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04 nov 2019
4 de novembro de 2019
Na manhã de terça feira, 29 de outubro, o Sindicato Metalúrgico do ABC reuniu o que restava dos operários, para anunciar o encerramento definitivo da produção na Ford. A promessa da direção sindical e do comitê da fábrica, de que parte dos empregos estaria assegurada, se desfez de uma vez por todas.
Wagner Santana, presidente do sindicato, discursou aos operários cabisbaixos, dizendo que tudo o que era possível fazer foi feito. Explicou que, de um lado, conversou com os governos federal, estadual e municipal, com outras autoridades, e com a Caoa, empresa interessada na compra da Ford. Informou que tinha inclusive negociado um novo acordo coletivo com a Caoa. Diante do clima sombrio da assembleia, procurou cinicamente inspirar um fio de esperança de que nem tudo estava perdido. Embora a negociação entre a Ford e a Caoa não tivesse sido efetivada, como se esperava, a decisão de compra se mantinha. Wagner Santana, para mostrar serviço aos operários já demitidos, explicou que o sindicato havia cobrado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) que liberasse o pedido de financiamento da Caoa. Recorreu à retórica de que, se o BNDES tivesse preocupação social, olharia para a produção automotiva nacional e para os empregos. O fio de esperança se partiu quando completou que o governo que aí está faz uma política para os ricos. Ou seja, o financiamento do BNDES dependia da vontade de Bolsonaro.
A assembleia tomava a forma de velório, quando Wagner Santana disse que era apenas uma despedida, e que acreditava na possibilidade de mudança. Agradeceu aos operários que ajudaram a construir a luta. Não poderia haver maior hipocrisia de um dirigente sindical. Os operários estavam demitidos na sua totalidade, o acordo prometido entre a Ford e a Caoa não foi realizado, e não houve nenhuma luta, ao contrário, imperaram a passividade e as negociatas entre a burocracia, multinacional e governos.
O fato é que a Ford acabou com 4.500 postos de trabalho. O seu fechamento foi anunciado em fevereiro de 2019. Nesses oito meses, a direção do sindicato manobrou com assembleias ultra-controladas, e uma ou outra manifestação limitada. A Ford pôde completar seu cronograma de produção, cumprindo seus contratos com os fornecedores, de maneira a não ter nenhum prejuízo. Precisava de uma parcela dos trabalhadores para realizar o seu cronograma, que tinha como data o mês de outubro. Assim, incluiu nesse cronograma as demissões. A primeira leva, logo no início, atingiu os terceirizados. Os efetivos passaram por uma seleção, de acordo com o interesse da multinacional. O sindicato negociou os PDVs e PDIs. Em outras palavras, aqueles que não se submeteram às pressões do Programa de Demissão Voluntária foram demitidos pelo Programa de Demissão Indicada. De 4.500, restaram 650 trabalhadores.
Nos oito meses de enrolação sobre a venda da Ford, foram demitidos 3.850 operários, com maior naturalidade. A guilhotina ficou armada para ser acionada, assim que a multinacional norte-americana cumprisse seus contratos. Tudo isso foi negociado, às costas dos metalúrgicos, pela burocracia. A esse jogo entre os capitalistas e o sindicato, Wagner Santana chama de luta.
A assembleia de terça-feira, na verdade, não foi propriamente um enterro dos empregos. Em abril, o sindicato informou sobre o acordo. Impôs à assembleia o silêncio diante do facão, que cortava as cabeças dos trabalhadores. Os 650 que virtualmente foram poupados, na realidade, apenas ficaram aguardando sua vez no corredor da morte. Está aí por que a assembleia de fechamento definitivo da Ford não foi de enterrro, mas sim de convocação dos operários para lamentar e chorar sobre seus próprios túmulos. As etapas desse processo expuseram o que há de mais mesquinho e sórdido na burocracia sindical. Os operários foram sendo traídos, passo a passo, e convencidos de que o sindicato os conduzia para uma boa solução.
