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16 nov 2019
Nova fase da crise política na Bolívia
Abaixo o governo direitista de Jeanine Áñez!
Por um governo operário e camponês, apoiado na maioria nacional oprimida!
16 de novembro de 2019
O movimento massivo, que golpeou o governo de Evo Morales, deu lugar a um governo interino da direita fascistizante. Na impossibilidade de o levante estabelecer um governo da classe operária, camponeses, indígenas e setores da pequena burguesia urbana empobrecidos, era previsível que se instalaria um governo vinculado a Carlos Mesa e Luís Fernando Camacho. Um governo da maioria nacional oprimida seria um governo operário e camponês, expressão da ditadura de classe do proletariado. Como se vê, a natureza do governo revolucionário resultaria da aliança operária e camponesa, que incluiria as camadas oprimidas da pequena burguesia urbana. Essa aliança somente seria possível caso o Partido Operário Revolucionário (POR) se destacasse como direção do movimento das massas, que pôs abaixo o governo nacional-reformista de Evo Morales. Essa variante não era possível, uma vez que o movimento das massas contra Evo estava condicionado pela divisão interburguesa em torno às eleições, portanto, em torno à conservação ou mudança da governabilidade burguesa.
O contingente das massas, que durante 23 dias saíram às ruas e bloquearam parte do país, não abarcou a maioria oprimida. Uma importante parcela ainda mantinha e mantém confiança no governo Evo, embora não mais fosse possível sustentar a impostura de sua política nacional-reformista, em particular, do seu indigenismo. A revolução proletária na Bolívia necessariamente será de maioria nacional oprimida, conduzida pela classe operária, e esta, dirigida pelo seu partido. A população, dividida em torno à disputa interburguesa, não encarnou as reivindicações e o programa de transformação revolucionária, embora estivessem presentes no embate.
O POR foi obrigado a intervir no seio da rebelião contra o governo Evo, que, nos seus 13 anos, favoreceu os grandes proprietários, o agronegócio e as petroleiras. A influência hegemônica, no entanto, foi a da oposição burguesa direitista e ultradireitista. Essa relação oposta de política de classe no seio das massas somente poderia concluir em favor da maioria nacional oprimida no caso de triunfar a revolução social, instalando um governo operário e camponês, baseado na democracia das massas em luta. Nos cabildos abertos, comitê cívicos e organizações sindicais em que o POR esteve e está presente, este expressou a política de independência de classe, combatendo o governo e enfrentando a influência da oposição direitista, sob a bandeira de “Nem Evo, nem Mesa, nem Camacho!” O problema é que essa linha não prevaleceu na revolta popular. Era preciso que as massas a encarnassem, para se libertarem da influência da oposição reacionária, que era a de impor novas eleições sem a presença de Evo. E, assim, estabelecer o curso do combate pelo governo operário e camponês. Sem esse deslocamento, não era possível superar a divisão, provocada pelo choque entre os governistas e oposicionistas no interior da maioria oprimida. Os acontecimentos evidenciaram a importância da estratégia do governo operário e camponês, do programa, que combina a resolução de tarefas democráticas com as transformações socialistas, e da tática de independência de classe.
A renúncia de Evo expressou a incapacidade e o esgotamento do nacional-reformismo diante das necessidades mais elementares da maioria oprimida, e da resolução das tarefas democráticas pendentes, sendo as mais importantes a revolução agrária e a independência nacional. Tarefas essas que levam a maioria oprimida a se contrapor à burguesia branca e racista, herdeira do colonialismo espanhol.
Evo constituiu um governo nas condições em que a burguesia oligárquica, racista e pró-imperialista, se viu diante de um levante, que derrubou o governo de Sánchez de Lozada, em outubro de 2003, homem vinculado aos agroindustriais do Oriente e ao imperialismo norte-americano. Evo se elegeu em dezembro de 2005, depois de concluída a transição conduzida pelo vice-presidente, Carlos Mesa, e pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Eduardo Rodríguez. Carlos Mesa, é importante assinalar, teve de deixar o governo em meio a grandes manifestações e brutal repressão. O período que se seguiu à crise da “Guerra da Água”, em 2000 – levante instintivo das massas contra a privatização de recursos hídricos – não permitiu à burguesia reverter a decomposição política de seu governo. Evo se projetou como um fenômeno novo na história política da Bolívia. Emergiu do seio das massas camponesas, e do movimento dos cocaleiros do Chapare. Constituiu um governo pequeno-burguês, empunhando bandeiras nacional-reformistas.
