da influência política de Lula. O PT e seus aliados (PCdoB) ficaram agarrados à ponta do iceberg. De maneira que se mostraram impotentes para enfrentar a ofensiva da ultradireita. Presos ao eleitoralismo, não permitiram que suas bases operárias e camponesas se organizassem em combate ao programa antinacional e antipopular, que unifica a direita e a ultradireita burguesas. A defesa de Haddad do pacifismo contra o ódio bolsonarista resulta em impotência e capitulação.
A tarefa revolucionária consiste em preparar a luta desde já ao governo autoritário, policial-militar, de Bolsonaro, rechaçar o idílio pacifista do reformismo petista e a sua frente democrático-burguesa. Nosso chamado à classe operária e aos demais explorados é o de retomar o caminho da greve geral de 28 de abril do ano passado, pôr em pé comitês de frente única, e erguer bem alto o programa de reivindicações dos assalariados e dos camponeses pobres, de forma a preparar a resistência às medidas antinacionais e antipopulares que virão, de um governo ou de outro.