O ex-presidente do sindicato, Rafael Marques, anunciou que pretende publicar um livro. Eis: “Temos de transformar em resistência e inteligência o sofrimento e a luta que foram esses anos todos para manter essa fábrica erguida”. De fato, dá para escrever a crônica de uma traição. O único sofrimento, nesses anos todos, foi sentido pelos operários, que foram submetidos aos PDVs, PDIs, Lay-Offs, terceirização, etc. A resistência a que Marques se refere não passou de manobras, que concluíram com demissões e acordos de flexibilização capitalista do trabalho. A disposição de luta dos metalúrgicos foi quebrada pelas traições. Isso se deu no passado, e se reproduziu da pior forma no presente, com o fechamento da Ford. Não por acaso, a direção do sindicato usou de bate-paus para reprimir o Boletim Nossa Classe, que se opunha a esse curso e apresentava o verdadeiro caminho da resistência operária.
O problema não se resume à Ford de São Bernardo. Qualquer ataque que o patrão de uma fábrica desfecha contra seus trabalhadores diz respeito à classe operária como um todo, ainda mais no caso de fechamento de uma fábrica. Isso quer dizer que a defesa de manutenção da produção deve ser estendida local, regional e nacionalmente. Sem dúvida, uma luta dessa profundidade para salvar os empregos se projetaria internacionalmente. A mobilização iniciaria na Ford, se estenderia para os metalúrgicos da região e ganharia altitude em todo o País. Era obrigatório que o sindicato organizasse uma ampla campanha, que envolvesse os demais sindicatos e as centrais. A primeira atitude seria a de convocar a assembleia geral dos metalúrgicos do ABC. A partir daí, se desencadearia a campanha local, regional e nacional. O avanço da luta no ABC, certamente, exerceria uma enorme pressão sobre os demais sindicatos e movimentos. Aí, sim, teríamos uma verdadeira resistência.
Diante da manutenção do objetivo de fechamento da Ford, era dever dos sindicatos preparar a sua ocupação, e impor o controle operário. A burocracia sindical fez exatamente o sentido oposto. Isolou o conflito da Ford, orientou os operários a se comportarem passivamente, criou a expectativa de uma solução futura, manobrou às costas dos trabalhadores, contribuiu com o cronograma da multinacional, e encurralou o descontentamento para o acordo de demissão.
Os 4.500 postos de trabalho liquidados são parte dos milhares e milhares de postos fechados com a crise, e de milhões de desempregados crônicos. Os capitalistas, em vez de abrirem novas fábricas, fazem o contrário. Assim, mutilam parte das forças produtivas, e ampliam o exército de desempregados. A burocracia sindical considera inevitáveis as demissões em massa e o desemprego. Abriu mão da bandeira de redução da jornada, sem redução salarial e abraçou os programas de flexibilização capitalista do trabalho. Conduziu os sindicatos a participarem de acordos de demissão. Anulou-os como instrumento de defesa dos empregos e salários. Não é, portanto, estranho que o crescimento do desemprego e subemprego deu um salto, com a recessão de 2015 e 2016, sem que houvesse campanhas em defesa dos assalariados. A pequena recuperação não altera substancialmente esse câncer capitalista, que corroi a força de trabalho, e empurra as massas para a pobreza e miséria. É disso que se trata o fechamento da Ford.
A conduta capituladora da burocracia sindical diante da classe capitalista é responsável pela imposição das contrarreformas de Temer e Bolsonaro. Os explorados, ao invés de se armarem com seus métodos próprios de luta, têm sido esmorecidos pela política de conciliação de classes da burocracia sindical e dos partidos reformistas, como o PT. A aprovação das reformas trabalhista e previdenciária, lei da terceirização e lei da liberdade econômica ocorreu sem que os explorados se erguessem em um movimento, à altura de sua capacidade coletiva. Embora demonstrassem disposição de combate, a frente burocrática das centrais e os partidos de oposição acabaram por canalizá-la para as decisões do Congresso Nacional. Desmontaram as greves gerais de abril de 2017 e junho de 2019. As duas traições se encarregaram de facilitar a aprovação das contrarreformas. A vanguarda consciente não pode deixar de pôr às claras a traição da Ford, como parte dos problemas mais gerais enfrentados pela classe operária e demais oprimidos.
O capitalismo em decomposição exige que a classe operária se liberte das direções conciliadoras e traidoras. Não é por falta de um programa e de reivindicações próprias que a classe operária se encontra tão subordinada a tais direções. Mas sim pelo caráter embrionário de seu destacamento mais avançado, empenhado em construir o partido revolucionário. Experiências tão duras como essas têm de ser assimiladas na luta pela independência política dos explorados.