O POR imediatamente o caracterizou como “defensor da grande propriedade privada, do regime de exploração capitalista, do poder dos ricos e das multinacionais, daqueles que querem fazer algumas reformas sem mudar a estrutura econômica capitalista atrasada“. Denunciou que Evo Morales, apesar de ostentar um poncho, era um presidente burguês. E que era necessário revelar aos olhos da maioria oprimida a sua impostura reformista e indigenista. Demonstrou que seu governo não se colocava pelo esmagamento da “velha direita”, que fazia oposição encastelada no Comitê Cívico de Santa Cruz. De maneira que Evo e seu partido, o MAS, constituíam uma “nova direita”. Essa caracterização do governo do MAS se confirmou e se evidenciou plenamente, assim que foi resolvido o conflito em torno à Constituinte, e elaboração da nova Constituição, entre 2006 e 2009. O arrefecimento da resistência da oposição direitista, reunida no movimento separatista Meia Lua, se deu por meio da garantia da propriedade privada dos meios de produção, e dos interesses da oligarquia latifundiária.
Em 2009, Evo é reeleito, com 63,9% dos votos. Para um terceiro mandato, conseguiu, nas eleições de 2014, 61%. Para concorrer a um quarto mandato (terceiro se se considera a partir da nova Constituição), Evo teve de desconhecer a derrota sofrida no referendo de fevereiro de 2016, em que o NÃO obteve 51,3%. Nas eleições de outubro de 2019, Evo contava com 45% e Mesa, 38% dos votos, quando a contagem alcançava 83% das urnas. Um apagão interrompeu a apuração por quase um dia. Na retomada, Evo tinha 46,8% e seu opositor, 36,7%. Não precisava que a OEA, instrumento do imperialismo, constatasse a fraude, para que a população a reconhecesse. Motivo que desencadeou o movimento nacional pela derrubada de Evo. É importante observar que, independente da falcatrua, e mesmo da possibilidade de Evo vencer no segundo turno, os 45% dos votos – bem abaixo dos 63,9% e 61%, obtidos em eleições passadas – indicaram um grande deslocamento eleitoral de uma parcela da população para o candidato da velha direita. Permaneciam e certamente ainda permanecem ilusões em uma importante camada dos explorados no governo de Evo. Mas, não o suficiente para contornar a crise política, que o levou à renúncia. A demonstração prática de que seu governo havia se adaptado às pressões dos Estados Unidos, e se submetido ao poder econômico do agronegócio, das mineradoras e das petroleiras, solapou a autoridade caudilhesca de Evo, obtida após a pantomima da Assembleia Constituinte, e da Constituição Plurinacional. É necessário indicar, mais recentemente, a aproximação de Evo Morales com o governo fascistizante de Bolsonaro. Esteve presente na sua posse, e presenteou a reação internacional e brasileira com a entrega do exilado Cesare Battisti aos seus perseguidores.
O declínio da capacidade de arregimentação eleitoral das massas é apenas um sintoma do descontentamento, que foi crescendo, conforme o governo tomava medidas antinacionais e antipopulares. As inúmeras marchas dos indígenas do Parque Nacional Isiboro-Sécure Tipnis, em 2012, abriram uma fenda na base de apoio ao governo Evo, expuseram os interesses das multinacionais, em particular de poderosos grupos econômicos brasileiros. Arrancaram a máscara do indigenismo e do Estado Plurinacional. Greves, manifestações e bloqueios se tornaram recorrentes. Os movimentos foram contidos pela repressão policial e pela ação da burocracia sindical atrelada ao MAS.
O presente levante tem em sua base os conflitos anteriores e o descontentamento que foi se estendendo por todo o país. É um erro desconsiderar o encadeamento dos acontecimentos da luta de classes e o choque da população indígena com seus opressores capitalistas. O fato da classe operária, vinculada à mineração, ter sido atingida pelo declínio da indústria mineral, possibilitou que a pequena burguesia e setores populares aumentassem sua influência nas lutas contra os governos. Não é de menor importância a divisão estabelecida entre as cooperativas de mineração e os operários da extração. O governo Evo incentivou as cooperativas de pequenos proprietários, negando-se a nacionalizar esse importante ramo econômico do país. Essa situação, desfavorável à vanguarda operária, dificultou e dificulta, na presente crise, a tarefa de superar a divisão no seio da maioria nacional oprimida, causada pela disputa interburguesa em torno ao poder. É imprescindível compreender que somente a classe operária, sob a direção do POR, poderia e pode derrotar a influência da velha direita burguesa, sem se submeter ao nacional-reformismo decomposto, que pode ser qualificado de nova direita. Essa possibilidade não pôde emergir da crise revolucionária, embora o POR lutasse para que se viabilizasse.
A renúncia de Evo e a derrocada de todo o seu governo concluíram em vitória das forças direitistas e contrarrevolucionárias. Assim sucedeu porque as massas, em choque com a continuidade do governo do MAS, estiveram condicionadas pelas forças direitistas, que abrigaram uma fração fascistizante. O fascista Luís Fernando Camacho despontou como principal chefe da oposição direitista, obscurecendo inclusive a figura de Carlos Mesa, não apenas pelo fato de ser um homem orgânico do agronegócio, e umbilicalmente ligado aos latifundiários, mas também por ser um representante dos evangélicos pentecostais, que se espalham pelos países semicoloniais como catequistas a serviço do imperialismo norte-americano.
Camacho, tudo indica, foi um dos primeiros a exigir a renúncia de Evo. As Forças Armadas aguardaram o veredito da OEA, confirmando a fraude, para dar poder ao ultimato, lançado desde o Comitê Cívico de Santa Cruz. No momento em que Evo admitiu a inspeção desse órgão controlado pelos Estados Unidos, e aceitou convocar o segundo turno, acatou as determinações das forças burguesas que comandam o Estado, na forma da ditadura de classe da minoria burguesa contra a maioria explorada. Errou nos cálculos, supondo que a oposição radicalizada, apoiada nas mobilizações populares, aceitaria um segundo turno com a sua presença e o aparato de Estado, que foi amplamente utilizado na disputa eleitoral. Restava a definição das Forças Armadas e da polícia. O primeiro sinal foi o de se negarem a reprimir a revolta que ganhou as ruas. Foi um sinal de que se colocavam do lado da oposição. Sem o instrumento de contenção das massas, Evo somente poderia contar com a parcela que ainda se mantinha fiel ao seu governo. Em outras palavras, apoiar-se na divisão da maioria oprimida. Provavelmente, verificou que não conseguiria provocar uma cisão nas Forças Armadas. O que era decisivo para resistir ao movimento das massas e à ofensiva da oposição direitista. Nesse caso, se abriria um caminho para o aprofundamento da crise, que poderia conduzir à guerra civil. Nas disputas interburguesas, não é factível uma guerra civil sem os choques internos às Forças Armadas, e a dissolução de sua unidade. Evo não arriscaria seu pescoço, recorrendo a essa via. Por natureza, a política do nacional-reformismo é pacifista e conciliadora. Isso quando se trata de choques interburgueses. Caso as Forças Armadas e a polícia não fugissem ao seu comando, sem dúvida, Evo autorizaria o uso da violência contrarrevolucionária diante do movimento das massas.
A renúncia se deveu à decisão de não convocar seus partidários a defenderem seu governo nas ruas, confrontando-se ao movimento que estava por sua queda. Evo e todo seu governo se viram suspensos no ar. Optaram pela alternativa de entregar o poder aos adversários. As massas em luta ficaram à margem. Na impossibilidade da mobilização se transformar em revolução social e derrubar o poder burguês, as forças opositoras ocuparam o lugar deixado pelo breve vazio de governabilidade. Já não mais precisavam das forças populares, que as elevaram ao poder. Instituiu-se, como presidente interino, Jeanine Áñes. Ao que tudo indica, a senadora é vinculada a Camacho e aos pentecostais. Ajustou, imediatamente, os comandos das Forças Armadas e da polícia, nomeou os ministros interinos e prometeu eleições dentro de três meses.
Evo denunciou sua renúncia como golpe de Estado. Assim, ocultou e oculta sua responsabilidade pelo levante de um grande contingente dos explorados. Desconheceu que, durante dias, as ruas estiveram tomadas, não só pela classe média, mas por camadas de trabalhadores urbanos, camponeses e indígenas. Parte delas serviu de base de apoio ao seu governo. Fez de conta que não se adaptou, nos treze anos de seu governo, aos interesses e pressões das forças direitistas, que, por natureza, são contrarrevolucionárias e golpistas. Não se importou com a sua incapacidade e indisposição de mobilizar a fração dos explorados que ainda acredita em seu governo. Evo não pôde admitir que caiu porque as massas foram às ruas contra a violação da consulta popular e as falcatruas que lhe permitiriam mais um mandato presidencial. Todos esses motivos, entre outros, desapareceram, restando apenas a ação da direita, que, sem dúvida, procurava a via do golpe.
Os explorados, o POR, sindicatos e movimentos, agora, estão diante de uma nova fase da crise. Está instalado o governo dos latifundiários, racistas, e pró-imperialista. Sua ação se volta a desmobilizar os explorados que lutaram contra Evo; e a reprimir os explorados que não aceitaram a queda do governo. As Forças Armadas e a polícia se encontram no leito natural do Estado, comandado pela oligarquia, e orientado pelo imperialismo. O governo pequeno-burguês, pretensamente reformador do capitalismo, ocupava um lugar provisório no interior do Estado, criatura da burguesia e aparato de sua ditadura de classe. A tarefa imediata de Jeanine Áñez é a de concluir a interinidade, transferindo o poder a um governo das forças comandadas pelo grande capital, se possível, na melhor das hipóteses, pela realização de eleições dentro de noventa dias.
O obstáculo a esse plano, que conta com a participação da OEA e o apoio direto de Trump, emergiu da reação do movimento camponês-indígena, que conta com o apoio dos mineiros. A retirada da bandeira Wiphala do Congresso Nacional, e a sua queima nas ruas pelos racistas, indicaram às nacionalidades indígenas o perigo que representa a volta dos representantes da oligarquia latifundiária e do agronegócio. Sob o governo de Evo e da Constituição, que instituiu a bandeira Wiphala, os camponeses-indígenas, portanto a imensa maioria da população, cultivaram a ilusão sobre o fim da dominação espanhola branca e, portanto, do racismo colonialista. Embora o governo de Evo tenha se empenhado em limitar as manifestações raciais, provenientes da dominação burguesa, não chegou nem perto das raízes de classe da opressão sofrida pelos indígenas. Não fez senão ocultá-las, com a farsa do Estado Plurinacional. Nem por isso as massas indígenas-camponesas deixaram de assimilar a necessidade de lutar contra os racistas. A provocação dos direitistas impulsionou a resistência pela volta de Evo. E o governo provisório de Jeanine Áñez orientou o exército e a polícia a conter as marchas e mobilizações. A matança em Sacaba, na sexta-feira, 15 de novembro, expôs a determinação da oposição direitista de garantir a vitória custe o que custar.
O POR reconhece a mudança na situação, e se coloca por concentrar a luta contra o governo dos agroindustriais do Oriente e dos grandes empresários, apoiado no imperialismo. Evo Morales acenou com um gesto de conciliação, caso possa retornar à Bolívia. Parece ser real a informação de que o ministro interino Jerjes Justiniano estabeleceu conversações com o MAS. Não há dúvida de que tudo será feito por Evo e pela direção partidária para que as massas, que não aceitaram a sua renúncia, sirvam tão somente de meio para negociar os termos das eleições previstas, mas não garantidas.
Voltamos ao fundamental da crise revolucionária. A tarefa consiste em superar a divisão no seio da maioria oprimida. Divisão que marcou o movimento contra Evo, que se mantém sob o governo interino e que percorrerá todo um período. É obrigatório recorrer às reivindicações que unifiquem os explorados do campo e da cidade, e desenvolver a estratégia do governo operário e camponês, em grande medida ausente no choque dos explorados com o governo Evo. A derrubada de um governo burguês coloca, objetivamente, que solução terá a crise de poder. Os marxistas lutam contra qualquer tipo de governo burguês, com os métodos da revolução proletária e estratégia revolucionária. O combate ao governo nacional-reformista de Evo, e ao direitista fascistizante, tem em comum o fato deles sustentarem o capitalismo e descarregarem sua decomposição sobre a classe operária e a maioria oprimida. No entanto, guardam importantes diferenças e particularidades, que marcam o curso tomado pela luta de classes em cada caso. As tarefas democráticas agrárias e nacionais ganharão novas proporções com a derrocada do MAS. É preciso dar a devida importância à revolução democrática, como parte e subproduto da revolução proletária. É preciso voltar toda a carga para derrotar o governo da direita fascistizante.